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Felipe Moura Brasil

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O "Aras" do Rio e a quebra de compromisso moral

Colunista do UOL

16/01/2023 12h03

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"Vejo hoje que a expressão 'apoio ao mais votado' precisa ser inserida, definitivamente, em nosso dicionário de valores institucionais, dando-lhe definição."

A ironia de Leila Costa contra Luciano Mattos, em mensagem aos colegas, reforça a percepção entre membros do Ministério Público do Rio de Janeiro de "desonra" do procurador-geral de Justiça, que, mesmo tendo prometido apoiar o primeiro nome da lista tríplice da categoria, aceitou ser reconduzido ao cargo de PGJ (chefe do MP-RJ) pelo governador Cláudio Castro.

"Jamais afirmei que o apoio por mim manifestado constituiria óbice para eventual nomeação", alegou Mattos, segundo colocado na disputa vencida por Leila, que obteve 48 votos a mais. Durante a campanha, ele havia registrado não apenas seu "compromisso de apoio à nomeação do candidato mais votado pela classe, posicionamento defendido em toda a minha carreira", como também ratificado em carta "o compromisso que assumi", "no sentido do meu integral apoio à escolha, pelo governador, da candidata mais votada".

O ineditismo da derrota interna do candidato à recondução acabou compensado por outro ineditismo: o rompimento da tradição de escolha do nome vencedor, iniciada em 2003.

"A nossa democracia institucional foi golpeada com a quebra de um compromisso moral feito com a classe, por escrito, e em discurso direto em reuniões, que ora não se comprovou verdadeiro", afirmou a procuradora, dizendo-se "consternada". "A vontade legítima e democrática da classe foi desconsiderada pelo atual PGJ, uma vez que os colegas, de forma majoritária, deixaram claro o desejo de mudança, e a insatisfação com a sua gestão falou em tom ensurdecedor."

Castro se fez de surdo, como previsto. Ele também quer um Augusto Aras para chamar de seu e Mattos soube encarnar o papel.

Extinguir força-tarefa ou grupo anticorrupção é o melhor passaporte para ser reconduzido ao cargo de procurador-geral pela classe política brasileira. Aras, indicado por Jair Bolsonaro fora da lista tríplice do MPF, extinguiu a Lava Jato e renovou seu mandato de PGR, com aval de senadores de todos os matizes, inclusive petistas e bolsonaristas. Mattos, indicado por Castro, extinguiu o Gaecc (que investigou, por exemplo, Flávio Bolsonaro) e foi novamente escolhido pelo governador, a despeito da vitória de Leila.

Nenhum político deixa de lado tamanha oportunidade de nomear a primeira mulher a ocupar um cargo como o de PGJ, legitimada pela própria categoria, sem escancarar preocupações inconfessáveis.

Castro é alvo de delação do empresário Marcus Vinícius Azevedo da Silva, que foi seu assessor na Câmara Municipal entre abril e agosto de 2017. Silva o acusou de ter recebido propina como vereador e vice-governador (na gestão do 'impichado' Wilson Witzel), neste último caso corroborando outra delação. O grupo do atual governador também teme os desdobramentos dos escândalos do Ceperj e da UERJ, que envolvem cargos e folhas de pagamento secretos.

De quebra, a família Bolsonaro, aliada de Castro, temia eventual retomada de investigações de "rachadinhas", já que Leila pretendia reformular o Gaecc e poderia não se omitir em convocar testemunhas a prestar depoimentos.

Membros de tribunais superiores ainda fizeram pressão sobre o governador pela recondução de Mattos, segundo a imprensa. Agora blindarão Castro e seus aliados, já que foram atendidos? Ou o PGJ já vai atuar, como Aras, pela impunidade geral na raiz?

A revolta no MP-RJ com a escolha não se limita à ala anticorrupção. Uma ala do Gaeco, o grupo de combate ao crime organizado que investigou o caso Marielle, além de bicheiros, milicianos e até delegados, pediu exoneração coletiva em razão da permanência de Mattos, "dada a gravidade do ato praticado pelo chefe da instituição".

Todos os sinais indicam a necessidade de vigilância redobrada sobre os efeitos dessa escolha, feita e aceita conforme a conveniência.

É o compromisso moral do jornalismo independente.