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Cristina Tardáguila

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Cenas de videogame viram 'guerra entre Rússia e Ucrânia'

22.fev.2022 - Cena do game Arma3 usada para espalhar desinformação sobre conflito na Ucrânia - Rerpodução
22.fev.2022 - Cena do game Arma3 usada para espalhar desinformação sobre conflito na Ucrânia Imagem: Rerpodução

Colunista do UOL

22/02/2022 12h53Atualizada em 22/02/2022 14h55

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O vídeo é perturbador. Mostra um avião pegando fogo e, em seguida, caindo no que parece ser um lago. Depois, baterias antiaéreas abrem fogo contra outra aeronave que tenta desviar de centenas de mísseis. Junto com a legenda da gravação - que viralizou nos Estados Unidos, na Índia e na Itália com o selo de "Breaking News", comumente usado pelo jornalismo para chamar a atenção para notícias urgentes -, a frase que todos tememos: "Russia vs Ukraine war" ou "Guerra Rússia x Ucrânia".

A gravação, vista mais de 15 mil vezes em menos de cinco horas no Facebook, não passa, no entanto, de um clipe extraído do videogame "Arma3" e mostra quão suscetível ainda somos a informações falsas que capricham na estética.

Situações semelhantes - de uso de cenas de videogames para espalhar falsidades sobre conflitos reais - já aconteceram em diversos momentos recentes da história: depois da retirada dos soldados americanos do norte da Síria (2019) e do Afeganistão (2021), por exemplo.

Esse tipo de mentira - extremamente realista e alinhada com os rumos do noticiário internacional - já chegou até a enganar canais de televisão. Em setembro do ano passado, o indiano News Channel usou outro trecho do videogame Arma 3 para falar de supostos ataques do Paquistão ao Afeganistão. Ficou (bem) feio.

Também vale lembrar que tem sido uma prática dos desinformadores usar o logotipo de veículos de comunicação altamente respeitados para dar mais audiência a seus vídeos. Um exemplo é a gravação supostamente feita pela BBC sobre um ataque realizado pelos russos à Otan (Aliança do Atlântico Norte) nesta semana.

No vídeo, que viralizou em redes sociais e aplicativos de mensagem nos últimos dias, o apresentador diz que "bombas termonucleares de capacidade ainda indeterminada foram detonadas na sede regional da Otan em Bruxelas e numa base militar dos Estados Unidos em Wiesbaden, Alemanha".

Tudo falso. A gravação é ficcional, foi extraída do YouTube e já havia sido desmentida pela própria BBC em 2018. Mesmo assim, volta a incendiar as conversas sobre a atual crise Rússia-Ucrânia, deixando os fact-checkers de todo o mundo de cabelo em pé.

Ainda há duas outras duas peças desinformativas que foram vistas nesta semana e que merecem atenção. São dois vídeos. Ambos criados para serem entendidos como "brincadeirinhas", mas que acabaram sendo espalhados - e amplificados pelo mundo afora - como se fossem conteúdo real.

O primeiro é uma gravação que supostamente mostra o exército russo "dançando antes de ir à guerra contra a Ucrânia". O vídeo, no entanto, é de 25 de abril de 2018, foi filmado numa estação de metrô no Uzbequistão e mostra uma dança folclórica que data da Segunda Guerra Mundial. A peça surgiu como uma piada (sem graça, talvez), mas agora gera ódio nas redes. Há quem considere a postagem um desrespeito aos ucranianos. Há quem diga que os russos não têm limites? Enfim, ficou para trás qualquer risada ou diversão.

Pelo mesmo caminho vai o segundo caso. Trata-se de uma evidente montagem que mostra o presidente russo, Vladimir Putin, tomando o assento de um caminhão militar e acelerando "rumo à Ucrânia".

Repleta de cortes, a gravação junta um vídeo de Putin dirigindo um caminhão para cruzar uma gigantesca ponte na Europa em uma competição de veículos blindados realizada no ano passado.

A trilha sonora, uma mistura de rap e funk pesados, deve ter sido adicionada para dar tom de zombaria - como se Putin fosse uma espécie de Rambo. Mas, nos últimos dias, só colaborou para oxigenar a tensão. O que não é bom para ninguém.

Cristina Tardáguila é diretora sênior de programas do ICFJ e fundadora da Lupa