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Diogo Schelp

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Com Teich e Mandetta, CPI monta cronologia de desastre governamental

Nelson Teich na CPI da Covid - Flickr/Senado Federal
Nelson Teich na CPI da Covid Imagem: Flickr/Senado Federal

Colunista do UOL

05/05/2021 15h53

A impossibilidade do general Eduardo Pazuello de comparecer nesta quarta-feira (5) à sessão da CPI da Covid-19, no Senado, onde prestaria depoimento na qualidade de testemunha, acabou tendo um efeito péssimo para o presidente Jair Bolsonaro.

Inicialmente, estavam programados para terça-feira (4) os depoimentos dos ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich. Diante da confirmação de que Pazuello estaria ausente na sessão de hoje, sob a alegação de que teve contato com dois militares com sintomas de covid-19, foi possível dedicá-la integralmente à participação de Teich.

Com isso, os senadores tiveram mais tempo para fazer questionamentos a Mandetta e a Teich. Mandetta, por exemplo, falou por mais de sete horas na terça-feira.

As informações extraídas dos dois ministros permitirão aos senadores construir uma linha do tempo das ações e omissões do governo federal nos primeiros meses da pandemia.

Inicia-se, assim, o esboço de uma cronologia pontuada por atos de sabotagem por parte do presidente da República às tentativas de Mandetta e Teich, segundo eles próprios afirmaram, de fazer uma gestão técnica da pandemia.

Mandetta expôs o "aconselhamento paralelo" que Bolsonaro recebeu de seus filhos — como ele, leigos completos em assuntos de saúde pública —, o plano presidencial de mudar a bula da cloroquina para poder distribuir e prescrever o medicamento sem eficácia contra a covid-19 país afora, a ausência de uma ampla campanha governamental para conscientizar a população a respeito da doença, os alertas sobre a gravidade da pandemia que foram ignorados ou negligenciados pelo presidente (inclusive em carta entregue em mãos por Mandetta a Bolsonaro), o abandono da estratégia de testagem em massa, o boicote dos filhos do presidente às tratativas para importar insumos médicos da China e a incapacidade de Bolsonaro e de seus conselheiros mais próximos de compreender e respeitar o que estava sendo feito pela equipe de Mandetta ou de entender a importância das medidas de distanciamento social, entre outros pontos.

Teich, que pela rápida passagem pelo Ministério chegou a ser apelidado de "o Breve", é mais contido nas revelações, mas exatamente por isso propicia um testemunho poderoso para a CPI.

O que Teich afirma, basicamente, é que ele se viu obrigado a pedir demissão porque o presidente Jair Bolsonaro não lhe dava "autonomia e liderança" para adotar a política que ele considerava adequada para o combate à pandemia.

E que, pontualmente, isso ficou mais evidente e insustentável com a insistência do presidente em adotar uma medida que para Teich era flagrantemente contrária à ciência: a "incorporação e extensão do uso da cloroquina" como estratégia do governo contra o novo coronavírus, desconsiderando os alertas sobre seus riscos.

Os depoimentos de Mandetta e Teich permitem colocar em ordem cronológica as ações de Bolsonaro que contrariaram o conhecimento científico em cada estágio da pandemia e suas recusas em aceitar as orientações de especialistas do Ministério da Saúde.

Os membros da CPI poderão, a partir desses relatos, buscar as provas materiais de que as falhas do governo na gestão da pandemia não foram inadvertidas nem fruto do acaso, mas resultado de ações intencionais do presidente que contrariaram recomendações técnicas.

Bolsonaro foi avisado reiteradamente de que a política que pretendia seguir não era adequada e poderia agravar a crise de saúde pública, mas a adotou assim mesmo.