Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Prisão na CPI é suco de Brasil, onde as leis valem só de vez em quando
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O ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, recebeu voz de prisão do senador Omar Aziz (PSD-AM) nesta quarta-feira (7/7) sob a acusação de mentir à CPI da Pandemia. Não está errada a decisão do presidente da comissão, já que a lei garante-lhe este poder. Mas a medida é - sim - "suco de Brasil". Mostra, mais uma vez, que o rigor da lei só vale para alguns brasileiros.
Desde o fim de abril, quando o Senado Federal instalou essa CPI para apurar "as ações e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia da covid-19", as diversas unidades de fact-checking que atuam no país já flagraram e denunciaram centenas de informações falsas e enganosas ditas e ouvidas em sessão. Só a Agência Lupa, pegou 54 mentiras em 16 depoimentos. Depoentes, testemunhas e até mesmo membros da comissão não se furtaram a mentir ou omitir dados relevantes à apuração. Mesmo assim, em quase três meses de trabalho, o Brasil não havia visto um pedido de prisão por ali. A desinformação foi assunto, mas, infelizmente, passou incólume.
Em 22 de junho, por exemplo, o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), considerado uma das cabeças pensantes do suposto gabinete paralelo da Saúde, foi flagrado como autor de pelo menos nove informações falsas ditas na CPI. Entre elas, a de que jamais havia defendido a imunidade de rebanho como estratégia para o enfrentamento da pandemia.
Há, no entanto, dezenas de áudios e de gravações em que o deputado aparece dizendo frases como "Vacina não termina com epidemia. Nunca terminou. A vacina termina com o vírus. O que termina com epidemia é imunidade de rebanho". Mas nada foi feito.
Pergunto: se foram os áudios que embasaram a voz de prisão dada a Ferreira Dias hoje, por que Aziz e os demais membros da comissão ignoraram os áudios - igualmente públicos - que havia de Terra no dia de seu depoimento?
Em 18 de maio, outro caso chocante. Entre as diversas frases falsas sobre a Organização Mundial da Saúde e o consórcio Covax, o ex-ministro de Relações Exteriores Ernesto Araújo afirmou - também na CPI - que ele "jamais" promovera "nenhum atrito com a China".
Para flagrar o absurdo, bastava que a comissão abrisse a conta de Twitter de Araújo e a comparasse com a de alguns diplomatas chineses, que andaram respondendo a bordoadas de Araújo e outros por ali. Mas Aziz e companhia não acharam boa ideia dar voz de prisão.
Dois dias depois, em 20 de maio, num dos momentos mais risíveis da cobertura jornalística dessa comissão, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello teve a empáfia de afirmar que a eficiência do distanciamento social não estava cientificamente comprovada. Um ataque explícito à ciência e a todo o trabalho realizado, por exemplo, pela The Lancet, que publicou farto estudo feito em 131 países sobre o assunto. Mas Pazuello também não foi recolhido pela polícia do Senado.
E ainda vale lembrar que, nesse mesmo dia, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) chegou a sacudir no ar um levantamento que havia sido feito por sua assessoria parlamentar e que indicava que Pazuello havia mentido 14 vezes ali. Pouco não era. Mas passou incólume.
O que - então - separa o ex-secretário Ferreira Dias dos demais? Para avançar, a CPI da Pandemia não pode ficar ao sabor do tempero/destempero emocional de seu presidente. Se a regra (a lei) é clara, que se aplique sempre.
Cristina Tardáguila é diretora sênior de programas do International Center for Journalists e fundadora da Agência Lupa
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