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Jamil Chade

Rotina de ataques na ONU contra Bolsonaro se transforma em "novo normal"

O presidente da República Jair Bolsonaro fala durante abertura da 74ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova York nos Estados Unidos em 2019 - William Volcov/Brazil Photo Press/Folhapress
O presidente da República Jair Bolsonaro fala durante abertura da 74ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova York nos Estados Unidos em 2019 Imagem: William Volcov/Brazil Photo Press/Folhapress

Colunista do UOL

10/07/2020 04h00

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Para alguns, o novo normal é trabalhar de casa, entre crianças, pratos e roupas a lavar. Para outros, o novo normal é se locomover em bicicleta. Mas para a diplomacia brasileira na ONU, o novo normal é a rotina de denúncias que vêm sendo alvo. Acusações se proliferam contra o Brasil por sua resposta à pandemia, violência contra indígenas, desmonte de políticas ambientais, corte de recursos para saúde e educação, violência policial e tantos outros temas.

Apenas nesta quinta-feira, cinco diferentes queixas foram apresentadas contra o governo que, em Genebra, é representado pela embaixadora Maria Nazareth Farani Azevedo. Se foi durante os anos do governo Lula que ela assumiria cargos cada vez mais importantes dentro do Itamaraty, sua postura de defesa eufórica dos eixos principais da política externa de Bolsonaro em certas reuniões gerou rumores dentro da própria chancelaria de que ela poderia ser uma candidata para eventualmente substituir o ministro Ernesto Araújo, questionado por outras pastas.

No ano passado, por exemplo, ela recebeu um telefonema de agradecimento de Bolsonaro depois que atacou duramente Jean Wyllys, numa reunião da ONU. A cada visita da ministra Damares Alves às Nações Unidas, é a preparação conduzida pela embaixadora nos bastidores que garante que a chefe da pasta seja recebida por diversos departamentos do organismo internacional. Ela ainda tem cumprido à risca sua missão de promover boicotes sempre que a Venezuela toma a palavra e não deixa de subir o tom contra Cuba, atos aplaudidos pela ala olavista no governo.

Por enquanto, porém, sua missão é a de dar resposta a uma avalanche inédita de ataques contra o Brasil em seus anos de democracia. Apenas no ano passado, foram mais de 30 queixas formais aos organismos internacionais. Em 2020, esse número deve ser superado. Desde o começo da semana, o governo foi duramente criticado por diferentes organizações e por diferentes temas. Na semana passada, o constrangimento também foi gerado depois que alta comissária da ONU para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, colocou o Brasil numa lista de governos que não deram ouvidos para a gravidade da pandemia. Até os sempre cuidadosos diplomatas do governo suíço usaram um discurso na ONU para criticar o Brasil.

Já na quinta-feira, algumas das maiores entidades indígenas do Brasil se uniram, por exemplo, para denunciar o governo de ser "líder do ceticismo climático" no mundo.

A cobrança no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas foi feita pela Comissão Episcopal Pastoral para a Amazônia da CNBB, pela Rede Eclesial Pan Amazônica, pela Red Iglesias y Minería, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Movimento Nacional de Direitos Humanos (MDNH), Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil, Rede de Cooperação Amazônica, pelo Instituto de Pesquisa e Formação Indígena e pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI).

"O governo brasileiro paralisou os processos de demarcação, desmontou a regulação ambiental, e agora, vetou aspectos essenciais do plano emergencial indígena para a COVID-19, como o acesso à água", disse Paulo Lugon, falando em nome do CIMI. "O Brasil deixa abruptamente o papel de protagonista ambiental para assumir o papel de líder do ceticismo climático", disse.

Mas as críticas foram apenas parte de um dia que acabou se transformando em um espelho da situação crítica que vive o governo no plano internacional.

O relator da ONU sobre o direito à moradia, Balakrishnan Rajagopal, por exemplo, emitiu um comunicado em que criticou o presidente Jair Bolsonaro nesta quinta-feira, acusando o brasileiro de não estar agindo para impedir despejos em meio à pandemia.

"O Brasil tem o dever de proteger urgentemente todos, especialmente as comunidades em risco, da ameaça da COVID-19, que afetou mais de um milhão e meio de pessoas no país e matou mais de 65.000", disse o relator especial da ONU. "Desalojar forçosamente pessoas de suas casas nesta situação, independentemente do status legal de seu arrendamento, é uma violação de seus direitos humanos", alertou.

"As autoridades locais também parecem priorizar a reintegração de posse de propriedades pertencentes a grandes empresas e proprietários de terra em detrimento da saúde e segurança das pessoas vulneráveis", alertou.

Horas depois, foi o relator da ONU sobre substâncias tóxicas, Baskut Tuncak, quem tomou a palavra para alertar sobre os riscos que vivem líderes comunitários no meio rural brasileiro diante de produtos exportados pela Europa e que podem envenenar as populações.

Antes, foi a entidades Conectas Direitos Humanos que tomou a palavra para denunciar o Brasil nesta quinta-feira. Neste caso, o alvo foi a violência policial.

Boiada

Entidades brasileiras também usaram o encontro para denunciar o desmonte das políticas ambientais do governo de Jair Bolsonaro e alertar sobre as intenções do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de "passar a boiada".

A frase foi usada pelo chefe da pasta em uma reunião no dia 22 de abril, sugerindo aos demais ministros do governo que se aproveitassem da pandemia - e da atenção da imprensa à covid-19 - para acelerar desregulamentações e outras medidas.

O grupo apresentou os dados sobre a governança climática no Brasil quando a entidade internacional debateu o relatório do especialista independente em direitos humanos e em Solidariedade Internacional da ONU, Obiara Okafor.

As denúncias foram lideradas pela entidade Terra de Direitos e têm o apoio de organizações da sociedade civil e movimento populares com trabalho focado na região Amazônica. Assinam a iniciativa o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA), Amigos da Terra Brasil, Conselho Nacional das populações Extrativistas (CNS), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará - Malungu e Fase-Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional.


Microfone cortado

O governo brasileiro, ao final do dia, pediu direito de resposta a todos os ataques que sofreu. O Itamaraty declarou que estava "permanentemente aberto" ao debate e declarou seu compromisso de lutar contra o racismo, de lidar com a violência contra jovens afro-brasileiros e de proteger os direitos humanos.

Em sua explicação, o governo ainda indicou que existem 600 unidades indígenas no país, representando 23% da Amazônia. O Itamaraty garante que apenas quer regular atividades econômicas. Mas, quando foi falar do que está fazendo para proteger indígenas da covid-19, o tempo dado pela ONU de três minutos para o país responder aos ataques acabou. E o microfone foi cortado.