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Crise Climática

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Nordeste pode liderar transição para energia limpa e barata

Estrutura de placas fotovoltáicas flutuantes na usina de Sobradinho, da Companhia Hidrelétrica do São Francisco - Sunlution
Estrutura de placas fotovoltáicas flutuantes na usina de Sobradinho, da Companhia Hidrelétrica do São Francisco Imagem: Sunlution

Colaboração para o UOL, em São Paulo

28/07/2022 11h00

Esta é parte da versão online da edição desta quinta (28) da newsletter Crise Climática. A versão completa, apenas para assinantes, traz o apelo do Papa Francisco às empresas extrativistas para que os acordos de clima e biodiversidade sejam implementados, e uma pesquisa que mostra que além de legumes e verduras, alimentos ultraprocessados como hambúrguer e salsicha estão contaminados com agrotóxicos. Para assinar o boletim, clique aqui.

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O potencial do Nordeste para energias renováveis é a saída para o Brasil fugir do investimento em termelétricas que poluem o ar, destroem o clima global e pesam na conta. É o que defende o Plano Nordeste Potência, realizado e apoiado por uma coalizão de organizações da sociedade civil e apresentado esta semana ao Consórcio Nordeste, que reúne os governos estaduais da região.

O Nordeste desponta como um dos líderes na corrida mundial de renováveis e gera, atualmente, 20% da energia elétrica do Brasil, exportando cerca de 1.000 megawatts para o resto do país. Quase 66 megawatts de potência em renováveis já estão outorgados na região, o que equivale a quase cinco vezes a capacidade instalada da hidrelétrica de Itaipu.

Segundo o plano, a implantação desses projetos, somados a um impulso adicional à geração solar distribuída, apoio às comunidades e recuperação de passivos ambientais, pode gerar 2 milhões de empregos nos próximos anos. Entre as áreas a serem recuperadas estariam zonas degradadas na Bacia do São Francisco.

Uma pesquisa de opinião encomendada pelo Nordeste Potência e conduzida pelo IPEC mostra que a maioria dos brasileiros (64%) vê o "desenvolvimento verde" como o melhor modelo de industrialização, e 73% defendem que a agenda verde deveria ser prioridade para o governo federal. A pesquisa mostra ainda que a Solar é a fonte de energia que os brasileiros mais aprovam, seguida pela Eólica e Hidrelétrica. Na outra ponta, Nuclear, Carvão, Petróleo e Gás, nesta ordem, despertam os sentimentos mais negativos entre os entrevistados, e só 12% prefeririam trabalhar na indústria baseada em combustíveis fósseis do que em uma indústria verde.

O governador de Pernambuco, Paulo Câmara, que preside o consórcio atualmente, defendeu o protagonismo da mão de obra local durante a apresentação do plano na terça-feira (26) e afirmou que as propostas estão em linha com a visão predominante na região. "Estamos vendo muitos desastres ocorrendo com cada vez mais frequência no nosso país e em outras regiões do mundo. Isso é uma reação a anos de destruição. Temos que intensificar a proteção e as boas práticas", declarou.

Nos próximos meses, o plano será apresentado a candidatos do Nordeste como um caminho de recuperação econômica pós-pandemia. Conversamos com a coordenadora do plano, a ambientalista Cristina Amorim, coordenadora do Plano Nordeste Potência que chama a atenção para a avenida de crescimento na região para a fonte solar distribuída.

Cínthia Leone - Por que que o Nordeste tem o potencial para fazer a diferença no setor energético?

Cristina Amorim - O diferencial vem de características próprias da região: potencial gigantesco para energias solar e eólica; a existência de um sistema de geração hidrelétrica que deve ser valorizado porque nos permite falar em complementaridade; uma posição geográfica muito favorável para planos futuros de exportação de energia, especialmente no caso do hidrogênio verde; além da força de trabalho necessária.

Mas é preciso usar este potencial de um jeito diferente. Infelizmente a gente tem visto uma repetição de um modelo de implantação que gera impactos socioambientais. Para que a gente tenha uma transição energética de fato justa e inclusiva, esse modo de expansão precisa ser urgentemente revista. E é possível fazer diferente. O potencial de desenvolvimento local que as renováveis trazem para a região, especialmente no interior, é muito grande, e pode gerar um ciclo positivo no qual todo mundo ganha: ganha o clima, as pessoas e a economia.

Além das energias renováveis, o Plano enfatiza a recuperação de passivos ambientais, especificamente no rio São Francisco. Como isso se conecta com a questão energética?

É justamente pela complementaridade. A expansão da energia fóssil nos últimos anos no Brasil tem sido feito sob a desculpa de que nós precisamos de energia firme no Sistema. A produção das renováveis solar e eólica oscila em determinadas épocas do ano. Mas existem estudos, inclusive feitos no próprio Ministério de Minas e Energia, que mostram que a "bateria" que essas energias variáveis precisam chama-se Água. Com as hidrelétricas que já existem no Brasil você consegue compensar os momentos em que a energia que vem dos Ventos e do Sol está mais baixa e vice-versa. Mas para isso você precisa ter água.

Devido às mudanças climáticas e a uma gestão pouco planejada dos recursos hídricos, muitas hidrelétricas têm sofrido reduções muito grandes de vazões, e o Rio São Francisco é um excelente exemplo, pois há grandes hidrelétricas lá. O estudo que o MapBiomas fez para o Plano Nordeste Potência mostra que 50% da superfície de água natural do São Francisco já sumiu. A gente precisa gerar mais água, isto é, plantar água, reflorestar os mananciais. Recuperar essa vegetação e fazer uma boa gestão da água vai gerar uma série de benefícios, inclusive mais segurança energética.

Pensando na crise hídrica do ano passado, a gente não precisaria ter contratado um monte de térmica a um custo econômico, ambiental e social alto se um sistema focado nessas complementaridade já tivesse sido implementado no Brasil.

A pesquisa do IPEC encomendada pelo plano mostrou que a população está interessada em uma agenda verde. Como você acha que os dados do plano serão recebidos por governos, candidatos e pelo mercado?

O potencial que o Nordeste tem para desenvolver é exatamente o que os investidores estão buscando hoje: uma transição energética justa, que leva em consideração não apenas a tecnologia, mas a forma como ela é aplicada. A descentralização da produção solar é um exemplo. Ela ainda é muito pequena na região - responde por apenas 1GW - e tem uma estimativa de crescimento enorme para os próximos anos. Inclusive, quase metade dos 2 milhões de empregos estimados no plano estão concentrados no aumento da geração solar distribuída [placas solares em telhados e no local onde será consumida]. Esse movimento sozinho já fortaleceria a região enquanto centro de inteligência e mão de obra especializada.

E o que mais você precisa saber

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