Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
'Descriminalização da política' é o novo eufemismo para 'impunidade'
A sabatina no Senado que desembocou na recondução de Augusto Aras no cargo de procurador-geral da República, nesta terça-feira (24), prova que não existe oposição efetiva ao governo de Jair Bolsonaro no Congresso Nacional. Com honrosas exceções, o que existem são parlamentares que de um lado fazem críticas duras, na esperança de atrair os holofotes, e do outro estão mais preocupados com seus interesses pessoais e políticos mais imediatos.
A renovação do mandato de Aras — em outros momentos tão vilipendiado por sua atuação servil a Bolsonaro (quando deveria estar fazendo o contrário, fiscalizando suas ações, já que tem o monopólio do poder de denunciar o presidente ao Supremo Tribunal Federal) — foi aprovado pelos senadores por 55 votos contra 10.
Recente levantamento publicado na Folha de S.Paulo põe a omissão de Augusto Aras em números: entre 2019 e 2021, apenas 1,74% das ações contra atos do governo no STF foram apresentadas pela Procuradoria-Geral da República. A PGR de Aras tornou-se praticamente um espelho da Advocacia-Geral da União — esta, sim, com a atribuição de defender o governo.
Apesar de tudo isso, a sabatina de Aras foi um passeio no parque em dia de clima ameno. Nem parecia que ali estava o procurador-geral que tanto se omite em relação às ações do presidente que muitos senadores chamam de genocida e que vem sistematicamente atentando contra as instituições democráticas.
A senha para o estado de graça dos senadores com Aras está em uma expressão que ele usou mais de uma vez e que resume bem o que promete continuar fazendo à frente da PGR: "descriminalização da política".
"Talvez eu estivesse numa posição de muito elogio como quem distribuiu flechadas para todo o Brasil criminalizando a política, mas assim não o fiz", disse Aras a certa altura, em referência irônica a uma frase dita pelo ex-PGR Rodrigo Janot em 2017.
"O que há é o cuidado permanente para não criminalizar a política, não judicializar a política", disse o procurador-geral em outro momento, para alegria de muitos dos presentes.
A expressão já estava na boca de muitos petistas e representantes do centrão nos bastidores do Senado na última semana. Para eles, Aras pode ser omisso em relação aos desmandos de Bolsonaro, mas tem o mérito de fazer uma gestão "tranquila", sem criar problemas para a classe política. Sem "criminalizar a política", portanto.
Trata-se de uma reconhecimento implícito de que Aras ajudou a enterrar a Operação Lava Jato e não encampou a pauta de combate à corrupção.
A crítica à "criminalização da política", afinal, sempre esteve na boca do PT para se referir à Lava Jato e de líderes do centrão para defender a distribuição de cargos em troca de alianças políticas.
Ninguém resumiu melhor o padrão ético que levou à recondução de Aras do que Kakay, o advogado de algumas dezenas de réus da Lava Jato. Em artigo publicado na segunda-feira (23), ele classificou Bolsonaro como "nazifascista" e criticou Aras pela "não-atitude" diante dos "inúmeros crimes cometidos pelo presidente", mas ponderou que o PGR deveria ser mantido no cargo para enterrar o lavajatismo, que "criminalizou a política".
É isso mesmo: por esse argumento, a possibilidade de enterrar o lavajatismo justifica apoiar um procurador-geral conivente com um presidente "nazifascista".
Com todos os erros que juízes e procuradores da Lava Jato possam ter cometido, nada poderia ser pior do que endossar o que se pensa ser um governante "nazifascista", não?
"Não", foi a resposta dos maus políticos que ocupam o Senado e que decidiram, em votação secreta, pela manutenção de Aras no cargo. Maus políticos, porque são esses que verdadeiramente "criminalizam a política".
Se não cometessem crimes, não precisariam ter seus atos "criminalizados" ou "judicalizados".
Com uma oposição dessas, Bolsonaro vai longe.
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