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Felipe Moura Brasil

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Linha do tempo liga interferências na PF e caso Ribeiro. Entenda

Colunista do UOL

24/06/2022 13h23

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Novembro de 2020

O desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, nega recurso do Ministério Público Federal pelo afastamento de Ricardo Salles e mantém no cargo o então ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro, alegando não haver prova "incontroversa" para a medida que considera "extrema".

Salles foi acusado por procuradores do MPF de cometer "desestruturação dolosa" e "esvaziamento" de políticas ambientais para "favorecer interesses que não têm qualquer relação com a finalidade da pasta".

Dezembro de 2020

Polícia Federal deflagra a Operação Handroanthus e apreende mais de 130 mil metros cúbicos de madeira em toras na divisa do Pará e do Amazonas - o que equivale, segundo o G1, a mais de 6,4 mil caminhões lotados de carga.

É a maior apreensão de madeira da história do Brasil.

Abril de 2021

Dia 14 - O delegado Alexandre Silva Saraiva, então superintendente da PF no Amazonas, protocola notícia-crime contra Ricardo Salles na Procuradoria-Geral da República, apontando a atuação do então ministro para atrapalhar investigações realizadas no âmbito da Operação Handroanthus.

Dia 15 - Governo Bolsonaro anuncia mudança no comando da Superintendência da PF do Amazonas.

Dia 20 - Governo Bolsonaro oficializa a troca anunciada: o delegado Leandro Almada da Costa assume o cargo no lugar de Alexandre Saraiva.

Maio de 2021

Dia 19 - Em outro inquérito, que apura desde janeiro exportação ilegal de madeira, Ricardo Salles é alvo de quebra de sigilo bancário e fiscal, autorizada pelo relator Alexandre de Moraes no âmbito da Operação Akuanduba, deflagrada pela superintendência da PF no Distrito Federal, sob orientação do delegado Franco Perazzoni.

O ministro do STF concordou com elementos da investigação da PF e reiterou as suspeitas de "grave esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais".

Moraes determinou a suspensão imediata da aplicação da regra, estabelecida em despacho do Ibama de fevereiro de 2020, que permitiu a exportação desses produtos sem a necessidade de emissão de autorizações de exportação. A mudança desencadeou suspeitas internacionais sobre a regularidade de exportações de madeiras extraídas no Brasil.

"Estima-se que o referido despacho, elaborado a pedido de empresas que tiveram cargas não licenciadas apreendidas nos EUA e Europa, resultou na regularização de mais de 8 mil cargas de madeira exportadas ilegalmente entre os anos de 2019 e 2020", destacou a PF no inquérito.

Moraes autorizou o afastamento de nove agentes públicos do Ministério do Meio Ambiente e do Ibama, inclusive seu presidente, Eduardo Fortunato Bim.

Dia 27 - Alexandre Saraiva é transferido para a delegacia da PF em Volta Redonda, no Rio de Janeiro.

Dia 31 - A PGR, por meio do vice-procurador-geral, Humberto Jaques de Madeiros, pede ao Supremo Tribunal Federal abertura de inquérito para investigar Ricardo Salles, com base na notícia-crime protocolada por Alexandre Saraiva.

Junho de 2021

Dia 2 - A ministra Cármen Lúcia, do STF, também autoriza a abertura de inquérito para investigar Ricardo Salles.

Dia 23 - Ricardo Salles é exonerado do governo Bolsonaro "a pedido". Ao deixar o cargo de ministro e, por conseginte, o foro privilegiado no STF, ele busca evitar ser alvo de medidas gravosas que poderiam ser determinadas pelos ministros relatores dos dois referidos inquéritos.

Julho de 2021

Dia 2 - Cármen Lúcia envia ao TRF-1 o inquérito que apura supostas tentativas de atrapalhar as investigações relativas à maior apreensão de madeira no país.

Órgão de segunda instância da Justiça Federal brasileira, com sede em Brasília, o TRF-1 também tem jurisdição, entre outros estados, sobre Pará e Amazonas, locais da investigação.

No momento do envio, o tribunal discute justamente um conflito de competência sobre se os casos conexos ao de Ricardo Salles, como de empresários, devem ser julgados pela Justiça Federal do Pará ou pela Justiça Federal do Amazonas.

Dia 20 - Alexandre de Moraes envia para a Justiça Federal do Pará o inquérito que apura um suposto esquema de facilitação de contrabando de madeira.

Novembro de 2021

A PF transfere do DF para a Superintendência do Pará o inquérito da operação Akuanduba, antes relatado por Moraes.

O caso, então, é tirado das mãos do delegado Franco Perazzoni, que conduziu desde o início as investigações sobre exportação ilegal.

A PF alega que a troca de delegados acontece em razão da mudança de competência.

"A TV Globo apurou", porém, "que, mesmo com essa mudança na Justiça, a operação continuou sob responsabilidade do delegado Perazzoni", informa o G1.

"O próprio superintendente da PF no Pará, Wellington Santiago, pediu que o caso fosse mantido com as equipes da capital federal.

Em meados de outubro, no entanto, Santiago mudou de opinião e enviou novo documento à PF no Distrito Federal, desta vez para afirmar que a PF do Pará estava pronta para seguir com a investigação.

Empossado no cargo naquele mesmo mês, o novo superintendente da corporação no DF, Victor César Carvalho dos Santos, aceitou o pedido e encaminhou o inquérito às equipes do Pará.

Sob condição de sigilo, fontes afirmaram à TV Globo que a mudança de posicionamento de Wellington Santiago ocorreu depois que o superintendente da PF no Pará foi promovido. Agora, ele será adido da Polícia Federal na Colômbia.

À TV Globo, Santiago negou que tenha mudado de opinião por causa da promoção."

Tudo muito conveniente, claro.

Enquanto isso, a imprensa já contabiliza 18 delegados da PF afastados ou punidos em retaliação.

Dezembro de 2021

Dia 5 - Matéria da Veja: "Salles conseguiu o que queria: seus inquéritos andam cada vez mais devagar".

Dia não identificado - O desembargador Ney Bello, do TRF-1, autoriza a devolução do material apreendido pela PF em dezembro de 2020 com uma das madeireiras investigadas na Operação Handroanthus, a MDP Transportes.

Segunda a Folha, a defesa da MDP foi feita por Frederick Wassef, advogado da família Bolsonaro.

A procuradora Raquel Branquinho questiona a decisão de Bello, tomada sem que o Ministério Público tenha sido ouvido, e defende, entre outros argumentos, que a devolução das madeiras só seria possível após a PF realizar perícia, porque a investigação envolve justamente a "possível confusão entre madeiras de origem lícita e de origem ilícita".

Maio de 2022

Dia 11 - Gilmar Mendes "tem procurado integrantes do STJ para fazer campanha intensa por seu candidato" , registra O Globo. "O nome que Mendes quer emplacar na corte é o desembargador Ney Bello", do TRF-1.

"Um dos favoritos na disputa, Ney Bello já trabalhou junto com Gilmar no STF - foi juiz instrutor no gabinete do hoje decano. No TRF-1, votou para absolver Michel Temer das acusações em torno do decreto dos portos, e garantiu prisão domiciliar ao ex-ministro Geddel Vieira Lima, no lugar da prisão preventiva.

O nome do desembargador também é bem visto no Palácio do Planalto. 'O Ney tem se esforçado nos últimos três anos para se mostrar bolsonarista. Ficou amigo do Flávio Bolsonaro, deu decisões que agradam. Tem chances por isso', afirma um interlocutor de Bolsonaro do meio jurídico."

O título da matéria é emblemático: "Lobby, intrigas e duelo de padrinhos: os bastidores da disputa para ser ministro do STJ".

Dia 21 - "Jair Bolsonaro disse a um integrante do governo que, das duas indicações que fará ao Superior Tribunal de Justiça, já se decidiu por uma", informa o Metrópoles.

"O escolhido é Ney Bello, desembargador do TRF da 1ª Região. Ele é apoiado, entre outros, por Gilmar Mendes.

A outra vaga, segundo Bolsonaro, está indefinida. A lista de indicados pelo STJ tem, além de Bello, os desembargadores Messod Azulay Neto, Paulo Sérgio Domingues e Fernando Quadros."

Junho de 2022

Dia 22 (manhã) - Milton Ribeiro, ex-ministro da Educação do governo Bolsonaro, é preso preventivamente pela PF, sob autorização do juiz Renato Coelho Borelli, da 15ª Vara Federal de Brasília, no âmbito da Operação Acesso Pago, que investiga desvios de verbas no escândalo conhecido como "Bolsolão do MEC", revelado pelo Estadão.

Borelli contrariou parecer do MPF, que endossou o pedido de novas digilências, mas rejeitou a prisão de Ribeiro. No mandado, o juiz determina que Ribeiro fosse seja levado para a Superintendência da PF em Brasília tão logo seja localizado pelos agentes da PF.

Os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, apontados como intermediários da liberação do dinheiro para prefeitos em troca de propina, inclusive em barras de ouro, também são presos por ordem do Borelli.

Os autos da investigação são mantidos sob sigilo.

Dia 22 (noite) - Jair Bolsonaro janta com Gilmar Mendes no evento organizado pelo presidene da Câmara, Arthur Lira, em homenagem aos 20 anos do ministro do STF na Corte, durante os quais ajudou, por exemplo, a arquivar investigação sobre Lira no caso do "quadrilhão do PP" e a garantir foro privilegiado a Flávio Bolsonaro, filho de Jair.

Eu, Felipe, comento a notícia no Twitter: "Brasília é uma festa. Nada que um cafezinho com Gilmar não resolva."

Dia 23 (manhã) - O desembargador do TRF-1 Ney Bello, favorito de Jair Bolsonaro para indicação ao STJ com aval de Gilmar, manda soltar Milton Ribeiro e os demais presos na Operação Acesso Pago, o que aumenta seu cacife político com o presidente, aliviado com a decisão.

Entre outros motivos, Bello aponta o parecer contrário do MPF à prisão do ex-ministro.

Dia 23 (tarde) - "Delegado da PF no caso Milton Ribeiro diz que houve interferência na investigação", informa a Folha.

Em mensagem a colegas, Bruno Calandrini, responsável pelo pedido de prisão do ex-ministro bolsonarista, afirma que "a investigação envolvendo corrupção no MEC foi prejudicada no dia de ontem (quarta, 22) em razão do tratamento diferenciado concedido pela PF ao investigado Milton Ribeiro", "com honrarias não existentes na lei".

Calandrini afirma que "a investigação foi obstaculizada ao se escolher pela não transferência de Milton a Brasília à revelia da decisão judicial" de Renato Borelli, o que impediu a coleta de depoimento de Ribeiro em audiência de custódia no DF. Para alívio do governo, o ex-ministro dormiu em São Paulo, até ser solto no dia seguinte por ordem de Ney Bello.

Em nota, a PF anuncia que vai abrir "procedimento apuratório", mas tenta desqualificar de antemão as denúncias como "boatos".

Dia 23 (noite) - O delegado Alexandre Saraiva, ex-superintendente da PF do Amazonas, ironiza o episódio no Twitter:

"O Brasil é o país das coincidências: desembargador que proferiu decisão para devolver a madeira, da maior apreensão de madeira ilegal da história, agora liberou o pastor que cobrava propina em ouro. Aposto minhas calças que este ouro vinha de garimpos ilegais da Amazônia."

Dia 23 (horário não identificado) - O juiz Renato Borelli determina que a investigação sobre o "gabinete paralelo" instalado no Ministério da Educação, na gestão de Milton Ribeiro, retorne ao STF.

A decisão, que seria divulgada no dia 24 pela imprensa, atende um pedido do MPF, cuja alegação foi de "indício de vazamento da operação policial e possível interferência do presidente Jair Bolsonaro nas investigações".

A Procuradoria cita trechos de conversas de Ribeiro com terceiros, interceptadas pela PF com autorização da Justiça, para indicar que Ribeiro teria obtido informação da investigação por autoridade detentora de foro privilegiado.

Em uma das gravações, por exemplo, o ex-ministro diz à filha:

"A única coisa meio... hoje o presidente me ligou... ele tá com um pressentimento, novamente, que eles podem querer atingi-lo através de mim, sabe? É que eu tenho mandado versículos pra ele, né?"

"Ele quer que você pare de mandar mensagens?", pergunta a filha, aparentemente ciente do risco de interceptação.

"Não! Não é isso... Ele acha que vão fazer uma busca e apreensão... em casa... sabe... é... é muito triste. Bom! Isso pode acontecer, né? Se houver indícios, né..."

"Ele" é Bolsonaro.

A suspeita é que as expressões "pressentimento", "ele acha" e "mandado versículos" foram usadas como senhas para amenizar informações confidenciais trocadas entre ambos, com o objetivo de evitar conclusões categóricas em caso de interceptação.

"Assim, figurando possível a presença de ocupante de cargo com prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal, cabe ao referido Tribunal a análise quanto à cisão, ou não, da presente investigação", escreve Borelli, que retira o sigilo do inquérito.

O MPF - legitimando, na prática, a queixa do delegado Bruno Calandrini - constatou ainda que Ribeiro não foi conduzido ao Distrito Federal e tampouco levado a qualquer unidade penitenciária "para que pudesse ser pessoalmente interrogado pela autoridade policial que preside o inquérito policial, apesar da farta estrutura disponível à Polícia Federal para a locomoção de presos".

"Nesse ponto, destaque-se que a ausência de Milton Ribeiro perante a autoridade policial foi prejudicial ao livre desenvolvimento das investigações em curso, além de ferir a isonomia que deve existir no tratamento de todos os investigados", registra o documento.

O MPF defendeu a remessa do material ao STF para averiguação da possível ocorrência dos crimes de violação de sigilo funcional com dano à Administração Judiciária e favorecimento pessoal.

O caso é encaminhado à ministra Cármem Lúcia, relatora da investigação do "Bolsolão do MEC" à época em que Ribeiro ainda integrava o governo.

Dia 24 - Eu, Felipe, relembro no rádio as declarações de Jair Bolsonaro em reunião de 22 de abril de 2020 com seus então ministros, dois dias antes de Sergio Moro deixar o governo apontando interferência na PF.

"Eu não vou esperar foder minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence à estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, vai trocar o chefe dele. Se não puder trocar o chefe dele, troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui para brincadeira!"

"E eu tenho o poder e vou interferir em todos os ministérios sem exceção... Eu não posso ser surpreendido com notícias! Eu tenho a PF, que não me dá informações... A gente não pode viver sem informação. Quem é que nunca ficou atrás da porta ouvindo o que seu filho ou sua filha tá comentando?... Eu não sou informado e não dá pra trabalhar assim. Por isso [olha para Sergio Moro] vou interferir! E ponto final, pô!"

Essa é uma das poucas promessas que Bolsonaro cumpriu.

Fica muito claro o que passou a acontecer a partir daí.