Mercosul poupou continente de corrida nuclear e conflitos, afirma Sarney
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Artífice da aproximação entre Brasil e Argentina nos anos 80, Sarney se diz preocupado com futuro do bloco do Cone Sul
O ex-presidente José Sarney anda preocupado. Um dos artífices do Mercosul, ao lado do então presidente da Argentina, Raul Alfonsin, o ex-presidente brasileiro insiste que a estabilidade do continente decorre do Mercosul.
"Qualquer abalo maior em nosso relacionamento, que hoje se estende a outros países, é perigoso, porque podemos voltar à antiga rivalidade que foi sepultada", alertou, em entrevista exclusiva à coluna.
Sua lógica é de que, num continente que já vive uma forte tensão em diversos países, o rompimento da aliança tradicional entre Brasil e Argentina pode ter um impacto muito além dos dois países.
O ex-presidente frisou a importância do bloco regional neste aspecto, relacionando, em sua análise, a estabilidade sul-americana à ausência de uma corrida armamentista ou conflitos maiores, em comparação a outros continentes.
Mais de 30 anos depois da aproximação entre Sarney e Alfonsin, o projeto iniciado pelos dois países corre risco diante do reposicionamento do governo de Jair Bolsonaro e de uma possível vitória neste domingo de Alberto Fernandez e Cristina Kirchner.
Governo analisa saída do bloco
Em recente matéria, o jornal Folha de S.Paulo revelou como o governo já estaria avaliando o impacto que uma eventual saída do Mercosul poderia ter para o país.
O estranhamento entre Buenos Aires e Brasília foi causado depois que o governo Bolsonaro propôs uma redução da tarifa externa comum do bloco, de forma unilateral, o que não foi bem aceito.
Em entrevista à coluna, o ex-presidente Sarney foi enfático em alertar que o Mercosul não é um projeto meramente comercial.
Durante a semana, em sua coluna no jornal O Estado (Maranhão), ele já havia dado o tom. "Mexer agora com o Mercosul, mesmo com os erros que o enfraqueceram ao longo do tempo, é ressuscitar a antiga estrutura de conflito no Cone Sul e esperar pelas consequências geopolíticas que daí virão, sem dúvida", escreveu.
Eis os principais trechos da entrevista:
UOL - Por qual motivo o senhor promoveu uma aproximação com a Argentina?
Sarney - Conhecedor da história da América Latina, sobretudo do Cone Sul, não entendia nossa rivalidade com a Argentina. Ela era baseada numa ideia falsa de que quem dominasse o Prata dominaria a América do Sul, cujas riquezas ficaram lendárias depois da descoberta das minas de prata do Potosí na Bolívia, nossos dois países passaram a disputar o domínio. Para sepultar essa ideia falsa, logo que assumi o governo mandei a Buenos Aires o chanceler Olavo Setúbal, com a missão de propor uma nova política entre nossos países e promover o mais rápido possível um encontro meu com o então Presidente Raul Alfonsín.
Logo nos reunimos em Foz do Iguaçu, e encontrei um homologo que pensava como eu. Estabelecemos então as diretrizes de um novo relacionamento, na histórica Ata de Iguaçu, em que colocamos no papel as diretrizes a seguir — sem excluir o problema nuclear para o qual, em vez de disputa, desejávamos cooperação, acabando com a corrida que existia em torno de quem primeiro chegasse a possuir uma arma nuclear. A partir daí o excelente trabalho desenvolvido por nossas chancelarias resultou na assinatura do Tratado de Buenos Aires, conhecido depois como Mercosul.
Como o senhor considerada o papel do Mercosul na história da diplomacia brasileira desde então?
Julio María Sanguinetti, Presidente do Uruguai, que passou a participar desse projeto, afirmou que foi o passo mais importante que tomamos na América do Sul. O nosso objetivo era criar um mercado comum, segundo o modelo Europeu, que começou com o Tratado de Paris entre França e Alemanha sobre carvão e aço. Brasil e Argentina iniciavam esse sonho e a médio e longo prazo incorporaríamos todos os países da América do Sul, numa integração por setores, para não haver retrocessos.
Infelizmente os governos Menem e Collor modificaram esses objetivos e o Mercosul tornou-se uma união aduaneira, que não se pode negar ser responsável por um extraordinário avanço no comércio dos nossos países. Mas a visão geopolítica do Mercosul — integração econômica-cultural-física-política — reduziu-se a um objetivo meramente comercial.
Hoje, o governo ensaia um racha com a Argentina. Como o senhor vê esse desenvolvimento?
Nossas relações com a Argentina jamais devem regredir, respeitando o lema do Mercosul: "Crescer Juntos".
Quais são os riscos que o Brasil corre ao optar por não dar prioridade para o Mercosul?
Como disse, o Mercosul não é um projeto econômico e sim geopolítico, que interessa muito ao Brasil e não pode jamais ser desprezado. Dele decorre a estabilidade do Continente. Qualquer abalo maior em nosso relacionamento, que hoje se estende a outros países, é perigoso, porque podemos voltar à antiga rivalidade que foi sepultada.
Não podemos desprezar o fato de que o Mercosul foi responsável por sermos o único continente onde não existe corrida nuclear e o mais pacífico do mundo, onde há mais de cem anos não ocorre uma guerra maior.
Como o senhor avalia a política externa do atual governo?
Tomei a decisão, que tenho mantido sempre, de não fazer avaliações sobre os meus antecessores e sucessores: cada governo vive suas circunstâncias e não acredito, como ex-Presidente, que qualquer Presidente deixe de desejar fazer o melhor pelo país. Temos no Itamaraty um corpo diplomático da melhor qualidade, que sabe defender o Brasil em todos os campos de seus interesses externos.
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