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Crise Climática

OPINIÃO

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Calor simultâneo nos polos é evidência de alteração avançada do clima

Francisco Eliseu Aquino trabalha em base científica instalada na Antártica - Arquivo pessoal
Francisco Eliseu Aquino trabalha em base científica instalada na Antártica Imagem: Arquivo pessoal

Colaboração para o UOL, em São Paulo

23/03/2022 11h00

Esta é parte da versão online da edição desta quinta-feira (24/03) da newsletter Crise Climática, que discute questões envolvendo a emergência climática, como elas já afetam o mundo e quais são as previsões e soluções para o futuro. Para assinar o boletim e ter acesso ao conteúdo completo, clique aqui.

O glaciologista brasileiro Francisco Eliseu Aquino ouviu dias atrás de seus colegas da estação franco-italiana Concórdia, localizada no Platô Antártico, que havia algo errado com a previsão do tempo para a região. Como seria possível que aquele local, onde está o Polo da Inacessibilidade - a região mais fria e remota do mundo - pudesse marcar -12°C, algo entre 40-47°C mais quente que o normal? Isso só seria possível se houvesse uma invasão de ar quente e úmido dos trópicos capaz de romper a proteção dos constantes ventos polares nesta área elevada e de ar extremamente seco —cenário totalmente inédito.

A previsão se confirmou na sexta-feira (18) e em dose dupla: a anomalia de calor foi observada também no polo Norte, que registrou temperaturas cerca de 30°C acima do esperado, além da ocorrência de outra onda de calor sobre a Índia.

"Se essa temperatura tivesse sido registrada na região da Península Antártica, onde está, por exemplo, a base brasileira, eu continuaria surpreso, mas menos apavorado", afirma Aquino, que é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e especialista no continente antártico. Imagens de satélite detectaram sobre a Antártica um significativo rio atmosférico —grande corredor de vapor de água— que "prendeu" o calor sobre aquela região.

A Antártica tem cerca de duas vezes e meia o tamanho do Brasil e concentra 90% do gelo do planeta. Sua península está muito mais próxima ao continente e sujeita a mais variações de temperaturas do que seu platô, localizado na porção oriental e a mais de 3 mil metros de altitude. De acordo com o pesquisador, é impensável o aquecimento desta parte da Antártica sem que esteja havendo uma alteração profunda no clima.

"Do ponto de vista do clima moderno, nós também desconhecemos a ocorrência de duas ondas de calor simultâneas nas regiões polares", afirma. Os polos têm sido as regiões que sinalizam antecipadamente a mudança do clima, e anomalias de calor tão intensas e simultâneas em um momento de transição de estações —o Hemisfério Sul caminha para o Outono, e o Norte para a Primavera— são "algo inimaginável e o pior cenário para nós, climatologistas antárticos", afirma Aquino.

Ele destaca outra anomalia. O rompimento do vórtice polar ártico, responsável por ondas de frio, de calor, inundações severas e outros eventos extremos no Hemisfério Norte, começa a ser mimetizado na metade oposta do planeta. "O que está chamando atenção é que nós estamos vendo esse mesmo mecanismo ser mais intenso e mais presente no Hemisfério Sul, o que também não é esperado."

O último relatório do IPCC (o painel de mudanças climáticas das Nações Unidas) divulgado em 28 de fevereiro alertava para a possibilidade de fenômenos extremos simultâneos, como ondas de calor, o que potencializaria seus impactos. Mas este risco estaria previsto em um cenário de aquecimento muito maior do que o atual. Hoje a Terra está apenas 1,2°C mais quente do que antes da revolução industrial, e o Acordo de Paris tenta limitar este aquecimento a 1,5°C, o que, em tese, evitaria as piores consequências das mudanças climáticas.

"A Antártica é um lugar de extremos. Há ciclones explosivos, anomalias quentes, com grandes amplitudes, mas não no interior", explica Aquino. "Aquele é o lugar mais frio e inóspito, difícil de pesquisar, de fazer expedição, de obter dados, de entender bem —e até que nós temos hoje um bom conhecimento acumulado—, mas as mudanças na circulação atmosférica do Hemisfério Sul estão nos obrigando a ampliar o que nós classificávamos como cenários ruins".

E o que mais você precisa saber

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Caetano Veloso se apresenta no Ato pela Terra
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Dia da Terra no STF

Expectativas foram criadas após o presidente do Supremo Tribunal Federal, o ministro Luiz Fux, ter agendado para 30 de março o julgamento de sete ações que discutem pautas relacionadas à proteção do meio ambiente e ao enfrentamento das mudanças climáticas. A decisão foi tomada após a realização de um ato em Brasília liderado por artistas que cobram a proteção das florestas brasileiras, em especial da Amazônia, o respeito aos direitos dos povos indígenas e tradicionais, a proteção aos animais silvestres e a redução do uso de agrotóxicos e outros poluentes agrícolas.

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Txai Suruí, ativista ambiental
Imagem: Reprodução/Instagram

Você conhece?

Quando uma pessoa não branca ocupa um lugar que não é desenhado para ela, o racismo se apresenta descaradamente em forma de bullying, ameaças e muita inveja. Após discursar na COP26 da ONU, Walela Txai Suruí viveu esse tipo de ataque, com ativistas da extrema direita questionando seu acesso a voos, internet e até roupas. Desde então, sua presença pública só cresceu.

A estudante de direito da Unir (Universidade Federal de Rondônia) mora na Terra Indígena Ari Uru-Eu-Wau-Wau, mas já rodou o mundo, fez intercâmbio na Austrália e hoje participa de diversas iniciativas no Brasil e no exterior pelos direitos dos indígenas. Esta semana ela coassinou com outros juristas um artigo sobre o reconhecimento da crise climática pelo judiciário rondoniense e é estrela do vídeo em que o Observatório do Clima comemora seus 20 anos.

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1º.ago.2016 - Santarém, no Paraná
Imagem: Sidney Oliveira/Agência Pará Data

Contaminação por mercúrio

Uma pesquisa da Universidade Federal do Oeste do Pará em parceria com a Fiocruz identificou que 75% da população de Santarém (PA), cidade com 300 mil habitantes, apresenta níveis de contaminação por mercúrio até quatro vezes superior ao limite considerado seguro pela OMS (Organização Mundial de Saúde). O consumo de peixes e a contaminação gerada pelos garimpos ilegais do alto e médio rio Tapajós são a causa combinada da contaminação. Doses elevadas de mercúrio podem levar a distúrbios neurológicos e são extremamente perigosas para mulheres grávidas e crianças. Os sites InfoAmazônia e Pará Terra Boa dão detalhes.

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Imagem: Getty Images

Ouro sujo

A cidade de Luis Domingues (MA) ficou em evidência ontem (23), após o prefeito Gilberto Braga (PSDB) acusar o pastor Arilton Moura de cobrar propina em ouro para viabilizar a liberação de recursos do Ministério da Educação. Os garimpos ilegais aumentaram na região após a migração recente de garimpeiros de outras partes do país e o incentivo explícito e até o efetivo envolvimento de autoridades locais e federais na atividade. A contaminação do solo e de rios explodiu, o consumo de peixes se tornou perigoso e a criminalidade cresceu. Vale a pena conferir esta reportagem do ano passado mostra a destruição deixada pelo garimpo no local.

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Enquanto o mundo aquece, as usinas termelétricas a gás vivem um grande momento de expansão, e o Brasil é um dos protagonistas. Um relatório indica que o aumento de projetos deste tipo de usina poluente cresceu 350% no país após a Nova Lei do Gás e a privatização da Eletrobras, e esse aumento deixará a conta de luz mais cara no futuro. O estudo destaca a contradição desta política com compromissos climáticos internacionais do Brasil.

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