STF vai debater se reconhecimento pessoal é válido como prova em ação penal
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Nem só Jair Bolsonaro e Carla Zambelli serão temas de discussão da mais alta corte do país neste ano.
O STF (Supremo Tribunal) anunciou na semana passada que vai começar a avaliar se o reconhecimento pessoal em uma ação penal é valido como prova para definir a autoria de um crime quando o procedimento não seguir o CPP (Código de Processo Penal).
A discussão visa esclarecer se a prática viola direitos constitucionais, como o devido processo legal, a ampla defesa e a proibição de provas ilícitas, e é um dos temas prioritários na agenda de grupos de defesa dos direitos humanos no país.
Relator do caso, o ministro-presidente Luís Roberto Barroso, destacou a fragilidade do reconhecimento pessoal como prova, já que depende de fatores como a memória da vítima e sua capacidade de atenção em situações frequentemente traumáticas ou violentas.
"A dependência excessiva sobre a qualidade dos sentidos de quem é chamado a reconhecer pode levar as pré-compreensões e os estereótipos sociais a influenciarem o resultado do ato", afirmou Barroso, exemplificando que, no Rio de Janeiro, 83% dos casos de reconhecimento equivocado resultaram na punição indevida de pessoas negras.
"O potencial reforço às marcas de seletividade e de racismo estrutural dessa questão sobre o sistema de justiça criminal, por sua vez, designa a relevância social e política do tema".
O procedimento é regulamentado pelo artigo 226 do CPP, e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução 484/2022 com orientações detalhadas sobre como fazê-lo.
Ainda que não tenha a data para começar o julgamento do caso, a sinalização do Supremo de que começará a debater o assunto é vista como algo positivo para especialistas ouvidos pela coluna.
O advogado Leandro Sarcedo afirma que "seria um grande alento para o efetivo respeito aos direitos fundamentais se, finalmente, o STF expressasse o entendimento de que o artigo 226 do Código de Processo Penal, vigente sem alterações há mais de 80 anos, deve ter aplicação plena pelos juízes de todas as instâncias."
Professor de direito penal, medicina forense e criminologia da USP, Sarcedo acrescenta que "na prática, o que se verifica é a produção de decisões injustas, muitas vezes carregada de vieses aporofóbicos (aversão a pobres) e racistas, pela relutância do Poder Judiciário em respeitar os requisitos legais, na busca desenfreada de punições".
Já o advogado Fernando Hideo, professor de direito penal na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo e na Escola Paulista de Direito, diz que o STF tem a oportunidade de consolidar uma diretriz essencial para a tutela dos direitos fundamentais no processo penal — a inadmissibilidade de condenações baseadas exclusivamente em reconhecimentos pessoais ou fotográficos irregulares.
"O Superior Tribunal de Justiça já consolidou entendimento no sentido de que o reconhecimento deve observar estritamente as formalidades do artigo 226 do Código de Processo Penal, garantindo o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa."
Para o jurista Lenio Streck, professor titular dos cursos de mestrado e doutorado do Programa de Pós-Graduação em Direito da Unisinos, a discussão é bem-vinda, mas chega muito atrasada.
"Já nos anos 90 eu fazia pareceres como procurador de justiça para anular qualquer tipo de processo em que o reconhecimento não seguia as formalidades do art. 226."
Para Streck, doutor em direito constitucional, um reconhecimento por foto ou que não segue rigorosamente o que diz o art. 226 do CPP é nulo.