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OPINIÃO

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Na impossibilidade de aplicar o golpe, Bolsonaro quer o caos total

18.jul.2022 - O presidente Jair Bolsonaro (PL) ataca o sistema eletrônico de votação em reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada, em Brasília. - Clauber Cleber Caetano/PR
18.jul.2022 - O presidente Jair Bolsonaro (PL) ataca o sistema eletrônico de votação em reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada, em Brasília. Imagem: Clauber Cleber Caetano/PR

Colunista do UOL

20/07/2022 00h24

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* Cesar Calejon

Fundamentalmente, golpes de estado possuem duas características em comum com os assaltos que são praticados cotidianamente nas ruas das principais cidades do país: a primeira remete ao uso da violência para tentar, de forma ilegítima, se apropriar de algo que não lhe pertence por direito. A segunda diz respeito ao elemento surpresa que é necessário para viabilizar essas iniciativas de forma bem-sucedida.

Assim como os assaltantes convencionais jamais anunciam o assalto antes do momento derradeiro, golpistas que têm chances reais de se apoderarem do aparato estatal pela via das armas também não apresentam a suas pretensões antecipadamente. Isso porque, em ambos os casos, perder o elemento surpresa reduz drasticamente as chances de sucesso dos crimes.

Por que, então, Bolsonaro insiste em alardear o seu intuito golpista em eventos que expõem, inclusive, a própria imagem do Brasil no exterior, como na reunião com os embaixadores no começo desta semana? Porque o bolsonarismo sabe que não tem os elementos necessários para dar um bote efetivo na República e, na impossibilidade de aplicar o golpe, Bolsonaro quer o caos total.

Neste contexto, o golpe bolsonarista significa implementar o caos e a confusão de forma generalizada para, pelo menos, tentar inviabilizar o resultado da escolha da soberania popular a ser expressa durante o próximo pleito presidencial.

Com o advento da Internet, dos smartphone e o aumento da densidade das democracias liberais ocidentais, organizar golpes de estado tornou-se uma tarefa mais complexa, considerando o que era necessário para atingir este mesmo propósito durante a segunda metade do século XX.

Naquela ocasião, bastava controlar os principais veículos hegemônicos de comunicação, alinhar com as forças estrangeiras que eventualmente poderiam condenar o ato e ocupar o Congresso Nacional com os tanques, impondo o domínio por meio do uso da força e encerrando os processos democráticos do Estado de Direito.

Hoje, esta equação é bem mais elaborada. Faz-se necessário o alinhamento de pelo menos cinco elementos distintos para que o golpe tenha sucesso: (1) o domínio dos veículos hegemônicos de comunicação, (2) a cooptação de uma ampla parcela da população nacional, sobretudo da alta burguesia e extratos das classes médias e mais empobrecidas, (3) a aprovação de forças internacionais que estejam dispostas a bancar ou, no mínimo, a tolerar a iniciativa sem questionamentos, (4) o controle de boa parte do Judiciário e do parlamento (Legislativo) e (5) das Forças Armadas.

O bolsonarismo hoje possui, na melhor das hipóteses para as suas pretensões golpistas, apenas uma parte pequena destes elementos. Contudo, a confusão serve ao propósito de embolar o meio de campo, o que daria o argumento ideal para o governo e os militares alegarem uma espécie de instabilidade institucional que impediria a realização das eleições de outubro.

Contudo, esse é um jogo perigoso para o próprio Jair Bolsonaro, porque, caso os militares entendam que ele se tornou uma figura que vale mais sendo descartada do que permanecendo no cargo, eventos infames, como no famoso caso Riocentro — atentado perpetrado por militares durante a ditadura — podem entrar em cena para definir os rumos do país. Neste caso, Bolsonaro estaria fomentando um contexto de caos que pode explodir, literalmente, no seu colo.

* Cesar Calejon é jornalista, com especialização em Relações Internacionais pela FGV e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela USP (EACH). É escritor, autor dos livros A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI (Kotter), Tempestade Perfeita: o bolsonarismo e a sindemia covid-19 no Brasil (Contracorrente) e Sobre Perdas e Danos: negacionismo, lawfare e neofascismo no Brasil (Kotter).