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Fabíola Cidral

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Sem vacina, fui infectada à espera da imunização

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Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

22/06/2021 09h28Atualizada em 22/06/2021 20h17

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Não deu tempo. Contando os dias para tomar a minha primeira dose, senti os primeiros sintomas da covid-19. Febre, calafrios, cansaço, tosse seca. A sensação é estar num moedor de carne. A dor se espalha pelo corpo todo. Enquanto vou entendendo os sintomas acompanho a notícia da suspensão da vacinação em São Paulo por falta de doses. E assim vamos aumentando o número de infectados, internados e de mortos para uma doença que já tem vacina. É revoltante! Termômetro de um lado e oxímetro do outro. Não há qualquer medicamento que possa ser usado. Somente para aliviar a dor.

Além dos sintomas clássicos, sinto também medo, raiva e culpa.

Medo da morte e de virar mais um número no meio milhão. Assistindo ao noticiário hoje me assustei ao pensar que isso poderia acontecer. Medo de deixar uma filha de seis anos e meus pais com mais 70. Medo de ter que ser intubada. Medo de não encontrar uma vaga na UTI. Medo de não conseguir respirar. Medo de sofrer as consequências da covid. Medo de contaminar as pessoas.

Sinto também raiva, muita raiva. Primeiro por não ter tido tempo de ser vacinada. E agora por ter que esperar mais um mês para tomar a minha dose. A Sociedade Brasileira de Imunizações orienta esperar pelo menos quatro semanas após o início dos sintomas. Se o caso foi assintomático, o indivíduo deveria contar o mesmo período a partir do exame positivo de PCR.

Fico pensando que poderíamos estar todos vacinados neste momento no Brasil. Que raiva!

Sinto raiva de ter seguido todos os protocolos e ter sido infectada mesmo assim. A minha filha foi contaminada na escola. Teve dois dias de febre e depois seguiu como se nada tivesse acontecido. Eu e meu marido (vacinado com duas doses) também pegamos. Meu marido teve os mesmos sintomas que eu tive, com o acréscimo de ter perdido o olfato. E enquanto sofro com os sintomas, sinto raiva em ainda ouvir o presidente falar em tratamento precoce que NÃO EXISTE e as pessoas me perguntarem se eu vou tomar alguma coisa. Não, não estou tomando nada.

A culpa é outro sentimento que me ronda com os sintomas do coronavírus. Culpa por ter colocado pessoas em risco antes de saber que eu estava contaminada. Minha mãe, a balconista da padaria, o caixa do supermercado, o porteiro. Culpa pela minha filha ter sido contaminada. Errei de ter mandado minha filha para aula presencial três vezes na semana? Não sei. Pode ser que sim. Foram muitas dúvidas nestes 15 meses de pandemia. Perguntei a inúmeros especialistas e fui orientada a mandar. Pesou a saúde mental dela e nossa e a necessidade de conviver com outras crianças.

Sinto também o privilégio. De encarar essa doença tão cruel cercada de cuidados e apoio. Tenho plano de saúde, fiz vários exames, estou sendo cuidada pelo infectologista Renato Kfouri, que me manda várias mensagens por dia perguntando como estamos. Fico pensando quem não tem essa possibilidade. Como encara todos esses medos? Como tira as inúmeras dúvidas que vão surgindo a cada sintoma? Fico pensando nos milhares de infectados como eu, como estão encarando suas angústias e incertezas? Isso me fez refletir que talvez falte conversar mais com quem está em isolamento aguardando o dia seguinte para saber se vai ou não sobreviver. Falamos diariamente de tão grave e cruel é essa doença, mas falamos pouco com aqueles que estão passando por ela.