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Dia mundial da alimentação: Brasil tem 33 milhões de famintos
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Erick Brigante Del Porto* e
Lilian dos Santos Rahal**
O país já esteve fora do Mapa da Fome, mas hoje tem 33 milhões de famintos.
O Dia Mundial da Alimentação é comemorado em 16 de outubro. A data, que faz referência à criação da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), em 1945, busca refletir a respeito do quadro da alimentação no mundo. Mas há o que comemorar neste dia no Brasil?
Infelizmente, a resposta é não. O país que em 2014 comemorou a saída do Mapa da Fome da FAO, hoje se vê diante de 33 milhões de famintos, segundo o estudo VIGISAN. Às portas das eleições presidenciais, a fome volta à agenda nacional, um tema que, há poucos anos, parecia superado.
Historicamente, a fome foi, e infelizmente ainda é, a marca mais cruel da enorme desigualdade do Brasil. Não faltam alimentos no país; falta acesso a estes. Até no período da ditadura militar (1964/1985), havia ações sistemáticas por parte do Estado brasileiro voltadas para o combate à fome.
Mas é a partir da década de 1980, com a redemocratização, que as ações de enfrentamento da fome e da miséria ganham corpo, inovam e passam a ocupar o centro da agenda política. Nos anos 1990, o tema avança com a estruturação articulada de arranjos institucionais de políticas públicas e participação social, das quais são marcos, entre outros, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), criado em 1993, a Comunidade Solidária, criada em 1995, o Fome Zero, em 2003, a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN), em 2006, e o Plano Brasil Sem Miséria, em 2011.
Naquele período, foi estruturada uma rede de programas específicos voltados à promoção da segurança alimentar e nutricional como os programas de transferência de renda com condicionalidades, com destaque para o Bolsa Família criado em 2003 (atual Programa Auxílio Brasil), o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), o Programa Nacional de Apoio à Captação de Água de Chuva e outras Tecnologias Sociais (Programa Cisternas), o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA, atual Alimenta Brasil) e outros programas voltados ao fortalecimento da agricultura familiar, nas áreas de crédito, seguro, garantia de preços e de assistência técnica e extensão rural. Também foi fortalecido o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que atende a cerca de 40 milhões de alunos nas escolas públicas brasileiras diariamente.
Tal conjunto articulado de políticas públicas teve seus resultados reconhecidos em 2014, quando o relatório anual da FAO apontou que o indicador de prevalência de subalimentação no Brasil ficou abaixo de 2,5%. Em outras palavras, os indicadores de fome tornaram-se residuais. O país estava pela primeira vez fora do Mapa da Fome e inspirava países pobres. A FAO destacou, além do conjunto de ações já mencionado, a relevância de um período de crescimento econômico, promoção da valorização do salário mínimo e expansão de benefícios sociais, marcado pela criação de empregos e elevação da renda, especialmente dos mais pobres.
A alegria durou pouco. A partir de 2015, a combinação de crise econômica, aumento do desemprego e queda da renda, inflação do preço dos alimentos, seguidos pela crise sanitária decorrente da pandemia de Covid-19, contribuem para o agravamento dos indicadores de insegurança alimentar no Brasil.
Além disso, o orçamento destinado a importantes programas de segurança alimentar vem sendo reduzido sistematicamente desde então, embora o ano de 2023 prometa ser ainda pior que os anteriores. O PAA, atualmente chamado Alimenta Brasil, por exemplo, que já contou com recursos da ordem de R$ 1 bilhão nos anos de 2012 e 2013, e conta, em 2022, com aproximadamente R$ 600 milhões, tem previstos, para 2023, no projeto de lei orçamentária anual (PLOA), apenas R$ 2,7 milhões. Da mesma forma, o Programa Cisternas, que já atendeu mais de 1 milhão de famílias ao longo de sua existência com tecnologias sociais de acesso à água, contará com meros R$ 2,3 milhões em 2023, se mantido o que está previsto no PLOA encaminhado ao Congresso Nacional. O programa teve, por muitos anos, orçamentos na casa de centenas de milhões de reais.
Além da redução dos recursos, foi desarticulado o arranjo institucional construído no âmbito do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), com a extinção do Consea, a paralisação da Câmara Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan), instância federal de coordenação e articulação governamental dos programas e da política de segurança alimentar, e a descontinuidade dos Planos Nacionais de Segurança Alimentar e Nutricional (Plansan), importante instrumento de monitoramento e acompanhamento das ações e iniciativas da política pública.
Como resultado desse quadro, o Brasil retornou ao Mapa da Fome em 2022. Segundo a FAO, no período 2019-2021, mais de 61 milhões de brasileiros (1 em cada 3) encontravam-se em situação de insegurança alimentar, dos quais 15 milhões passavam fome. Por sua vez, os dados do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (Vigisan), pesquisa realizada pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), entre novembro de 2021 e abril de 2022, aplicando a metodologia da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), apontam que 125,2 milhões de brasileiros tinham algum grau de insegurança alimentar e nutricional, dos quais 33 milhões encontram-se no nível de maior gravidade (fome).
A pesquisa VIGISAN também revelou algumas das desigualdades históricas brasileiras, entre elas:
A insegurança alimentar grave é maior nos domicílios onde a pessoa de referência se autodeclara preta ou parda (18,4% contra 10,6% nos domicílios chefiados por pessoas brancas);
Nas casas em que a mulher é a pessoa de referência, a fome passou de 11,2% para 19,3% entre 2020 e 2021/2022. Nos lares que têm homens como responsáveis, a fome passou de 7,0% para 11,9%;
A fome dobrou nas famílias com crianças menores de 10 anos, passando de 9,4% em 2020 para 18,1% em 2021/2022.
A conjunção desses números alarmantes, da redução dos recursos das políticas de segurança alimentar no orçamento de 2023 e da desarticulação do arranjo institucional e legal do Sisan configuram uma tarefa gigantesca para os eleitos para governar o país em 2023. Que o projeto vencedor nas urnas consiga olhar para a fome e suas múltiplas faces e manifestações como as principais questões a serem enfrentadas na nova gestão. As políticas públicas de segurança alimentar e nutricional e sua governança podem apontar o caminho para isso.
*Erick Brigante Del Porto é economista, mestre em desenvolvimento econômico e atua como Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental.
**Lilian dos Santos Rahal é cientista social, mestre em sociologia, Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental e vice-presidente da Anesp.
***Esse texto é fruto de parceria entre a Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental (ANESP) e a Coluna Diálogos Públicos.
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