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Diogo Schelp

Maquiagem de números aproxima bolsonarismo de kirchnerismo e chavismo

Colunista do UOL

06/06/2020 11h58

Após se mostrar incapaz de liderar o país no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus, de modo a salvar milhares de vidas brasileiras, o governo de Jair Bolsonaro agora trata de esconder os números de sua incompetência.

O terreno para a adoção dessa estratégia ficou livre com a saída do oncologista Nelson Teich do Ministério da Saúde e com a entrada, em seu lugar, do general Eduardo Pazuello, que nada entende de medicina ou saúde pública, mas bastante de obediência militar.

Esta semana, o ministério passou a fazer atualizações menos completas dos números da covid-19 (deixando de fora do último boletim, por exemplo, o total acumulado de casos confirmados, casos em acompanhamento, total acumulado de mortes e casos em investigação), além de atrasar em três horas a divulgação dos dados diários com o objetivo mesquinho de evitar que eles entrem no noticiário do Jornal Nacional, da TV Globo.

Agora, segundo a jornalista Bela Megale, do Globo, o governo pretende rever o número de mortos por covid-19, que seriam "fantasiosos ou manipulados". Quem faz essa afirmação é Carlos Wizard, um empresário do setor de ensino de idiomas que ganhou de Bolsonaro o comando da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde. Wizard quer fazer mágica com os números.

Depois de confiar nas previsões otimistas e sem base científica do deputado federal Osmar Terra de que o Brasil não teria mais do 2.100 mortos por covid-19 ao longo de toda a pandemia, o governo federal quer empurrar goela abaixo dos brasileiros a versão de que os mais de 35.000 óbitos até agora estão inflados.

Na realidade, há bons indícios de que há muito mais mortos por covid-19 do que indicam os dados oficiais, como mostram os estudos do epidemiologista Pedro Hallal e também os registros feitos pelos cartórios. Ou seja, há uma enorme subnotificação de casos no Brasil.

Ao planejar uma maquiagem dos números da pandemia, o bolsonarismo se aproxima de estratégia notória do kirchnerismo, na Argentina, e do chavismo, na Venezuela.

O governo de Cristina Kirchner, na Argentina, especializou-se nessa arte da distorção da realidade ao longo de vários anos. Depois de intervir no Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec), o governo kirchnerista passou a divulgar índices de inflação que eram apenas um terço do que consultorias independentes calculavam. E os dados de crescimento de PIB eram tão inflados que chegavam a representar o dobro do estimado por análises não oficiais, feitas por acadêmicos argentinos e pela Universidade Harvard, nos Estados Unidos.

A distorção de estatísticas é prática corrente também na Venezuela. O governo do ditador Nicolás Maduro divulga que a adesão às medidas de isolamento social é de 95%, mas um passeio por Caracas derruba esse espantoso índice por terra. O governo chavista contabiliza apenas 20 mortes por covid-19 no país — um óbvio disparate em um país com um sistema de saúde sucateado e com menos leitos de UTI do que a cidade de Recife, em Pernambuco.

Já que não é possível mudar a realidade, governos com pendor autoritário tratam de distorcer o retrato da realidade.

Para o governo Bolsonaro, com sua constante retórica militar, as mortes por covid-19 são baixas em uma batalha que precisam ser ocultadas para elevar o moral da tropa.

E quem procura a verdade é chamado de inimigo do povo.