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Fernanda Magnotta

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Com baixo protagonismo, isolamento de Kamala Harris chama a atenção nos EUA

A senadora democrata Kamala Harris, em Washington - Yuri Gripas/Reuters
A senadora democrata Kamala Harris, em Washington Imagem: Yuri Gripas/Reuters

Colunista do UOL

23/12/2021 07h29

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Há cerca de um mês, um material exclusivo publicado pela CNN, nos Estados Unidos, revelou os bastidores da relação entre Kamala Harris, vice-presidente do país, e as demais lideranças do governo norte-americano.

Entrevistas com quase 40 pessoas, entre eles assessores de Harris, funcionários do governo, staff, doadores e conselheiros externos do Partido Democrata sugerem um cenário em que Harris sente-se isolada e frustrada. Segundo o material, no governo ela não encontrou um espaço consistente de ação e, fora dele, sofre críticas de sua própria base aliada.

Desde que assumiu o cargo, Harris divide-se entre reuniões com Biden e legisladores, na organização de mesas-redondas com representantes de grupos de interesse e realizando algumas viagens.

O jornal Los Angeles Times criou um rastreador que mapeia o que há na agenda de Harris, facilitando o acompanhamento dos eventos públicos da vice-presidente. A análise desses dados é interessante e expõe concretamente indícios das dificuldades enfrentadas por ela.

Em primeiro lugar, fica claro que Harris, hoje, tem menos tempo com Biden do que outrora. Em segundo lugar, temas antes prioritários, agora perderam espaço, como é o caso da pandemia de covid-19 e a agenda de migração. Por fim, torna evidente que o carro-chefe de Harris é, de fato, trabalhar para expandir o direito de voto nos Estados Unidos, o que não será fácil. Até o momento, os democratas no Senado já apresentaram diversas versões de projetos de lei sobre o tema, mas enfrentam vocal oposição republicana.

Além de ter aparecido menos em público, alguns episódios desse ano reforçaram a leitura de um relativo isolamento de Harris. Isso aconteceu, por exemplo, durante o processo de convencimento empreendido pela Casa Branca junto ao Congresso dos Estados Unidos em busca de apoio para a aprovação do projeto de infraestrutura, no qual Harris teve papel secundário.

Também se manifestou no baixo envolvimento da vice-presidente durante o plano de ação para retirada norte-americana do Afeganistão, e na decisão de Biden em envolvê-la na agenda migratória do Triângulo Norte da América Central (incluindo Guatemala, Honduras e El Salvador), mas sem oferecer papel relevante no que tange à fronteira sul dos Estados Unidos com o México.

A "crise de Harris" também passou a ser noticiada, na imprensa norte-americana, na medida em que ela tem enfrentado problemas de pessoal, incluindo desconfiança e alta rotatividade, tendo perdido, nos últimos meses, assessores sênior e pessoas centrais de seu gabinete.

Há pelo menos 3 hipóteses centrais que poderiam ser aventadas para explicar a percepção de um subaproveitamento de Harris.

A primeira delas tem a ver com a própria dinâmica da política dos Estados Unidos, em que é comum aos vice-presidentes não ocuparem o centro dos holofotes. Nesse sentido, Harris seria apenas normal, talvez julgada por um padrão particularmente injusto, já que ao assumir a vice-presidência como primeira mulher e primeira afro-americana a ocupar o cargo, ela teria criado expectativas superestimadas de um papel proeminente irreal.

A segunda hipótese envolve um misto de desconhecimento, por parte do grande público, sobre sua agenda de trabalho, como também dificuldades, por parte de Harris, de operar a máquina de governo em Washington. Os dados deixam claro que ela recebe muito menos atenção da mídia quando está sozinha, ao mesmo tempo em que, embora seja uma liderança consolidada na Califórnia, para os padrões da capital, ela é relativamente inexperiente. Harris está em Washington apenas há poucos anos e visitou a Casa Branca somente uma vez antes de tomar posse como vice-presidente. Nessa chave entram também barreiras enraizadas no sistema político do país, como o racismo e o machismo estruturais, que tem sido constantes e que afetam o dia a dia de seu "fazer político".

A terceira hipótese, por fim, tem a ver com o futuro do partido democrata e a renovação de lideranças dentro dele. Há quem considere Harris uma ameaça para outros líderes que aspiram posições de destaque. Não está claro se o próprio presidente Biden terá ou não condições de concorrer a reeleição em 2024 e como se comportará diante do desafio de fazer um sucessor. Essas incertezas e as ansiedades relacionadas à gestão de capital político estariam criando instabilidades no dia a dia da gestão, o que contaminaria a produtividade, o engajamento e a comunicação dentro da Casa Branca.

Vale a pena acompanhar.