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Diogo Schelp

Em dez cidades com "kit covid", nove tiveram taxa de mortalidade mais alta

Jair Bolsonaro mostra caixa de hidroxicloroquina para as emas do Palácio da Alvorada - REUTERS/Adriano Machado
Jair Bolsonaro mostra caixa de hidroxicloroquina para as emas do Palácio da Alvorada Imagem: REUTERS/Adriano Machado

Colunista do UOL

21/01/2021 11h28Atualizada em 21/01/2021 15h38

Um levantamento da coluna com dez municípios com mais de 100 mil habitantes que distribuíram oficialmente um kit com medicamentos para o chamado "tratamento precoce", no ano passado, revela que nove deles registram uma taxa de mortalidade por covid-19 mais alta do que a média estadual.

A única exceção, Parintins (AM), tem uma taxa de mortalidade apenas 1,3% menor do que a média do Amazonas: enquanto o estado registra um acumulado de 159 óbitos por covid-19 por 100 mil habitantes, o dado do município é de 157 óbitos por 100.000 habitantes.

Os dados de municípios que distribuíram o 'kit covid' não são suficientes para concluir que a prescrição dos medicamentos sem eficácia contribuiu para as taxas de mortalidade mais altas, mas desmontam o argumento de que o chamado "tratamento precoce" é capaz de salvar vidas.

Foram incluídos no levantamento todos os municípios com mais de 100 mil habitantes em que a distribuição de "kits covid" pode ser confirmada pela coluna. Nenhuma cidade encontrada com esses critérios foi deixada de fora.

Segundo a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), com base nos estudos científicos mais recentes e consistentes, não existe tratamento precoce para a covid-19. O protocolo da SBI segue preceitos semelhantes aos da Sociedade Americana de Infectologia e de outras entidades médicas especializadas.

As outras nove cidades que compõem o levantamento são Goiânia (GO), Campo Grande (MS), Natal (RN), Cuiabá (MT), Boa Vista (RR), Jundiaí (SP), Gravataí (RS), Itajaí (SC) e Cachoeirinha (RS). Todas registram uma taxa de mortalidade maior do que a de seus estados. Os dados são do Ministério da Saúde e referem-se ao acumulado até quarta-feira (20).

A diferença mais significativa se verificou em Itajaí, em Santa Catarina. Com 133 óbitos por covid-19 por 100 mil habitantes, a taxa de mortalidade do município é 58,3% mais alta do que a do estado. Na capital do Rio Grande do Norte, Natal, a taxa de mortalidade pela doença causada pelo novo coronavírus é 57,1% mais alta do que a do estado. Em Cuiabá, capital do Mato Grosso, a taxa de mortalidade é 50,7% mais elevada do que a do estado como um todo (veja gráfico abaixo).

Cidades com kit covid 1 - UOL - UOL
Fonte: Ministério da Saúde e IBGE
Imagem: UOL

Remédios sem eficácia foram propagandeados pelo presidente

As prefeituras dos municípios montam seus 'kits covid' com base em um protocolo do Ministério da Saúde que recomenda o chamado "tratamento precoce" com medicamentos que não têm eficácia comprovada contra a covid-19.

O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, em diversas ocasiões defenderam que se o "tratamento precoce", que inclui a controversa hidroxicloroquina ou cloroquina, tivesse sido adotado de forma massiva no Brasil, o país não teria registrado tantas mortes pela doença.

Os medicamentos que constam nos 'kits covid' variam a depender da prefeitura que os distribuiu. Dos dez municípios pesquisados, apenas três não incluíram a hidroxicloroquina na cesta de medicamentos disponíveis nas Unidades Básicas de Saúde ou nas farmácias populares. Entre eles está Parintins, a única cidade do levantamento que teve taxa de mortalidade inferior à de seu estado.

Pazuello agora nega que tenha recomendado "kit covid"

Todas as prefeituras dos municípios pesquisados, porém, incluíram no kit a azitromicina (antibiótico) — contraindicada para pacientes nos estágios iniciais da doença, segundo a SBI — e a ivermectina, um antiparasitário que não tem eficácia comprovada contra a covid-19.

No início desta semana, o ministro Pazuello afirmou que nunca defendeu "tratamento precoce" para covid-19, mas, sim, "atendimento precoce". Foi desmentido prontamente, pois há inúmeros registros de sua defesa a remédios sem comprovação científica.

A insistência de Bolsonaro e de seu ministro em promover medicamentos sem eficácia desviou o foco de medidas que realmente podiam ajudar no combate à pandemia, como o distanciamento social e a compra de vacinas em quantidade suficiente para atender ao menos os grupos prioritários.