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Jamil Chade

EUA planejam G7 com Brasil e aliados para evitar domínio chinês pós-covid

Presidente dos EUA, Donald Trump, e presidente da China, Xi Jinping, durante encontro do G20 - Kevin Lamarque
Presidente dos EUA, Donald Trump, e presidente da China, Xi Jinping, durante encontro do G20 Imagem: Kevin Lamarque

Colunista do UOL

04/06/2020 04h03

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Os Estados Unidos, a fim de isolar a China, rival comercial, articulam um G7 ampliado como uma espécie de novo centro do poder. Mas, desta vez, composto apenas por seus principais aliados.

Com mais de 100 mil mortos, milhões de desempregados e, agora, uma explosão de protestos sociais, o governo americano sabe que uma retomada será dolorosa e que os próximos meses serão de profundo mal-estar interno.

Um dos cenários é de que, enquanto os EUA mergulham numa crise sem precedentes, a China — apesar do impacto que teve com a covid-19 — consiga se posicionar de forma mais estável no cenário internacional.

Nesta semana, o presidente americano, Donald Trump, fez dois anúncios que compõem uma reação: a organização de um G7 com novos países convidados e sua ruptura com a OMS (Organização Mundial da Saúde), por supostamente estar aliada aos chineses.

Ambos têm a mesma finalidade: reorganizar o mundo pós-pandemia e tentar minar a influência internacional da China. O objetivo maior da Casa Branca é o de evitar que, depois do colapso das economias ocidentais em 2020, o eixo do poder se transfira para a Ásia.

O processo para atingir esse objetivo, segundo diplomatas, ocorre de forma meticulosamente planejada. O problema, dizem essas fontes, é que tal estratégia tem sido acompanhada por manipulações, desinformação e aumento da tensão internacional.

Brasil convidado ao G7

Para fontes diplomáticas ouvidas pela coluna, Trump está tentando criar uma frente para conter a China e, para isso, precisa estabelecer novos organismos ou fóruns internacionais. É nesse sentido que vem a proposta da Casa Branca por uma reunião do G7 com Índia, Brasil, Austrália, Coreia do Sul e Rússia. Trump, ao fazer o anúncio, deixou claro que o G7 estava "obsoleto" e que precisaria ser recriado.

Nesta semana, os americanos realizaram já uma reunião entre os chanceleres de alguns desses novos integrantes, oficialmente com o objetivo de tratar da resposta à pandemia.

No fundo, porém, sua manobra foi interpretada de outra maneira: o esvaziamento não é do G7, mas do G20, fórum onde os americanos precisam dividir o espaço com a China.

Um irrelevante G20 passou, de repente, a assumir um papel de protagonista quando, em 2008, a crise financeira internacional deixou os países ricos vulneráveis e foram justamente os emergentes — e a China — quem lideraram a recuperação.

A insatisfação de Trump com o G20 aumentou à medida em que sua guerra comercial contra a China ganhava novo impacto e a Casa Branca era criticada durante as reuniões do grupo.

Não é por acaso, sinalizam negociadores, que desde o início da pandemia o G20 tem sido inoperante e vazio. Diversas reuniões terminaram sem uma declaração final, vetadas pelos EUA num passo deliberado para minar sua influência.

Questionado pela coluna, o ex-primeiro-ministro britânico Gordon Brown apontou que era uma "vergonha" o fato de o G-20 apenas estar agendado para manter uma reunião em novembro. Ao lado de Fernando Henrique Cardoso e outros 200 líderes, ele liderou uma carta ao grupo implorando para que o G-20 volte a se reunir e traça uma estratégia para lidar com a atual crise.

Para ele, porém, um G7 ampliado não faz sentido, já que abarcaria países que representam apenas 2 dos 7 bilhões de pessoas no planeta.

Na Europa, o gesto de Trump também é visto com desconfiança. Nesta semana, a chanceler Angela Merkel recusou um convite do americano para uma cúpula do G7 nas próximas semanas. Ela citou que tal encontro exigiria uma "preparação adequada". Nos círculos diplomáticos, o gesto foi interpretado como um sinal de desentendimento entre Berlim e Washington sobre o que deve ser o futuro da governança internacional.

26.mar.2020 - O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e o presidente Jair Bolsonaro durante videoconferência dos líderes do G20 - Marcos Corrêa/PR - Marcos Corrêa/PR
26.mar.2020 - O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e o presidente Jair Bolsonaro durante videoconferência dos líderes do G20
Imagem: Marcos Corrêa/PR

Chanceler abordou "nova ordem" em reunião com Bolsonaro

O chanceler brasileiro Ernesto Araújo já havia feito uma sinalização neste sentido na reunião de ministros com Bolsonaro do dia 22 de abril, liberada pela Justiça. Naquele momento, ele indicava como de fato uma nova ordem estava sendo desenhada. E apostava como o Brasil poderia fazer parte do grupo de países que ajudariam a desenhar essa nova estrutura.

Em encontros internacionais e artigos, o chanceler também tem aproveitado para alertar ao mundo sobre o risco de um "plano comunista" infiltrado em organismos internacionais.

Logo depois, quando Bolsonaro anunciou que Trump o teria convidado para a reunião do G7, o chanceler voltou às redes sociais para comemorar a suposta credibilidade do país. Seus comentários ocorreram no mesmo momento em que, ironicamente, os dados do governo indicavam que a China caía a 40% do consumo de bens exportados pelo Brasil.

O que o chanceler não contou é que o convite para uma reunião do G7 não significa necessariamente que o novo formato se transforme em um mecanismo permanente. Qualquer iniciativa de Trump de consolidar o novo grupo terá de contar com o apoio dos europeus, ariscos à presença de Bolsonaro.

Na França, em 2019, Emmanuel Macron liderava a organização do evento e convidou à mesa o presidente do Chile como representante da América Latina, deixando Bolsonaro de fora.

Por anos, o G7 ou G8 (com a participação russa) também estendeu o mesmo convite para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Um deles ocorreu ainda em 2003, em Evian. O convite ao Brasil, portanto, não tem nada de novo.

Num dos encontros, na Alemanha em 2007, o comunicado final já havia sido elaborado quando a reunião do G8 com os Brics (grupo com Brasil, Rússia, Índia e China e África do Sul) começou. Ou seja, emergentes eram meros coadjuvantes, convidados para tentar dar credibilidade a interesses de alguns países.

Ataque à "família ONU"

As críticas de Donald Trump e seus aliados contra as Nações Unidas e o sistema multilateral (organizações mundiais da saúde, do comércio, do trabalho) fazem parte dessa estratégia.

Os golpes contra o multilateralismo já tinham sido iniciados em 2019, com a paralisação completa dos tribunais da OMC. Para Trump, a entidade liderada pelo brasileiro Roberto Azevedo favoreceu o crescimento comercial da China.

Quando, sem explicações plausíveis, Azevedo decidiu anunciar que estava se retirando do comando da OMC, rapidamente senadores aliados de Trump foram às redes sociais para dizer: "apague a luz ao sair".

Na OMS, o padrão americano foi repetido. O governo dos EUA iniciou uma série de ataques contra o diretor-geral Tedros Ghebreyesus o acusando justamente de aceitar a influência chinesa. Ainda que a agência tenha falhado na gestão da pandemia, seu alerta foi lançado ao mundo cinco semanas antes de Trump admitir a gravidade da crise e iniciar medidas.

Aproveitando-se do contexto e do início do vírus ter sido identificado na China, o governo americano proliferou uma campanha com o objetivo de minar a credibilidade da OMS e de Pequim. O golpe final foi dado na sexta-feira passada, quando Trump anunciou que estava rompendo com a agência.

Hoje, das 15 organizações que fazem parte da família da ONU, quatro estão nas mãos de chineses.