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'País do ruído': caso Dom Phillips escancara o pior do governo Bolsonaro
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* Warley Alves Gomes
O desaparecimento do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira lança em nossa cara um Brasil que o governo insiste em esconder: o da violência perpetrada aos jornalistas, ativistas e pesquisadores que buscam realizar seu trabalho em prol da defesa do meio ambiente e dos povos indígenas.
Os agentes dessa violência costumam trocar de rosto e endereço, mas quase sempre estão relacionados ao mesmo lugar social: o agronegócio predatório, que agora conta com o governo Bolsonaro como valioso guardião, disposto a reduzir o máximo possível as fiscalizações e, ao mínimo, as investigações, quando é o caso.
O desaparecimento e assassinato de jornalistas e ambientalistas não é uma novidade nesse governo, é preciso dizer; mas como tudo nesses últimos anos, vem impregnado de fardas e falas que nos remetem ao período sombrio da ditadura militar. O Exército demonstrou morosidade para iniciar as investigações e o presidente Jair Bolsonaro disse que Phillips havia cometido uma "aventura não recomendável".
Nessa altura do campeonato, ninguém mais se espanta com as palavras perversas de Bolsonaro, ou com a ineficiência das Forças Armadas, que parece mais preocupada em palpitar na política que em cumprir seu papel institucional. O caso Dom Phillips nos mostra o que é, verdadeiramente, o projeto de nação dos militares: um campo aberto para a violência, corrupção e impunidade dos poderosos. Nesse Brasil, sonhado por parte dos verde-oliva e realizado pelo presidente Bolsonaro, a verdade está sempre encoberta por informações desencontradas, ruídos comunicacionais e falas perversas e despropositadas que, se nada esclarecem, parecem jogar a culpa nas vítimas.
É assim que ditaduras funcionam. Por vezes imagina-se um poder central vigilante e abusivo, mas, na maior parte das vezes, a repressão é exercida de forma mais sutil e, menos que centralizada, ela se dissemina de forma difusa e penetra no nosso cotidiano, muitas vezes eliminando nossa sensibilidade.
Essa violência nem sempre é cometida diretamente pelo Estado ou seus agentes, mas também, ou mesmo principalmente, por seus aliados. A esses crimes, o governo faz vista grossa, protela investigações e publicamente se pronuncia através de falas vagas e desencontradas: "fizeram alguma maldade aí", disse Bolsonaro em sua live. Nesse país, com um governo que sonha em ser uma ditadura, fazem "maldades" todos os dias; elas parecem pingar de gota em gota. Um dia o copo entorna.
Esse descaso contribui para manchar ainda mais a já desgastada imagem do governo no exterior. Nesse sentido, é preciso dizer de forma clara: o Brasil hoje é um pária na comunidade internacional porque Jair Bolsonaro, incapaz de se portar como presidente, continua a encarnar o deputado de baixo clero que sempre foi.
O desaparecimento de Dom Phillips e Bruno Pereira apresenta aspectos físicos e simbólicos. Físicos porque estamos falando de duas pessoas que, caso não sejam encontradas, deixarão uma lacuna na vida de seus amigos e familiares; simbólicos, porque representam um Brasil cuja esperança vai desaparecendo também, dando lugar a um país onde todos parecem perdidos. Nele, o presidente não se encontra como presidente, os militares tampouco sabem seu lugar, e os que resistem, como Dom Phillips e Bruno Pereira, correm o risco de desaparecer.
Esse é o país dos sonhos de quem vê na violência a normalidade e no medo um caminho para a paz; é o projeto de nação deles, mas não pode ser o nosso. O que a gente espera, no mínimo, é respeito por aqueles que arriscam suas vidas por um país melhor. Nossas preces estão com as famílias de Dom Phillips e Bruno Pereira. Eles demonstram que ainda existe humanidade e empatia nesse Brasil bastante maltratado pela insensibilidade de um governo que demonstra uma insaciável pulsão de morte.
* Warley Alves Gomes é doutor em História pela Universidade Federal de Minas Gerais. Também se dedica à escrita literária, tendo estreado com a publicação do romance O Vosso Reino, uma distopia realista que remete ao Brasil contemporâneo.
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