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Brasileiro apresenta nova queixa contra Fifa em disputa sobre spray

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Logo da Fifa Imagem: Arnd Wiegmann

Colunista do UOL

05/06/2020 10h30

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O inventor do spray usado para demarcar o local da barreira no futebol apresenta novas evidências de irregularidades contra a Fifa pela utilização supostamente ilegal do instrumento, inclusive durante o Mundial Sub 17 no Brasil.

Heine Allemagne, inventor do spray e dono da empresa SPUNI, tem a patente sobre o produto em 44 países. Mas acionou a Fifa ao ver o spray sendo usado no torneio e em outras partes do mundo sem sua autorização ou qualquer tipo de compra de seu produto. Ele é representado pelo advogado Cristiano Zanin Martins.

Depois de sua invenção, o produto entrou nas regras do futebol e, segundo ele, a Fifa negociou por longo período a compra dos direitos sobre os produtos. Mas sua queixa se refere ao fato de que outras empresas passaram a fornecer o spray para os jogos organizados pela Fifa, violando sua patente.

Um caso foi apresentado por ele ainda no ano passado ao Comitê de Ética da Fifa. Além disso, perante a Justiça do Rio de Janeiro, a SPUNI obteve decisões favoráveis em primeiro e em segundo grau, para impedir que a FIFA permitisse a utilização do spray de outros fornecedores.

Mas uma decisão liminar do ministro Paulo Sansceverino, do Superior Tribunal de Justiça, suspendeu a determinação judicial anterior e deu sinal verde para que a Fifa utilizasse o produto em seu torneio no Brasil. Um dos argumentos usados pela entidade era de que o produto seria essencial para a realização do torneio. No mês passado, porém, a presidente do TJRJ negou o seguimento ao recurso.

Agora, a defesa do inventor protocolou nesta sexta-feira, em Zurique, uma segunda queixa. Os advogados apontam que o uso do spray foi retirado do documento oficial da Fifa sobre as regras do jogo, sem qualquer anúncio oficial. Tal argumento está sendo submetido ao Comitê de Ética da Fifa.

A menção ao spray, segundos os advogados, está presente na versão do documento da Fifa de 2016/2017. Antes, uma circular da entidade em 31 de maio de 2012 confirmava a introdução do novo produto.

Mas nos documentos da Ifab - a International Board - de 2018/2019, a referência já não aparece. Nas regras de 2020/2021 do mesmo organismo, há uma foto do árbitro com o spray. Mas, uma vez mais, sem referências nas regras ao produto.
De acordo com a queixa submetida ao Comitê de Ética, a Fifa conseguiu a liminar em 2019 no Brasil explicando que teria "imenso prejuízo" se não fosse autorizada a usar o equipamento.

"Trata-se, portanto, da mais importante competição do futebol mundial envolvendo atletas com menos de 17 anos. Não é razoável, seja sob a ótica jurídica, seja de ordem lógica, que um torneio de tal magnitude internacional esportiva, social, econômica e, sobretudo, de integração entre os jovens representantes dos povos de 24 (vinte e quatro) países, dos cinco continentes, seja obstado de utilizar uma relevante ferramenta para a correta aplicação das Regras do Jogo, para garantir a disciplina e a lisura nas partidas disputadas, objetivando um resultado que seja o mais paritário, equânime e justo sob o ponto de vista da arbitragem", afirmou a Fifa.

Silêncio

Mas, segundo os advogados do brasileiro, foi suprimido dos textos oficiais do futebol a "previsão de uso do spray para demarcação da distância regulamentar da barreira quando de tiros livres em partidas de futebol que constava no documento na sua versão anterior que fora distribuída pelo próprio IFAB/FIFA em língua espanhola. Também na versão para 2020/2021 das "Regras do Jogo" publicadas pelo IFAB/FIFA não há referência ao spray".

"Com efeito, nas "Regras do Jogo" aprovadas pelo IFAB/FIFA para vigência nos anos de 2018/2019 e 2020/2021 não mais está previsto o spray como equipamento de uso do árbitro, ao contrário do que constava no item 05.8 do documento oficial em língua espanhola anteriormente divulgado pela IFAB/FIFA (2016/2017) — onde se lê expressa referência a "aerossol evanescente", apontam os advogados liderados por Cristiano Zanin Martins.

"Ou seja, pelos fatos narrados, depreende-se que, de um lado, a FIFA, sem qualquer publicidade, retirou das "Regras do Jogo" a previsão do spray como equipamento do árbitro a partir de 2018 e, de outro lado, expôs ao Poder Judiciário brasileiro posteriormente argumentação inconciliável com esse fato para obter uma decisão liminar e provisória para superar a proibição do uso do produto", argumentou.

"Se o spray segundo a argumentação da própria FIFA à Justiça brasileira, é "uma relevante ferramenta para a correta aplicação das Regras do Jogo", por que foi suprimida a previsão expressa do produto no capítulo dos equipamentos do árbitro?", questionam.

"Tal situação ainda mostra que o regramento máximo do futebol está sendo alterado de maneira silenciosa e estranha ao comportamento histórico e protocolar do IFAB/FIFA, sem qualquer publicidade, tendo como norte somente os seus próprios interesses, causando prejuízos a terceiros, como a SPUNI, e também à integridade e à reputação do esporte", afirmou.
Para o advogado, "tais fatos novos reforçam a ocorrência de violações éticas e de regras de compliance na sua relação com a FIFA".

O produto foi usado pela primeira vez em 2000, em Belo Horizonte, e anos depois passou a ser adotado pela CBF. Na Fifa, os testes começaram em 2013. O inventor, porém, se queixa de que nunca teve seu reconhecimento.

Numa notificação anterior também apresentada pelos advogados Cristiano Zanin Martins e Valeska Teixeira Zanon Martins, o inventor alerta que "a SPUNI não forneceu o spray utilizado no campeonato (sub17)" e "tampouco foi levado ao seu conhecimento pela FIFA ou por terceiros qualquer informação sobre quem produziu, usou, colocou à venda, vendeu ou importou tal material, bem como sobre a eventual concessão de todos os direitos correlatos, inclusive de imagem".

"A Spuni também não autorizou a utilização do spray ou qualquer de seus componentes no campeonato", diz o documento entregue à Fifa.

Os advogados deram 24 horas para que a entidade explicasse quem "produziu, usou, colocou à venda, vendeu ou importou o spray utilizado para demarcar o limite da barreira e o local da bola em cobranças de falta" no Mundial Sub 17. A Fifa jamais deu uma explicação.

A notificação ainda pedia os "dados relativos à nota fiscal, despacho alfandegário e outros dados relativos ao spray utilizado". Os dados não foram fornecidos pela Fifa.

Naquele momento, a entidade indicou que não existia qualquer impedimento para que a entidade usasse o produto. "Não existe uma ordem legal impedindo a Fifa a usar qualquer spray para barreiras", indicou.

A entidade cita ainda uma decisão neste sentido, proferida pela Justiça brasileira em 11 de outubro. A data antecede ao início do torneio.

Patente

A disputa ainda ganhou um novo capítulo quando o INPI emitiu um parecer contrário à patente obtida pelo brasileiro, 20 anos depois de ter concedido a licença e depois de ter reafirmado por duas vezes a propriedade intelectual ao inventor.

Os advogados alegam, porém, que o brasileiro mantém sua patente em mais de 40 países.