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Crise Climática

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Cúpula do Clima vira feira de lobistas de petróleo e agro

Reunião da cúpula da COP27 - REUTERS/Mohamed Abd El Ghany
Reunião da cúpula da COP27 Imagem: REUTERS/Mohamed Abd El Ghany

Colaboração para o UOL, em São Paulo

24/11/2022 11h00

Esta é parte da versão online da newsletter Crise Climática enviada hoje (24). A versão completa, apenas para assinantes, traz uma análise sobre como o avanço do gás nos anos Bolsonaro está ameaçando a entrada de fontes renováveis mais baratas no sistema elétrico. Quer receber o boletim completo na semana que vem, com a coluna principal e informações extras, por e-mail? Clique aqui e se cadastre.

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A Conferência das Nações Unidas sobre Clima deste ano no Egito, a COP27, também poderia ser chamada de Congresso de Petróleo e Gás, já que a indústria de combustíveis fósseis trouxe sozinha a segunda maior delegação do evento: 636 representantes, 100 a mais - ou 25% acima - do que em 2021, de acordo com as contas da Global Witness. Isso supera o Brasil (570), segunda maior delegação oficial da COP, e também os representantes somados dos 10 países mais afetados pela crise climática.

Ainda fora do holofotes, o lobby do agronegócio industrial também desfilou pelos corredores da COP27. Em jogo estava uma das agendas mais decisivas para o setor: a força-tarefa de Koronivia, que tentava trazer a agricultura para mitigar seu impacto para o clima - ela é responsável por boa parte das emissões de gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O).

Os lobistas do agro provavelmente contribuíram para que a agenda de Koronivia apenas sobrevivesse ao evento. O relatório da iniciativa que durou cinco anos não traz avanços em termos de mitigação de impactos climáticos e posterga uma necessária transformação do setor.

Da mesma forma, os representantes do petróleo e do gás, aliados aos países submissos a essas indústrias, frearam um texto final que avançasse na eliminação dos combustíveis fósseis, maiores causadores da mudança climática. O texto da COP27 é pior do que o texto da COP26, que ao menos mencionava a diminuição gradual dessas fontes.

"A influência da indústria de combustíveis fósseis foi observada em todos os setores, e esta COP enfraqueceu as exigências para que os países assumam metas novas e mais ambiciosas. O texto não faz menção à eliminação progressiva dos combustíveis fósseis e pouca referência à ciência e à meta de 1,5 graus", disse a diplomata Laurence Tubiana, uma das principais articuladoras do Acordo de Paris e CEO da Fundação Europeia do Clima.

"A Presidência egípcia produziu um texto que protege claramente os estados petroleiros e as indústrias de combustíveis fósseis."
Laurence Tubiana, CEO da Fundação Europeia do Clima

Uma das estratégias usadas pelos petroestados na COP27 foi negar a ciência básica que liga fontes de energia e as emissões que fazem o mundo aquecer. Arábia Saudita, Irã, Rússia e Emirados Árabes, por exemplo, rejeitaram qualquer menção a fontes de energia no texto final, alegando que o foco deveria estar nas emissões.

A diplomacia russa chegou a defender que a "COP não trata de energia, mas sim de clima". O presidente dos Emirados, Maomé bin Zayed Al Nahyan, declarou que fornecerá petróleo e gás "enquanto o mundo estiver precisando", tudo isso ao mesmo tempo em que seu país apresenta uma nova meta de emissões zero até 2050. O país será o anfitrião da COP28, em 2023.

A mesma incongruência foi usada pelo enviado saudita para o clima, Adel al-Jubeir, que disse que o país pretende bombear petróleo "e, ao mesmo tempo, reduzir as emissões". Nas negociações, os diplomatas de seu país sabotaram o texto final com frases como "não devemos visar fontes de energia [...] devemos nos concentrar nas emissões" e "não devemos mencionar os combustíveis fósseis".

Além de negar o óbvio, os lobistas da energia fóssil também mentiram. A Câmara de Energia da África, um grupo de pressão em favor do gás, disse que novos gasodutos e extrações são "necessários" para a prosperidade e o bem-estar do continente. Os ativistas contrários a esta política alertam que o gás é uma fonte cara de energia e que tanto o produto como o lucro da operação são sempre enviados diretamente aos países ricos, perpetuando a pobreza energética em muitos países africanos e acumulando impactos ambientais.

"O texto [final] tinha que incorporar a voz dos africanos que têm chamado a atenção para o investimento em combustíveis fósseis que permanece bem acima dos investimentos em soluções climáticas, retardando assim o progresso na entrega da justiça climática", lamentou Wanjira Mathai, vice-presidente para a África do Instituto de Recursos Mundiais.

Outra desinformação propagada pela indústria fóssil durante a COP27 é a de que a energia renovável é uma forma de neocolonialismo que busca inibir o progresso africano. O ataque deve se intensificar - com energia mais barata e livre de oscilações de mercados exteriores, as fontes renováveis são uma ameaça existencial ao futuro do petróleo e do gás.

"A indústria de combustíveis fósseis e as elites em seu bolso se mobilizaram para assumir a COP27", avalia Catherine Abreu, diretora da ONG Destino Zero.

"Este é o último ato de homens desesperados que primeiro negaram a ciência climática, depois atrasaram a política climática, e agora querem usurpar soluções climáticas reais com soluções falsas."
Catherine Abreu, diretora da ONG Destino Zero

E o que mais você precisa saber

LUCIO MOSQUINI - Divulgação/Governo de Rondônia - Divulgação/Governo de Rondônia
O deputado federal Lúcio Antonio Mosquini (MDB-RO)
Imagem: Divulgação/Governo de Rondônia

CONTANDO OS MINUTOS

Faltam 38 dias para o fim do atual governo, e em meio à COPA e às festas de fim de ano, a bancada ruralista tenta aprovar mais leis para enfraquecer a fiscalização ambiental e legalizar o desmatamento. O PL 2168/21 do deputado e produtor rural Jose Mario Schreiner (DEM-GO) quer permitir barragens para uso agrícola em áreas de preservação permanente de cursos d´água. E o PL 195/21 do deputado Lucio Mosquini (MDB-RO) quer desregulamentar a fiscalização de transporte de madeira.

Alceu Moreira (MDB-RS) - Will Shutter/Câmara dos Deputados - Will Shutter/Câmara dos Deputados
Ex-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, Alceu Moreira (MDB-RS), autor do PL 364/2019
Imagem: Will Shutter/Câmara dos Deputados

FIM DA MATA ATLÂNTICA

Já os PL 2601/21 + PL 2844/21 + PL 364/2019 estão combinados entre si para avançar sobre o que restou de Mata Atlântica protegida no Brasil. O Bioma, que já é um dos mais destruídos do país, presta serviços ecossistêmicos para quase 150 milhões de pessoas, inclusive produzindo água. Tanto os PLs que desmontam a Lei da Mata Atlântica, como os que favorecem madeireiros e donos de barragem em área de proteção passaram pela comissão de meio ambiente da Câmara esta semana, seguem para a Comissão de Constituição e Justiça e podem ir à votação ainda em 2022 na Câmara e no Senado. Esta quinta-feira (24), estreia da seleção na Copa, deve ser usada pela bancada do agro como momento ideal para avançar nos três temas.

Agrotóxico - Lunaé Parracho/Repórter Brasil - Lunaé Parracho/Repórter Brasil
Local de descarte de embalagens de agrotóxicos em Lucas do Rio Verde, onde a média de exposição dos habitantes por agrotóxico é bem superior à média nacional
Imagem: Lunaé Parracho/Repórter Brasil

DOSES SEGURAS DE AGROTÓXICO

Mais avançado em sua tramitação, o PL do Agrotóxico corre por fora para ser o primeiro item do Saldão da Destruição a ser aprovado nesses últimos dias de 2022. A Comissão de Agricultura fez na terça (22) a terceira audiência pública do PL 1.459/2022, enquanto membros do Ministério Públicos alertam que o projeto pode impactar de maneira drástica a proteção à saúde e ao meio ambiente e pedem sua rejeição. Ele pode ser votado no Senado ainda hoje.

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