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De olho nas urnas, Justiça Eleitoral mira desigualdades e desinformação

26.mai.2022 - O presidente do TSE, ministro Edson Fachin, durante sessão plenária do tribunal -  Abdias Pinheiro/SECOM/TSE
26.mai.2022 - O presidente do TSE, ministro Edson Fachin, durante sessão plenária do tribunal Imagem: Abdias Pinheiro/SECOM/TSE

Colunista do UOL

13/06/2022 20h20

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* Juliana Romão

Num dos anos mais tensos das últimas décadas, a Justiça Eleitoral tem adotado medidas importantes em duas frentes: a busca por assegurar uma maior igualdade nas condições de disputa das eleições e a garantia da legitimidade do pleito de outubro.

Mesmo não tão visivelmente interligados, esses dois movimentos de proteção e inclusão se conectam e tonificam a musculatura da instituição em tempos de ameaças autoritárias.

Nos últimos oito meses, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) criou a Comissão de Transparência das Eleições (CTE) e o Observatório da Transparência das Eleições (OTE) para ampliar a segurança em todas as etapas do pleito e instituiu o Núcleo de Inclusão e Diversidade, este que fomentou a implantação da Ouvidoria da Mulher e de duas outras comissões, a de Promoção da Participação Indígena no Processo Eleitoral e a de Promoção da Igualdade Racial.

Essas são instâncias inéditas de debate, planejamento e fortalecimento das populações excluídas do acesso ao poder: mulheres plurais, pessoas negras, indígenas, LGBTQIA+ e a diversidade como um todo.

O Núcleo é uma iniciativa recente, que pode sim ficar na promessa ou figurar como peça publicitária das comemorações dos 90 anos da Justiça Eleitoral, mas igualmente tem potencial para marcar as eleições de 2022 com uma nova postura da Corte.

Ainda pouco concretas, as comissões que abarca não implicam contratação de pessoal, surgindo mais como sinalizadores da disposição política para tirar debaixo do tapete a discussão sobre o imenso e histórico desequilíbrio de forças na competição eleitoral. Em todas as medidas, há um tom de nutrição democrática e, também, de demanda por alargamento da capilaridade política.

O empenho em expandir a força preventiva contra os ataques que têm sido orquestrados à credibilidade do sistema eleitoral brasileiro não é apenas interno. Órgãos internacionais como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, OEA (Organização dos Estados Americanos) e o escritório regional do Alto Comissariado da ONU (Organização das Nações Unidas) para Direitos Humanos foram alertados das tensões por observadores nacionais e estrangeiros e já iniciaram estratégias de monitoramento da integridade eleitoral no Brasil.

A defesa da democracia, que inclui críticas às desigualdades fomentadas pelo atual modelo político, precisa ser coletiva. É no ambiente democrático que se poderá aperfeiçoar a própria democracia. Vale, portanto, fazer um resumo analítico das principais medidas adotadas pelo TSE nesta direção:

Participação indígena

A iniciativa mais recente é a criação da Comissão de Promoção da Participação Indígena no Processo Eleitoral. Estabelecida em abril pela Portaria TSE nº 367/2022, busca enfrentar a sub-representação indígena e ampliar a cidadania política dos povos originários, com a proposta de elaborar projetos para ampliar a presença e a capacidade eleitoral das pessoas indígenas, respeitando os respectivos costumes, linguagens e organização social.

Formada por 13 integrantes, a Comissão é coordenada pela assessora do Núcleo de Inclusão e Diversidade do TSE, Samara Pataxó, e conta com uma composição equilibrada em gênero e representação étnica.

A população indígena é atualmente estimada em mais de 850 mil pessoas, de 305 povos e 274 línguas distintas, segundo dados do IBGE. Nas eleições de 2018 o TSE registrou 133 candidaturas aos poderes executivo e legislativo. Já em 2020, 2.216 indígenas concorreram às prefeituras e às câmaras.

A comissão se conecta a normas como a resolução TSE nº 23.659/2021, que trata do respeito aos costumes e à organização social dos povos. O texto estabelece, por exemplo, a não distinção entre indígenas "integrados" e "não integrados", "aldeados" e "não aldeados", ou qualquer outra que não seja autoatribuída pelos próprios grupos. Para fins de alistamento eleitoral, também não há exigência de fluência na língua portuguesa, uma garantia ao uso das línguas maternas e de valorização cultural, entre outras determinações.

Igualdade racial

A Comissão de Promoção da Igualdade Racial foi criada em março pela Portaria TSE nº 230/2022 com a finalidade de elaborar projetos de maior participação da população negra nas eleições, com ações de fortalecimento da atuação eleitoral ativa e passiva. O colegiado se propõe a funcionar como mais uma instância de combate ao racismo nas eleições, tendo na presidência o ministro Benedito Gonçalves e uma composição equilibrada em gênero e raça. Já houve encontros de escuta a representantes partidários e audiência pública sobre o tema.

Uma das pautas mais fundamentais para esta comissão, e para a Justiça Eleitoral como um todo, será a incidência qualificada em medidas fiscalizadoras e de incentivo ao cumprimento das regras de ação afirmativa contra as desigualdades provocadas pelo marcador racial. Uma delas é a obrigação de distribuição do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (Fundo Eleitoral) respeitando a proporcionalidade de raça das candidaturas em disputa, normativo que passou a valer nas eleições de 2020, e a mais recente, que estreia nestas eleições gerais: a contagem em dobro dos votos em mulheres ou pessoas negras para fins de distribuição dos fundos Partidário e Eleitoral.

Ouvidoria da Mulher

A Ouvidoria da Mulher, focada no combate à violência política de gênero, é outra novidade. A unidade é uma segmentação da ouvidoria já existente, e promete ser um serviço permanente para recebimento e encaminhamento de denúncias ao Ministério Público, que passaria a orientar e acompanhar as vítimas.

O canal tem fluxos de operação consoante à nova Lei 14.192/21, que tipifica pela primeira vez no Brasil o crime de violência política de gênero e raça, estabelecido como "toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os seus direitos políticos".

A lei, que terminou fragilizada e com pouco alcance concreto, inclui no Código Eleitoral o crime de assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar de formas diversas a candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo. Altera, ainda, a Lei dos Partidos Políticos para tratar dos crimes de divulgação de fato ou vídeo com conteúdo inverídico no período de campanha, assegurar a participação de mulheres em debates eleitorais e exigir estatutos partidários normatizados em prevenção, repressão e combate a esta expressão de violência.

A ouvidoria, que é uma iniciativa válida, mas insuficiente, demandará certamente outros mecanismos de enfrentamento, especialmente durante o período eleitoral, quando as mulheres são mais gravemente ofendidas e ameaçadas nas instâncias partidárias, sociais e virtuais.

Em 2020 uma pesquisa realizada pelo Instituto Marielle Franco revelou que 98,5% das candidatas entrevistadas afirmaram ter sofrido ao menos uma categoria de violência política nas atividades de campanha. É o caso, talvez, de expansão da Comissão Gestora de Política de Gênero, conhecida como TSE Mulheres, estabelecida pela Portaria TSE 791/2019.

Transparência

Outra ponte de conexão com a sociedade civil são a Comissão de Transparência das Eleições (CTE) e o Observatório da Transparência das Eleições (OTE), criados pela Portaria 578/2021, com objetivo de ampliar a segurança de todas as etapas de preparação e realização do pleito. Participam movimentos sociais, especialistas e instituições públicas de fiscalização e auditoria. A comissão tem se mostrado um importante agente de transparência e fortalecimento do compromisso com eleições limpas, livres e pacíficas.

Desafio para 2022

Fortificada ou não pelas novas instâncias, a Justiça Eleitoral tem uma imensa responsabilidade nestas eleições. Terá que atuar com consistência na prevenção e enfrentamento à violência política de gênero e raça, monitorando a distribuição dos recursos públicos nas campanhas, especialmente para candidaturas de mulheres e de pessoas negras.

Isso significa o desafio de fiscalizar R$ 5 bilhões de verba pública destinada à campanha deste ano com uma estrutura similar a de 2018, quando o orçamento era de R$ 1,7 bilhão, sem mencionar as estratégias de enfrentamento às cada vez mais graves insinuações de descrédito ao sistema de votação, levadas adiante pelo bolsonarismo. Um olho no gato, outro no peixe.

Trata-se, em última instância, de uma responsabilidade gigantesca, em múltiplas frentes, mas à altura da disputa civilizatória que este ano nos impõe. Acompanharemos de perto, sempre em defesa da democracia.

* Juliana Romão é consultora em comunicação política, jornalista e mestra em Comunicação (UnB). É cofundadora e cogestora do projeto-ação Meu Voto Será Feminista, integrante da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma Política e da Frente Pelo Avanço dos Direitos das Mulheres.