Flávio VM Costa

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Reportagem

Polícia vê elo de mexicanos e chineses no mercado da metanfetamina em SP

Um grupo multinacional de traficantes domina o comércio de metanfetamina em São Paulo, mercado ilegal mais restrito que os da maconha e da cocaína, mas que triplicou entre os anos de 2023 e 2024.

Investigação do delegado Fernando Santiago, chefe da delegacia de facções criminosas de São Paulo, identificou células formadas por mexicanos, chineses, nigerianos, brasileiros e portugueses, que interagem na produção e compra da droga.

O UOL teve acesso a documentos e conversas da Operação Heisenberg, deflagrada em dezembro passado e batizada em referência ao personagem principal da série de TV "Breaking Bad", que trata justamente da produção de metanfetamina.

Além da produção e tráfico da substância em si, os investigadores encontraram indícios de lavagem de dinheiro, comércio ilegal de armas e tráfico internacional de pessoas entre esses grupos.

Veja a seguir os principais pontos da investigação.

Antes importada, metanfetamina já é fabricada em São Paulo

Também conhecida como "gelo", "tina", "pin" ou "cristal", a metanfetamina age na liberação de dopamina, serotonina e noradrenalina, provocando aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial, além de causar uma euforia extrema e sensação de autoconfiança.

A droga tem sido consumida por jovens de classe média e classe média alta em baladas de música eletrônica, universidades, hotéis e encontros de "chemsex" - orgias regadas a metanfetamina que costumam ter horas de duração.

Diferentemente da cocaína ou maconha, um usuário de metanfetamina pode precisar de apenas um ou dois gramas para passar o dia consumindo a droga. Normalmente, é dissolvida em água para o fumo em cachimbos de vidros.

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Até pouco tempo, a metanfetamina era trazida de fora do Brasil, o que encarecia seu preço no varejo. Um grama custava R$ 500.

O preço da droga baixou e o consumo explodiu graças à 'visão empresarial' de narcotraficantes do México.

Os criminosos mexicanos tiveram uma ideia óbvia. Produzi-la aqui mesmo para vendê-la por um preço mais baixo e expandir o mercado. Eles têm a expertise da fabricação do "kriko" de alta qualidade, como eles chamam os cristais de metanfetamina.

Cristais de gelo são vendidos agora por R$ 80. Ou até menos, a depender da qualidade do produto.

Pelo menos dois mexicanos investigados na Operação Heisenberg são da região de Sinaloa, no México, berço do cartel de drogas mais poderoso do mundo.

Só havia um problema. Não vivem tantos mexicanos na capital paulista que possam ser arregimentados para vender a substância no varejo.

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Por isso, eles se especializaram em fornecer a droga para traficantes chineses e nigerianos que integram duas grandes comunidades étnicas de São Paulo.

Os dois grupos atuam, majoritariamente, na capital. Os agentes mapearam dezenas de entregas de drogas em hotéis e motéis no centro paulistano.

Profissionais de sexo têm participação ativa no esquema, pois, muitas vezes, são elas que ofereceram a metanfetamina aos clientes antes do ato sexual.

Trata-se de um universo criminoso muito menor do que o dos traficantes de cocaína e maconha.

"É uma droga muito escassa. Então, quando um grupo não tem compra do outro", afirma o delegado Fernando Santiago.

Outro fator que barateou o preço da metanfetamina foi que nigerianos e chineses passaram a produzir seus próprios cristais, que são de qualidade inferior aos produzidos pelos mexicanos.

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O principal "cozinheiro" mexicano atende pela alcunha de "Fantasma": Guillermo Fabian Martinez Ortiz é um engenheiro químico que já trabalhou para a Pemex, petrolífera de seu país.

O cozinheiro é responsável por transformar a substância líquida que será levada ao seu estado sólido, quando se tornará uma droga com aparência de vidro ou cristal.

Em 2022, Fantasma foi preso ao lado de seu compatriota David Hazael Cruz Ávila. Os dois construíram um pequeno laboratório em um quarto de motel barato na avenida Raposo Tavares.

A dupla foi pega com 12,5 g de metanfetamina divididos em pequenos sacos plásticos, dois simulacros de armas, três telefones celulares, dez ferramentas para produzir a droga, passaporte, balança de precisão, cinco facas, três passaportes e dois cadernos de anotações com nomes de clientes.

Fantasma foi condenado a pena de 1 ano, 11 meses e 10 dias de reclusão, em regime semiaberto, e teve direito a recorrer à liberdade. Solto, continuou na produção de cristais.

Após a deflagração da Heisenberg, ele se tornou foragido até ser encontrado por policiais em um hotel de três estrelas no centro paulistano, no fim de janeiro.

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Sua defesa nega que ele seja traficante e diz que ele trabalha como DJ no Brasil.

A investigação policial mostra fotos de Fantasma produzindo drogas e que ele usou contas bancárias da mulher brasileira para receber pagamentos por produzir metanfetamina.

Negociações entre narcos da metanfetamina

"Quero comprar gelo agora, você pode me vender? Quanto custa?"

"Quanto você quer? Cem yuans por grama".

No WhatsApp dos traficantes foram encontradas conversas sobre  compra e venda de drogas e armas
No WhatsApp dos traficantes foram encontradas conversas sobre compra e venda de drogas e armas Imagem: Reprodução
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"Quantos gramas de gelo você quer por esta arma?"

"Você pediu para ele me ligar imediatamente e me dar R$ 4.500 ao meio-dia. Ele ainda não me deu a mercadoria. Se ele não atender o telefone, não me culpe."

"Acabei de pedir a alguém para transferir o dinheiro e chegaram R$ 100. Pedi ao Fantasma que esperasse e transferisse para ele. Eu dei R$ 200 a ele e ele só pegou 100, não sei dizer o que era realmente."

Os celulares apreendidos dos narcotraficantes presos pela Operação Heisenberg mostram uma rotina frenética de compra e vendas de drogas e armas pelos diversos integrantes da quadrilha.

O aparelho que mais passou informações aos agentes policiais foi o do narco chinês Pikang Dong, cujo apelido no mundo no crime é o sugestivo "Rodízio".

Rodízio é um dos líderes de um dos quatro grupos de traficantes chineses descobertos pela investigação.

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Foi preso em julho na Aclimação, de posse de 2 kg de metanfetamina.

A investigação mostra que ele tem como chefe o empresário Zheng Xiao Yun, mais conhecido como Marcos Zheng. Zheng é dono de várias empresas e já foi preso anteriormente por desviar testes de covid.

A defesa de Zheng nega as acusações. Em depoimento à polícia, ele diz ser apenas usuário.

No WhatsApp dos traficantes foram encontradas conversas sobre  compra e venda de drogas e armas
No WhatsApp dos traficantes foram encontradas conversas sobre compra e venda de drogas e armas Imagem: Reprodução

A polícia aponta que os narcotraficantes chineses promovem "chemsex" em apartamentos alugados em bairros de classe média alta de São Paulo.

Os clientes pagam pela entrada, pegam uma bebida e observam garotas de programas dançando no pole dance.

Depois que escolhem uma para transar, eles vão para os quartos, onde transam sob estímulo de gramas de "gelo", um dos apelidos mais comuns para a metanfetamina.

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Parte das prostitutas envolvidas no esquema é de nacionalidade chinesa.

"Não é comum você encontrar prostitutas chinesas por aqui. Uma unidade especializada da Polícia Civil vai investigar como elas chegaram até aqui", afirma o delegado Santiago.

Além de tráfico e prostituição, a investigação mostra que os chineses têm uma ampla rede de empresas para lavar o dinheiro obtido com a venda da substância.

A Polícia Civil já indiciou 63 pessoas na operação. Mas não conseguiu prender os traficantes nigerianos, pois alega que, diferentemente dos chineses, não é tarefa fácil descobrir onde eles moram em São Paulo.

A investigação continua para tentar identificar se há uma rede de tráfico de prostitutas chinesas para São Paulo e quem são os outros narcos que atuam na venda de metanfetamina na cidade.

Reportagem

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