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Moro x Bolsonaro e Lula
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A dificuldade em desconstruir Jair Bolsonaro em 2018 residia na mesma combinação que dificulta a contenção de Sergio Moro às vésperas de 2022: os escândalos protagonizados no poder por adversários incapazes de autocrítica e a demonização do candidato que volta sua campanha contra os vícios do sistema do qual eles fazem parte.
Embora acobertar a corrupção petista rotulando Bolsonaro de "nazista" não tenha dado certo eleitoralmente, agora se tenta acobertar a corrupção petista e bolsonarista acusando de "ditador" o ex-juiz que condenou Lula e de "traidor" o ex-ministro que se recusou a aceitar a instrumentalização da Polícia Federal pelo presidente, além de ter repudiado os jabutis inseridos no pacote anticrime e o negacionismo na pandemia.
O agravante, para os rivais de Moro, é que Bolsonaro só era antissistema da boca para fora, como confirmaram as "rachadinhas" reveladas após a eleição e o consequente embarque da família do presidente na frente ampla pela impunidade, junto a lulistas, velhos tucanos e Centrão. Moro, porém, continua sendo o combatente da corrupção que mandou prender Marcelo Odebrecht, ajudou a revelar o departamento de propinas da empreiteira (onde Lula tinha o codinome "Amigo") e foi repelido pelo sistema quando tentou endurecer a legislação penal para evitar a impunidade de bandidos.
Bolsonaro surfou na onda antipetista, mas o antipetismo que lhe sobrou é tribal: uma disputa por cargos com foro privilegiado e controle de dinheiro alheio, travestida de duelo ideológico. O antipetismo de Moro ainda é de natureza moral e econômica: um repúdio à desonestidade na administração pública, ao patrimonialismo, ao inchaço do Estado, à irresponsabilidade fiscal e às consequências de tudo isso: mamatas, escambos e desvios, aumento de inflação e juros, desvalorização da moeda, desemprego e fome. Esse repúdio naturalmente se estende ao bolsonarismo e não à toa Moro defendeu o aumento do Auxílio Brasil, sem o rompimento do teto de gastos.
"O Brasil precisa de pessoas honestas e especialistas capacitados que, juntos, pensem em soluções para resolver os problemas do país, como o combate à fome, a geração de emprego e a responsabilidade fiscal", resumiu o ex-juiz, reverenciando seu novo conselheiro, Affonso Celso Pastore. O ex-presidente do Banco Central, que diz não querer cargos aos 83 anos, mas apenas ajudar na promoção do desenvolvimento, declarou: "Precisamos de reformas tributárias de bens e serviços e do Imposto de Renda. Precisamos criar as condições para abrir a economia brasileira ao setor externo. É importante que se dê uma correta dimensão de qual é o tamanho do Estado na economia. Eu quero gastar um tempo discutindo isso."
Lula gasta o tempo de outra maneira: posa de conciliador moderado, abrindo a chapa para o tucano Geraldo Alckmin ser vice, e de líder diplomático, palestrando no parlamento europeu, a fim de ocupar o espaço do centro e contrastar sua imagem com a do presidente aloprado, isolado no cenário internacional, onde não consegue comprar apoio.
Mas, quando Lula e PT mostram seus planos, Moro tira de Bolsonaro o lugar de fala antipetista e reage, repudiando, por exemplo, como "censura ou controle da mídia" a promessa de regulamentação das redes sociais e como forma de "transformar bandidos em heróis e atribuir culpa a quem combateu o crime" a ideia do partido de culpar o ex-juiz pelo preço dos combustíveis. "A Petrobras foi saqueada durante o governo do PT com bilhões de dólares em prejuízo. A empresa quase quebrou", lembrou Moro. "Não vão enganar o povo brasileiro."
As tentativas da claque lulista de aproximar Moro de Bolsonaro em razão do governo que o ex-ministro deixou, assim como as da claque bolsonarista de aproximar Moro de Lula ideologicamente, são apenas sintomas da dificuldade de desconstruir o ex-juiz fora das bolhas de Lula e Bolsonaro, nas quais o "nós" contra "eles" prescinde de maior sentido.
A pré-candidatura de Moro incomoda porque aproxima, na verdade, ambos os populistas, assim como a de Bolsonaro em 2018 associou PT e PSDB no campo da esquerda e correu por fora da velha polarização. Votos lulistas e bolsonaristas contra a agenda anticorrupção, bem como o histórico de indistinção entre público e privado, ainda reforçam o antibolsopetismo na figura do ex-juiz, hoje ocupado em construir um projeto nacional.
A manutenção do crescimento de Moro, com vistas a derrotar Bolsonaro no primeiro turno e Lula no segundo, dependerá das habilidades que ele desenvolver ao longo da campanha e da estrutura alavancada pelo Podemos. Mas o impacto de sua entrada no jogo foi um sinal do incômodo que ele ainda pode causar, sem comprar nem ser comprado por ninguém.
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