Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Cúpula do Clima vira feira de lobistas de petróleo e agro
Esta é parte da versão online da newsletter Crise Climática enviada hoje (24). A versão completa, apenas para assinantes, traz uma análise sobre como o avanço do gás nos anos Bolsonaro está ameaçando a entrada de fontes renováveis mais baratas no sistema elétrico. Quer receber o boletim completo na semana que vem, com a coluna principal e informações extras, por e-mail? Clique aqui e se cadastre.
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A Conferência das Nações Unidas sobre Clima deste ano no Egito, a COP27, também poderia ser chamada de Congresso de Petróleo e Gás, já que a indústria de combustíveis fósseis trouxe sozinha a segunda maior delegação do evento: 636 representantes, 100 a mais - ou 25% acima - do que em 2021, de acordo com as contas da Global Witness. Isso supera o Brasil (570), segunda maior delegação oficial da COP, e também os representantes somados dos 10 países mais afetados pela crise climática.
Ainda fora do holofotes, o lobby do agronegócio industrial também desfilou pelos corredores da COP27. Em jogo estava uma das agendas mais decisivas para o setor: a força-tarefa de Koronivia, que tentava trazer a agricultura para mitigar seu impacto para o clima - ela é responsável por boa parte das emissões de gases de efeito estufa, como o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4) e o óxido nitroso (N2O).
Os lobistas do agro provavelmente contribuíram para que a agenda de Koronivia apenas sobrevivesse ao evento. O relatório da iniciativa que durou cinco anos não traz avanços em termos de mitigação de impactos climáticos e posterga uma necessária transformação do setor.
Da mesma forma, os representantes do petróleo e do gás, aliados aos países submissos a essas indústrias, frearam um texto final que avançasse na eliminação dos combustíveis fósseis, maiores causadores da mudança climática. O texto da COP27 é pior do que o texto da COP26, que ao menos mencionava a diminuição gradual dessas fontes.
"A influência da indústria de combustíveis fósseis foi observada em todos os setores, e esta COP enfraqueceu as exigências para que os países assumam metas novas e mais ambiciosas. O texto não faz menção à eliminação progressiva dos combustíveis fósseis e pouca referência à ciência e à meta de 1,5 graus", disse a diplomata Laurence Tubiana, uma das principais articuladoras do Acordo de Paris e CEO da Fundação Europeia do Clima.
"A Presidência egípcia produziu um texto que protege claramente os estados petroleiros e as indústrias de combustíveis fósseis."
Laurence Tubiana, CEO da Fundação Europeia do Clima
Uma das estratégias usadas pelos petroestados na COP27 foi negar a ciência básica que liga fontes de energia e as emissões que fazem o mundo aquecer. Arábia Saudita, Irã, Rússia e Emirados Árabes, por exemplo, rejeitaram qualquer menção a fontes de energia no texto final, alegando que o foco deveria estar nas emissões.
A diplomacia russa chegou a defender que a "COP não trata de energia, mas sim de clima". O presidente dos Emirados, Maomé bin Zayed Al Nahyan, declarou que fornecerá petróleo e gás "enquanto o mundo estiver precisando", tudo isso ao mesmo tempo em que seu país apresenta uma nova meta de emissões zero até 2050. O país será o anfitrião da COP28, em 2023.
A mesma incongruência foi usada pelo enviado saudita para o clima, Adel al-Jubeir, que disse que o país pretende bombear petróleo "e, ao mesmo tempo, reduzir as emissões". Nas negociações, os diplomatas de seu país sabotaram o texto final com frases como "não devemos visar fontes de energia [...] devemos nos concentrar nas emissões" e "não devemos mencionar os combustíveis fósseis".
Além de negar o óbvio, os lobistas da energia fóssil também mentiram. A Câmara de Energia da África, um grupo de pressão em favor do gás, disse que novos gasodutos e extrações são "necessários" para a prosperidade e o bem-estar do continente. Os ativistas contrários a esta política alertam que o gás é uma fonte cara de energia e que tanto o produto como o lucro da operação são sempre enviados diretamente aos países ricos, perpetuando a pobreza energética em muitos países africanos e acumulando impactos ambientais.
"O texto [final] tinha que incorporar a voz dos africanos que têm chamado a atenção para o investimento em combustíveis fósseis que permanece bem acima dos investimentos em soluções climáticas, retardando assim o progresso na entrega da justiça climática", lamentou Wanjira Mathai, vice-presidente para a África do Instituto de Recursos Mundiais.
Outra desinformação propagada pela indústria fóssil durante a COP27 é a de que a energia renovável é uma forma de neocolonialismo que busca inibir o progresso africano. O ataque deve se intensificar - com energia mais barata e livre de oscilações de mercados exteriores, as fontes renováveis são uma ameaça existencial ao futuro do petróleo e do gás.
"A indústria de combustíveis fósseis e as elites em seu bolso se mobilizaram para assumir a COP27", avalia Catherine Abreu, diretora da ONG Destino Zero.
"Este é o último ato de homens desesperados que primeiro negaram a ciência climática, depois atrasaram a política climática, e agora querem usurpar soluções climáticas reais com soluções falsas."
Catherine Abreu, diretora da ONG Destino Zero
E o que mais você precisa saber
CONTANDO OS MINUTOS
Faltam 38 dias para o fim do atual governo, e em meio à COPA e às festas de fim de ano, a bancada ruralista tenta aprovar mais leis para enfraquecer a fiscalização ambiental e legalizar o desmatamento. O PL 2168/21 do deputado e produtor rural Jose Mario Schreiner (DEM-GO) quer permitir barragens para uso agrícola em áreas de preservação permanente de cursos d´água. E o PL 195/21 do deputado Lucio Mosquini (MDB-RO) quer desregulamentar a fiscalização de transporte de madeira.
FIM DA MATA ATLÂNTICA
Já os PL 2601/21 + PL 2844/21 + PL 364/2019 estão combinados entre si para avançar sobre o que restou de Mata Atlântica protegida no Brasil. O Bioma, que já é um dos mais destruídos do país, presta serviços ecossistêmicos para quase 150 milhões de pessoas, inclusive produzindo água. Tanto os PLs que desmontam a Lei da Mata Atlântica, como os que favorecem madeireiros e donos de barragem em área de proteção passaram pela comissão de meio ambiente da Câmara esta semana, seguem para a Comissão de Constituição e Justiça e podem ir à votação ainda em 2022 na Câmara e no Senado. Esta quinta-feira (24), estreia da seleção na Copa, deve ser usada pela bancada do agro como momento ideal para avançar nos três temas.
DOSES SEGURAS DE AGROTÓXICO
Mais avançado em sua tramitação, o PL do Agrotóxico corre por fora para ser o primeiro item do Saldão da Destruição a ser aprovado nesses últimos dias de 2022. A Comissão de Agricultura fez na terça (22) a terceira audiência pública do PL 1.459/2022, enquanto membros do Ministério Públicos alertam que o projeto pode impactar de maneira drástica a proteção à saúde e ao meio ambiente e pedem sua rejeição. Ele pode ser votado no Senado ainda hoje.
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