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OPINIÃO

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A dupla face do Mendonça

André Mendonça e Bolsonaro - Carolina Antunes/Presidência da República
André Mendonça e Bolsonaro Imagem: Carolina Antunes/Presidência da República

06/12/2021 16h28

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Por Paulo Sérgio Pinheiro

As declarações do novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), André Mendonça, durante a sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal são tão falsas quanto o implante de cabelos (adorei as laterais em degradê com os fios brancos) com que ele se paramentou para a refrega. O pau mandado do presidente da República, tanto como advogado Geral da União, como ministro da Justiça, renegou descaradamente todos seus atos, decisões e falas anteriores, validando e blindando o ideário golpista.

Quem ouviu a arguição, estava diante de um homem novo. Redondamente enganado, esperei que naquela cascata de revisões fingidas Mendonça se retratasse pelo "dossiê antifascista", por ele encomendado em agosto de 2020, quando ministro da Justiça. A peça autoritária da pior qualidade técnica foi especialmente engendrada para constranger mais de 500 policiais militares e civis que tiveram a coragem imensa, nesse governo de extrema direita, de assumir a luta antifascista.

De quebra, Mendonça ainda autorizou que o tal dossiê ilegal (como assim decidiu a ministra Carmen Lúcia, do Supremo), fosse disseminado por todas as polícias brasileiras. Além dos policiais, o dossiê incluiu quatro professores universitários, com base em seus artigos sobre o retrocesso autoritário em curso no Brasil. Entre estes, um dos mais eminentes antropólogos brasileiros, com vasta obra sobre violência, meu querido colega Luiz Antônio Soares, e eu mesmo.

No meu caso, tive meus minutos de reparação (não pelo ministro, esclareça-se) em longas e ineptas entrevistas na Globo News. Duas jornalistas, Mônica Waldvogel e Eliane Cantanhede, muito corajosamente confrontaram o então ministro a meu respeito. Meu colega de 30 anos da Comissão Teotônio Vilela, Fernando Gabeira, perguntou se ele não se constrangia em me meter nesse dossiê. Mendonça disse que nem me conhecia (felizmente, digo eu!) e sugeriu, pasmem, que eu lhe telefonasse caso achasse que corria perigo.

Os senadores das oposições, como ocorreu na sabatina de outro ministro indicado pelo atual governo, brilharam pela doçura ou pelo silêncio, escusando-se a contestar a folha corrida imaginária exposta pelo candidato. A relatora da sabatina, senadora Elisiane Gama, e outros senadores - com exceção sempre do digníssimo senador Fabiano Contarato, do Espírito Santo - que se esmeraram na denúncia do governo na CPI sobre a pandemia, pareciam inebriados com as declarações do candidato bolsonarista louvando democracia e direitos. A relatora, ao ver a vitória do candidato na Comissão, exultou: "Nós vencemos".

Mas durou pouquíssimo a conversão do Mendonça. Logo sufragado no plenário do Senado, o novo ministro do STF soltou a franga, mandando às favas sua recente declaração. Mudando de cara, reassumiu, como papagaio, as falas do seu antigo chefe, celebrando a união entre religião e política.