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OPINIÃO

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É possível um 2022 sem Bolsonaro candidato?

Colunista do UOL

15/12/2021 08h18

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Vitor Marchetti*

Indagar sobre a possibilidade de um ocupante da Presidência da República abrir mão de disputar a sua reeleição seria tão descabido anos atrás que sequer faria sentido formular a dúvida. Como o descabido tem se tornado dominante no cenário político brasileiro, fazer essa pergunta pode ser encarado com alguma naturalidade.

A possibilidade de reeleição para os cargos executivos foi instituída pela Emenda Constitucional 16 em junho de 1997. Em relação às disputas para o Executivo, ela criou uma lógica de que, na prática, o mandato passou a ser de oito anos com um recall no meio. Se o governo vai bem, consegue se reeleger. Se vai mal, é punido. Tanto é assim que o indicador mais forte como preditivo eleitoral é o desempenho do incumbente em relação a sua aprovação no governo. Segundo o Jota Labs, incumbentes com rejeição acima de 43% têm chances muito pequenas de serem reeleitos.

A avaliação do governo, aliás, tem se mostrado um indicador mais importante do que as simulações de cenários eleitorais. Pesquisas eleitorais muito antecipadas servem mais ao jogo político do presente do que de fato como indicador antecipado dos desempenhos dos candidatos nas eleições.

Focando apenas nas eleições presidenciais, todos os candidatos que até agora passaram pelo recall eleitoral foram bem sucedidos. Em dezembro de 1997 FHC tinha 37% de ótimo/bom e 20% de ruim/péssimo. Quase um ano depois foi reeleito em primeiro turno com 53% dos votos válidos. Em dezembro de 2005, após a crise do mensalão, Lula entrava em seu último ano de governo com 28% de ótimo/bom e 29% de ruim/péssimo. Foi reeleito com 61% dos votos (49% no primeiro turno). Em dezembro de 2013, depois de um dos anos mais turbulentos da política brasileira, Dilma contava com 43% de ótimo/bom e 20% de ruim/péssimo. Foi reeleita com 52% dos votos válidos (42% no primeiro turno).

Bolsonaro está entrando em seu último ano de governo com algo em torno de 20% de avaliação positiva e 55% de avaliação negativa. Com esse termômetro e com esse preditivo que funcionou bem para medir o desempenho eleitoral do incumbente desde 1998, podemos afirmar que as chances de reeleição de Bolsonaro em 2022 são muito baixas.

É claro que alguém irá dizer: sua eleição em 2018 também era muito improvável, mas acabou eleito. Sim, é verdade. Poucos foram os analistas que conseguiram antecipar o desempenho eleitoral de Bolsonaro naquela eleição. É preciso ter claro, porém, que a eleição de Bolsonaro naquele ano foi o resultado da combinação de elementos incomuns e raros que não se repetem com facilidade. É como aquele acidente aéreo de grandes proporções que não acontece por uma única razão, mas como uma combinação improvável de diversos erros e defeitos que resultam numa grande tragédia.

Uma condição para que Bolsonaro volte a ficar competitivo para 2022 é uma melhora milagrosa das condições econômicas. Alívios pontuais podem até ocorrer com o início do pagamento do Auxílio Brasil, mas pode ser pouco para alterar uma avaliação tão ruim. A inflação alta, a queda no poder de compra e o desemprego dificilmente irão ceder com a intensidade e a velocidade que o governo precisaria para transformar a percepção de mal-estar geral.

A pergunta colocada aqui é simples (ainda que de resposta complexa): diante de um cenário com alta probabilidade de derrota eleitoral, o que fará Bolsonaro?

O pior desfecho para ele seria terminar o mandato em dezembro de 2022 sem a proteção de um novo mandato em 2023, com baixo capital político em razão de um desempenho eleitoral fracassado e, mais importante, sem a costura de um acordo de saída de cena capaz de protegê-lo. A principal habilidade política de Bolsonaro é o seu ótimo senso de oportunidade. Desde o momento em que viu as portas da política se abrindo a partir de uma entrevista para a Veja em 1986 e o protesto bomba em 1987, até a chegada à Presidência da República depois de mais de 30 anos com mandato político e o ingresso de seus três filhos na carreira política, prevaleceu uma espécie de instinto de sobrevivência.

Bolsonaro é irresponsável com muitas coisas, mas definitivamente não é irresponsável com a gestão de sua própria carreira política e de sua família. É muito pouco provável que alguém com esse tipo de trajetória entre em uma disputa presidencial com grande chance de derrota e com a possibilidade concreta de ficar vulnerável aos seus inimigos no momento seguinte. Temer, que chegou a ser preso depois de deixar o poder, é um bom exemplo de que acordos de saída não são suficientes para blindar totalmente a si mesmo e a sua família. E Temer saiu da presidência com bem menos inimigos do que Bolsonaro sairá.

Por último, mas não menos importante, a organicidade política do mandato de Bolsonaro é toda ela das Forças Armadas. Desde a condução dos temas mais salientes de políticas públicas (pandemia, Amazônia e etc.) até a costura do orçamento secreto com o Centrão, tudo tem o DNA das elites militares. Diversos analistas têm apontado para esse ponto, como Marcelo Pimentel e Piero Leirner. O corpo e a alma desse governo é militar. E, segundo apontam esses estudiosos do Partido Militar, Bolsonaro poderia ser um espantalho útil para construírem uma alternativa política alinhada com essa elite militar para seguirem seu projeto corporativista para além de 2023.

Não existe espaço para uma terceira via nas eleições para o Poder Executivo no Brasil. Cada vez mais o eleitor tem concentrado suas preferências já em primeiro turno entre duas candidaturas. E isso acontece tanto com as eleições para os governos estaduais, como para a Presidência da República. Desde 1994, por exemplo, os dois primeiros colocados nas eleições presidenciais conquistaram em média 79,3% dos votos válidos já em primeiro turno. E em todas elas o PT esteve presente, no mínimo em segundo lugar. Ou seja, além do eleitor já antecipar em primeiro turno suas preferências, reduzindo espaços para uma terceira via, o PT tem demonstrado fôlego o suficiente para ocupar uma das duas vias disponíveis em 2022. Os espaços para ingressar na disputa eleitoral são muito limitados.

Uma eventual vitória de Lula (PT) em 2023 não parece agradar a essa elite política corporativa das Forças Armadas. Não é por outra razão que esse grupo político já se aproximou de outro pré-candidato, o ex-juiz Sérgio Moro. A depender, portanto, da evolução das condições políticas de Bolsonaro, seu mais coeso grupo social pode acelerar a definição de seu rumo para 2023.

A definição das candidaturas acontecerá apenas em agosto. Claro que há ainda muita coisa para acontecer no jogo político brasileiro nos próximos oito meses. Afirmo apenas que não seria descabido considerar seriamente um cenário em que Bolsonaro desiste de ser candidato à reeleição, busque se proteger em um mandato de senador pelo Rio de Janeiro (oito anos de mandato), e deixe a raia da direita mais livre para o crescimento de uma candidatura capaz de enfrentar Lula, com os militares e com tudo.

* Vitor Marchetti é cientista político e professor da graduação e pós-graduação em políticas públicas na Universidade Federal do ABC