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Jamil Chade

Com "diplomacia da máscara", China tenta recuperar sua influência no mundo

China viveu onda de críticas crescente em relação à condução da crise do novo coronavírus - Getty Images
China viveu onda de críticas crescente em relação à condução da crise do novo coronavírus Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

17/03/2020 06h36

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Depois de acusações de ter escondido os primeiros casos do coronavírus e de ter sido colocada sob forte pressão internacional, a China agora prolifera medidas de ajuda aos países europeus, o novo epicentro da pandemia mundial.

Dados oficiais indicam que, nesta segunda-feira, o número total de casos fora da China supera pela primeira vez o total no país asiático. São quase 81 mil casos na China, contra 86 mil no resto do mundo.

Michael Ryan, diretor de operações da OMS, revelou que Pequim começa a realizar um levantamento do material que comprou ou fabricou para conter o vírus e avaliar se, diante da queda no número, existiriam sobras.

Esse equipamento extra deve deixar as cidades na China e começar a alimentar uma estratégia diplomática de sair ao socorro dos países mais afetados. A medida tem sido chamada nos corredores da OMS como "Diplomacia da Máscara", uma referência ao uso da produção e exportação do produto - em falta no mundo - como um gesto para ganhar a confiança internacional.

Antes da Europa, a China já havia tomado a mesma iniciativa, com o envio de técnicos e material para outros países atingidos.

No começo do mês, Pequim destinou 250 mil máscaras e 5 mil kits de exame para o Irã. Em cada uma das caixas enviadas ao país sob sanções dos americanas estava um verso de um poeta persa, Saadi Shirazi: "As crianças de Adão são os membros de um corpo, que compartilham uma origem em sua criação".

Um milhão de máscaras também foram enviadas para Daegu, cidade afetada na Coreia do Sul. Entidades também foram incentivadas a mostrar generosidade. Uma câmara de comércio chinesa, por exemplo, destinou 2,5 mil óculos de proteção para os médicos da cidade de Turim.

Mas a primeira grande ação na Europa foi estabelecida pelos chineses na Itália e na Espanha, os dois países mais afetados do continente europeu. No final da semana passada, Pequim destinou 1,8 milhões de máscaras para os europeus, além de 30 toneladas de suprimentos médicos e uma equipe de especialistas.

Entre o material que desembarcara estavam 700 equipamentos, incluindo monitores e desfibriladores. No total, a entrega permitirá o estabelecimento de 30 conjuntos de equipamentos de UTI.

Instantes depois da aterrissagem do material, o chefe da diplomacia italiana, Luigi Di Maio, agradeceu o gesto. "Hoje à noite a Itália não está sozinha", disse. "Neste momento de grande stress, de grande dificuldade, estamos aliviados por termos esta chegada de mantimentos", comemorou Francesco Rocca, chefe da Cruz Vermelha italiana.

Controle

Ainda que oficialmente os chineses se recusem a aceitar que estão lidando com essa generosidade de forma política, o tom usado pelo governo de Pequim é de que tais gestos mostram como a China começa a controlar sua epidemia.

Fragilizado por conta dos protestos em Hong Kong, pela derrota eleitoral em Taiwan e pelas projeções de que seu país teria o menor crescimento em duas décadas, o presidente Xi Jinping fez questão de recolocar a China como um país que começa a voltar à normalidade.
Para ele, a capacidade de Pequim em enviar ajuda ao mundo ocorre por conta dos "progressos significativos" que a China fez para deter a progressão do vírus.

"Embora atualmente a própria China ainda tenha grande demanda por materiais médicos, vamos superar as dificuldades e oferecer ajuda material, incluindo máscaras de rosto, à Itália, e aumentar as exportações de materiais e equipamentos para atender a necessidade urgente da Itália", disse o ministro chinês das Relações Exteriores, Wang Yi.

Em entrevista à coluna, a diretora-geral assistente da OMS, Mariângela Simão, explicou que existia um temor inicial de que a produção chinesa de alguns produtos farmacêuticos fosse desabastecer o mercado mundial. Mas, segundo ela, 80% da produção já retornou à normalidade.

Aproximação

Se a China usa agora as máscaras para recriar sua imagem internacional, a realidade é que, em janeiro, foi o governo do Japão que se valeu da mesma estratégia para se aproximar de seu grande rival regional.

Assim que os casos explodiram em Wuhan, Toquio estabeleceu um amplo pacote de ajuda aos chineses. Além de doações de politicos japoneses, mais de 1 milhão de máscaras foram enviadas por diferentes prefeituras e empresas.

Ali também, uma mensagem de união em cada uma das caixas: "Terras aparte, e um céu compartilhado".