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Diogo Schelp

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Isolado, Bolsonaro insiste em sua campanha a favor do coronavírus

O presidente da Câmara, Arthur Lira, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, em entrevista após reunião do comitê de enfrentamento da covid-19 - Reprodução/TV Câmara
O presidente da Câmara, Arthur Lira, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, em entrevista após reunião do comitê de enfrentamento da covid-19 Imagem: Reprodução/TV Câmara

Colunista do UOL

31/03/2021 13h12

Ao final da reunião do comitê para o enfrentamento à covid-19, nesta quarta-feira (31), os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, falaram juntos à imprensa sobre o que foi discutido no encontro. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que oficialmente comanda o comitê, não participou do anúncio. Em vez disso, alguns minutos depois, fez um rápido discurso à parte, a pretexto de anunciar o pagamento do novo auxílio emergencial. As declarações de Bolsonaro destoaram das falas de Pacheco, Lira e Queiroga no que refere às medidas para combater a pandemia.

Bolsonaro, mais uma vez, atacou as medidas de isolamento social adotadas por governadores e prefeitos para reduzir o contágio pelo novo coronavírus na população. "Essa política, entendo eu, esse isolamento, com supressão do direito de ir e vir, extrapola — e muito — até mesmo um estado de sítio. Eu apelo a todas as autoridades do Brasil que revertam essas medidas e permitam que o povo vá trabalhar", disse Bolsonaro.

Não há qualquer equivalência entre as medidas sanitárias adotadas por estados e municípios, autorizadas por lei federal promulgada pelo próprio Bolsonaro no ano passado, e o estado de sítio, em que são suprimidos, por exemplo, direitos como o sigilo telefônico e de correspondência.

O presidente falou sobre o impacto econômico da pandemia, alegou, sem apresentar provas, que a fome mata mais que o vírus, e não dispensou nenhuma palavra sobre os mais de 3.700 óbitos por covid-19 registrados no dia anterior no país.

As declarações dadas por Pacheco, Lira e Queiroga minutos antes mostram que o presidente está falando sozinho.

Ao apresentar o seu resumo da reunião com o presidente, Pacheco disse que o comitê anticovid tem a coordenação técnica do Ministério da Saúde, com base na ciência e na medicina. Elencou iniciativas do Congresso para propiciar o aumento de leitos de UTI e a aceleração da vacinação e listou algumas das reivindicações dos governadores feitas a ele em reunião realizada na semana passada.

O presidente do Senado também disse ter reforçado junto ao presidente a necessidade de usar a estrutura de comunicação do governo para informar a população sobre a importância de se vacinar, de usar máscara, de lavar as mãos e de respeitar o distanciamento social. Sim, o distanciamento social, expressão que na boca de Bolsonaro só assume conotação negativa.

Lira falou pouco. Concentrou-se em lembrar que existe um "carência de ações" para resolver os problemas da vacinação, de leitos hospitalares e de insumos. Também cobrou transparência dos governos dos estados na divulgação de informações sobre as doses de vacinas recebidas e aplicadas.

O novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, falou da possível participação da iniciativa privada nos esforços de vacinação e deixou claro que as medidas para evitar as mortes de pacientes internados são importantes e urgentes, mas que controle epidemiológico também se faz necessário.

Queiroga afirmou ter sugerido ao presidente que o governo aproveitasse a Semana Santa para reforçar, junto à população, a necessidade de evitar aglomerações e de usar máscaras para conter a disseminação do vírus.

A diferença gritante no conteúdo das declarações dos chefes do Poder Legislativo e até do ministro da Saúde em comparação como que o presidente disse sobre a pandemia mostra que ele está isolado em sua campanha a favor do vírus.

Ninguém na cúpula dos outros poderes da República quer se juntar a ele nas críticas infundadas às medidas de isolamento social ou "lockdown", como ele gosta de chamar. Nem mesmo o seu próprio ministro da Saúde. Muito menos os agora ex-comandantes da Forças Armadas, que esta semana foram demitidos por se recusarem a permitir que a instituição fosse politizada pelo presidente e usada por ele como instrumento de ameaça contra as medidas de restrição social.

Bolsonaro quer que as pessoas voltem às ruas e à vida normal, o que favoreceria a circulação do vírus e agravaria ainda mais a situação da pandemia. Ele é radicalmente contra o isolamento social. Mas nisso, quem está isolado é ele.