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Jamil Chade

Pandemia muda rotas, consumo e produção de drogas no mundo

PF e PRF apreendem fuzis, pistolas e toneladas de maconha em depósito no Paraná - divulgação/Polícia Federal
PF e PRF apreendem fuzis, pistolas e toneladas de maconha em depósito no Paraná Imagem: divulgação/Polícia Federal

Colunista do UOL

07/05/2020 06h27

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As medidas implementadas pelos governos para conter a pandemia da COVID-19 levaram à interrupção das rotas do tráfico de drogas por via aérea, juntamente com a redução drástica ou o aumento da interdição das rotas de tráfico por terra.

Essa é uma das constatações de um novo informe publicado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC).

"Algumas cadeias de abastecimento de drogas foram interrompidas e os traficantes estão procurando rotas alternativas, incluindo rotas marítimas, dependendo dos tipos de contrabando de drogas", explicou.

De acordo com a entidade, as drogas sintéticas tendem a ser mais traficadas por via aérea através dos continentes. "As restrições às viagens aéreas podem, portanto, ter um efeito particularmente drástico sobre esta carga ilegal", indicou.

"A maior parte da cocaína é traficada por via marítima e grandes cargas têm continuado a ser detectadas nos portos europeus durante a pandemia", constatou a ONU.

Uma situação diferente vive a heroína, que tem sido principalmente traficada por via terrestre. "Mas devido à pandemia, as rotas marítimas parecem ser cada vez mais utilizadas agora para o tráfico de heroína, como mostram as apreensões de opiáceos no Oceano Índico", afirmou.

De acordo com a ONU, o tráfico de maconha, porém, pode não ser afetado da mesma forma que o de heroína ou cocaína, uma vez que sua produção ocorre frequentemente perto dos mercados consumidores e os traficantes são, portanto, menos dependentes de remessas longas.

Consumo

O informe também constata que vários países têm relatado escassez de drogas no varejo. "Isto pode levar a uma diminuição geral no consumo, mas principalmente de drogas consumidas principalmente em ambientes recreativos", aponta.

No caso da heroína, porém, a escassez pode levar ao consumo de substâncias nocivas, com impacto na saúde ainda mais dramático.

"Um aumento no uso de produtos farmacêuticos como as benzodiazepinas também tem sido relatado, já dobrando seu preço em certas áreas", indicou.

"Outro padrão prejudicial resultante da escassez de drogas é o aumento no uso de drogas injetáveis e o compartilhamento de equipamentos injetáveis. Todos eles trazem o risco de propagação de doenças como HIV/AIDS, hepatite C e a própria COVID-19", afirmou a ONU.

O risco de overdose de drogas também pode aumentar entre aqueles que injetam drogas e que estão infectados com a COVID-19", alertou.

Produção

A pandemia e as quarentenas também afetam a produção. "As restrições resultantes do bloqueio podem dificultar a produção de opiáceos, sendo esses os meses-chave de colheita no Afeganistão", apontou.

Devido à pandemia, a mão-de-obra poderá não poder ou não querer viajar para áreas onde as plantas são cultivada no país, o que poderá afetar a colheita deste ano.

"A produção de cocaína também parece estar afetada na Colômbia, já que os produtores estão sofrendo de escassez de gasolina. Enquanto na Bolívia, a COVID-19 está limitando a capacidade das autoridades estatais de controlar o cultivo de coca, o que poderia levar a um aumento na produção de coca", indicou.

"No Peru, no entanto, uma queda no preço da cocaína sugere uma redução nas oportunidades de tráfico. Isto pode desestimular o cultivo de coca a curto prazo, embora a crise econômica que se aproxima possa levar mais agricultores a se dedicarem ao cultivo da coca em todos os principais países produtores de cocaína", indicou.

Brasil

No caso do Brasil, a ONU aponta o país como um exemplo do que está ocorrendo fora das zonas de produção da cocaína. Com a falta de produção e transporte do produto da Colômbia e Peru, o resultado foi uma alta acentuada dos preços.

As autoridades brasileiras ainda interpretaram a escassez como sendo causada por uma redução na oferta devido às restrições da COVID-19. Outro fator seria "uma redução na demanda na Europa, onde medidas rigorosas de bloqueio podem ter reduzido drasticamente o consumo de cocaína, uma vez que a droga é muitas vezes consumida em ambientes recreativos como bares e clubes, que atualmente não são acessíveis na maioria dos países europeus".

"Isso, juntamente com as opções limitadas de distribuição de produtos desde o ponto de entrada até o consumidor final, pode ter levado a uma interrupção na demanda da droga", apontou.

"No longo prazo, a retração econômica causada pela pandemia COVID-19 tem o potencial de levar a uma transformação duradoura e profunda dos mercados de drogas, o que só pode ser plenamente compreendido depois de mais pesquisas serem feitas, completou a ONU.

Mas as dificuldades econômicas causadas pela COVID-19 podem afetar mais fortemente as pessoas que já estão em posição de desvantagem socioeconômica.

Pobreza

Um dos temores da ONU é de que, com o aumento significativo da pobreza na América Latina, populações mais vulneráveis entrem na economia das drogas.

"A grave contração econômica e as conseqüentes perdas de empregos devem levar a um número crescente de famílias vulneráveis a recorrer a mecanismos negativos, como o cultivo de culturas ilícitas, caso não existam outras opções geradoras de renda", indicou.

"Na fronteira Estados Unidos-México, as organizações de tráfico de drogas estão movimentando mais produtos através de túneis transfronteiriços e o aumento de drones e ultraleves sugere que os traficantes podem estar aumentando as entregas aéreas", apontou.6

Em contrapartida, na Bolívia, a turbulência política no final de 2019 e a crise da COVID-19 no início de 2020 poderiam estar facilitando um aumento do cultivo.

No caso do México, durante a pandemia COVID-19 em curso, os cartéis estão dando suprimentos através de seus territórios de influência e usando o "ativismo social" para ganhar a boa vontade da população local. "Espera-se que o aumento do desemprego, a diminuição da renda e o aumento dos preços das culturas ilícitas cultivadas (por exemplo, cocaína e heroína) tornem a filiação a um cartel de drogas cada vez mais atraente", alertou.