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Reabrir escolas não basta: é preciso planejamento articulado

SÃO PAULO, SP, 08.02.2021 - Estudantes no primeiro dia de aula presencial na Escola Estadual Raul Antônio Fragoso, em Pirituba, na zona oeste de São Paulo. (Foto: Rubens Cavallari/Folhapress) ORG XMIT: AGEN2102081335060759 - Rubens Cavallari/Folhapress
SÃO PAULO, SP, 08.02.2021 - Estudantes no primeiro dia de aula presencial na Escola Estadual Raul Antônio Fragoso, em Pirituba, na zona oeste de São Paulo. (Foto: Rubens Cavallari/Folhapress) ORG XMIT: AGEN2102081335060759 Imagem: Rubens Cavallari/Folhapress

Colunista do UOL

18/02/2022 14h00

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Alessandra Gotti *

Nas últimas semanas tem ecoado a seguinte pergunta: estamos preparados para o retorno presencial das aulas na Educação Básica? A resposta é sempre complexa, pois assim como a suspensão das aulas presenciais em decorrência da pandemia configurou um cenário inédito para toda a comunidade escolar, o retorno de 100% dos estudantes e professores às salas de aula também se dá em um contexto desconhecido em nosso país.

Entretanto, há uma diferença basilar entre o cenário de suspensão e o de retorno das aulas presenciais: o tempo para planejar.

Em março de 2020, quando tivemos que fechar escolas, foi de supetão. Os sistemas educacionais não se valiam de estratégias de ensino mediado por tecnologias e a implementação do ensino remoto foi um sufoco onde ela ocorreu e uma miragem em boa parte do país. A Educação Infantil, principalmente, ficou totalmente negligenciada, uma vez que para a faixa etária de até 5 anos a interação presencial é ainda mais fundamental.

As crianças em fase de alfabetização também foram extremamente prejudicadas. Para além dos impactos emocionais, cognitivos e sociais causados pelo isolamento e pelas perdas impostas pela pandemia que essas crianças - assim como os demais estudantes - passam a ter que lidar, muitas delas ainda podem sofrer os efeitos de uma alfabetização precária e tardia. Um estudo do Todos Pela Educação, com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PnadC/IBGE), mostra que o número de crianças de 6 e 7 anos que não sabe ler e escrever aumentou 65,6% entre 2019 e 2021, chegando a assustadores 2,4 milhões de meninos e meninas que estão tendo sua trajetória escolar, e consequentemente, seu futuro, prejudicados.

Embora esses dados tenham saído neste mês de fevereiro, a defasagem de aprendizagem devido ao afastamento presencial da escola não é novidade. Diversas pesquisas já vinham apontando as limitações do ensino remoto - mesmo quando bem implementado. Um levantamento da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo divulgado em abril de 2021, por exemplo, apontou que os estudantes do 5º ano do Fundamental em 2021 aprenderam 19% menos em matemática e 13% menos em língua portuguesa do que os de 2019. Já um estudo conduzido pela Unesco, pela Unicef e pelo Banco Mundial em alguns estados brasileiros, mostrou que nossos estudantes aprenderam apenas 28% do que teriam aprendido em aulas presenciais.

Os altos índices de evasão escolar também foram apontados. Estudo do Unicef, publicado também em abril, apontou que o Brasil poderia regredir vinte anos nos indicadores de acesso à Educação. Por outro lado, era previsível também uma maior pressão por matrículas na rede pública com a migração de estudantes da rede privada, um movimento já conhecido em tempos de crise econômica.

Desde a declaração de pandemia global e o fechamento das escolas já se passaram dois anos, exatamente, 24 meses. É fato que as redes de ensino tiveram que lidar com o desconhecido e o elemento surpresa a todo momento. Mas não faltou tempo para planejar o retorno às aulas presenciais. Por isso causou choque a notícia, no início de fevereiro, de que na capital paulista, milhares de crianças de seis anos ficaram sem vaga no primeiro ano do ensino fundamental. Essas crianças que praticamente perderam a pré-escola, fase primordial para seu desenvolvimento, e agora têm ainda que enfrentar a angústia da falta de vagas no momento em que já contavam com o seu direito de ir à escola, enfim, garantido.

De um lado, a gestão municipal parece não ter um diagnóstico, ao menos oficialmente, do aumento da procura pelas escolas municipais, e, do outro, a gestão estadual atribui o aumento a alunos vindos da rede privada - e não à uma possível redução de vagas nas escolas estaduais em função da ampliação da política de escolas em tempo integral. A sociedade, fica sem uma resposta clara, e as crianças, sem a vaga no tempo certo, ou sem acesso a ela, pela falta de transporte escolar ou outras lacunas.

Constatamos, com isso, o obvio: retomar aulas presenciais é urgente e necessário, mas reabrir escolas com a mesma lógica de antes da pandemia não é suficiente para dar conta dos desafios atuais. O planejamento dessa abertura precisa considerar as sequelas econômicas, sociais, emocionais e cognitivas. É essencial articular políticas de busca ativa, acolhimento, recuperação e recomposição de aprendizagens. Além disso, é fundamental estabelecer protocolos que ajudem a manter as escolas abertas, assim como ter planos de apoio aos estudantes e suas famílias, que precisem ficar afastados das escolas por causa da Covid-19.

As políticas educacionais precisam ser pensadas a partir de um projeto de educação para o território - onde não existe uma linha que divide o que é estadual e o que é municipal. É fundamental planejar conjunto, articular ações e políticas, unir todos os poderes, órgãos independentes e sociedade civil em torno de um pacto que coloque as crianças e os jovens no centro da busca de soluções.

* Alessandra Gotti é cofundadora e presidente executiva do Instituto Articule e doutora em Direito Constitucional pela PUC-SP.