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Cristina Tardáguila

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Efeito Xandão' marca sessão sobre (desastroso) PL das 'fake news'

Roberto Barroso e Alexandre de Moraes - Reprodução
Roberto Barroso e Alexandre de Moraes Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

07/04/2022 04h00

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Chamemos de 'Efeito Xandão' o medo que os deputados federais têm de ver o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF) tomando decisões sobre a manutenção ou a retirada de conteúdos online que possam ser falsos ou antidemocráticos. Convenhamos também que esse medo foi - de longe - o motivo mais alegado pelos congressistas que ontem (6) votaram a favor da tramitação urgente urgentíssima (que acabou não sendo aprovada) do PL 2630, mais conhecido como projeto de lei das "fake news".

Ao longo das quase três horas de plenária, não foram poucas as vezes em que as siglas TSE e STF apareceram na boca dos parlamentares de forma negativa. O TSE foi alvo de ao menos 13 menções. O STF, de ao menos nove, mostram os registros da própria Câmara. E a maioria delas foi críticas ao papel que as duas Cortes têm tido no que diz respeito à desinformação.

Quem acompanha o noticiário nacional sabe que, nos últimos meses, várias foram as decisões do ministro Alexandre de Moraes em favor da suspensão ou derrubada de canais e conteúdos que viralizavam em redes sociais e que lhe pareciam desinformativos ou antidemocráticos. No último - e mais vistoso - episódio, Moraes ordenou o bloqueio do Telegram em todo o país - e o fez numa polêmica decisão monocrática.

Estaria o Judiciário brasileiro desequilibrando os Poderes ao se posicionar na luta contra as notícias falsas? Pelo que se viu ontem na Câmara, é isso o que pensam os deputados.

"É preciso que esta Casa debata (o PL 2630), porque senão, durante o processo da campanha, vamos estar todos reclamando que o STF ou o TSE estarão legislando por nós", disse a deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC), do alto da tribuna. "Ou nós fazemos isso agora, botamos regras na internet (...), ou quem vai fazer isso por nós é o STF ou exatamente o TSE".

E a ala governista fez coro. O deputado Giovani Cherini (PL-PR) mostrou preocupação com a possibilidade de "o TSE legislar" e de que o ministro Alexandre de Moraes vir a ser "o todo-poderoso" do Brasil quando assumir a presidência do Tribunal Superior Eleitoral.

Curioso, no entanto, foi ver que o discurso de viés aparentemente republicano tomou rumos paradoxais no decorrer da sessão.

Depois de externar esse temor frente ao "efeito Xandão", muitos deputados não hesitaram em defender de peito aberto o texto que, entre outros artigos absurdos (já foram discutidos em texto anterior), propõe a extensão da imunidade parlamentar às redes sociais. O artifício, criado pelo relator Orlando Silva (PCdoB-SP) tem o potencial de criar duas castas dentro da internet - a dos políticos intocáveis e a do resto dos cidadãos, que podem ser moderados - e pareceu razoável aos olhos dos parlamentares. Nesse polêmico artigo, os deputados vislumbravam a possibilidade de recorrer (veja bem) ao (temido) Judiciário para coibir qualquer tipo de moderação nas publicações que eles mesmos fazem nas redes sociais.

Não é um suco de Brasil?

Também ficou claro para quem acompanhou a sessão de ontem que outro medo ronda o debate sobre o projeto de lei das "fake news": o de que haja um novo tsunami de falsidades eleitorais. Algo semelhante ao que ocorreu em 2018.

A preocupação é nobre e possivelmente compartilhada pela maioria dos brasileiros. O incrível, no entanto, é que, ao falar sobre esse ponto, não foram poucos os deputados que usaram como exemplos ilustrativos casos que poderiam ser perfeitamente enquadrados no já existente rol dos crimes contra a honra, dispensando a aprovação de qualquer nova lei.

Por fim, fica o convite para passarmos os próximos dias olhando com lupa para os parlamentares que - de certa forma - atuaram de forma contraditória a seus históricos políticos.

Alguns dos nomes que, durante a pandemia, mais esticaram o dedo e criticaram colegas que defendiam remédios sem eficácia e atacavam vacinas contra a covid-19, posicionaram-se ontem a favor da imunidade parlamentar digital. Estariam agora de acordo com a liberdade total e irrestrita dos políticos desinformadores?

E também houve quem sempre defendeu o Marco Civil da Internet - texto ignorado na sessão de ontem - que ficou bem caladinho. Só vendo a banda passar.

O preço de tudo isso pode ser bem alto.

Cristina Tardáguila é diretora sênior de programas do ICFJ e fundadora da Agência Lupa