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Jamil Chade

Suíços pedem prisão de ex-parceiro da Vale e multa de US$ 50 milhões

Paulo Whitaker
Imagem: Paulo Whitaker

Colunista do UOL

14/01/2021 16h10

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Resumo da notícia

  • Bilionário israelense denunciado em tribunal em Genebra contratou parecer do ex-juiz Sérgio Moro
  • Vale entrou com processo contra ex-parceiros e, em 2020, venceu em tribunal britânico
  • Empresário acusa Vale de ter "mentido" e garante que "novidades serão reveladas"

O Ministério Público de Genebra pede cinco anos de prisão e multa de US$ 50 milhões para Beny Steinmetz, bilionário israelense acusado de corrupção e ex-parceiro da Vale na África. Yves Bertossa, o promotor da cidade suíça, acusa o empresário de "corrupção de funcionários públicos estrangeiros" e "falsificação de documentos".

O julgamento do executivo termina nesta sexta-feira, em Genebra, num dos casos mais emblemáticos sobre os bastidores da exploração de recursos naturais na África.

O promotor, nesta quinta-feira, solicitou ao tribunal uma condenação do empresário, sem qualquer circunstância atenuante. Por isso, ele pede o confisco de bens num valor de US$ 50 milhões. Outros dois executivos implicados no caso seriam multados em US$ 11 milhões e US$ 150 mil, além de pena de prisão.

O empresário, segundo a denúncia da promotoria suíça, teria organizado a transferência de pelo menos 8,5 milhões de dólares de 2006 a 2012 para garantir o direito de explorar a mina de ferro Simandou, na República da Guiné. Por isso, pagou oficialmente US$ 165 milhões ao governo local pela concessão. Mas 18 meses depois, ele fechou um acordo de parceria com a Vale, no valor de US$ 2,5 bilhões.

De acordo com a promotoria pública de Genebra, a partir de 2005, o executivo se envolveu em um "pacto de corrupção" com o ex-presidente da Guiné, Lansana Conté, que esteve no poder de 1984 a 2008, e sua quarta esposa, Mamadie Touré.

A meta era a de retirar a mina da Rio Tinto e garantir que Beny Steinmetz Group Resources (BSGR) ficasse com uma das maiores reservas de minério de ferro do mundo. A acusação aponta que, em 2008, a BSGR teria aproveitado das últimas horas de vida do ditador Lansana Conté para obter a concessão dos blocos 1 e 2 da jazida de minério de ferro.

Mas, em 2011, o primeiro presidente democraticamente eleito da Guiné, Alpha Condé, iniciou uma auditoria dos contratos de mineração e que acabou levando à suspeita sobre Simandou. A acusação é de que Steinmetz usou estruturas opacas para esconder o pagamento de propinas.

Depoimentos da esposa ainda indicaram que o empresário ofereceu dinheiro ao ditador. Mas que ele recusou. De acordo com o promotor, depoimentos revelam que o empresário teria dito ao ditador: "eu posso te dar muito dinheiro". Conte, porém, respondeu. "Eu não preciso de dinheiro. Olhe a sua volta", afirmou.

Mas o presidente teria indicado que daria a concessão para a BSGR por conta do apoio que o empresário daria para sua última mulher. "Eu farei por ela. Não por você", teria dito o ditador ao empresário.

Ainda segundo o promotor, ministros que foram contrários à manobra do governo para transferir a concessão da Rio Tinto para Steinmetz acabaram sendo demitidos.

Esposa de ditador teria se sentido "enganada" por acordo com a Vale

De acordo com a promotoria, seria o acordo entre o empresário e a Vale que fez da quarta esposa como uma "pessoa perigosa" e que exigiria um volume maior de subornos.

Ela havia recebido apenas US$ 4 milhões em propinas. Mas, segundo os promotores, quando Steinmetz vendeu a concessão para a Vale por US$ 2,5 bilhões, ela "entendeu que foi enganada" e que mina valia muito mais.

Toure chegou a ensaiar levar o caso à Justiça. Mas a promotoria alega que, para que desistisse, houve um acordo para que a esposa do ditador, já morto neste momento, recebe mais dinheiro. Ela acabou recebendo o dobro.

Durante o julgamento nesta semana em Genebra, o empresário negou as acusações de corrupção, alegou que Touré "mentia" e disse desconhecer todas as provas de emails apresentadas.

Além disso, ele indica que jamais soube que ela foi esposa de Conte, o que tornaria qualquer testemunho dela como inaceitável sob a lei suíça. Diante da corte, Steinmetz chegou a dizer que se encontrou com o ditador sob uma árvore e que, na ocasião, outra mulher lhe foi apontada como a "esposa".

Em sua intervenção, Bertossa alertou que os documento bancários e emails mostrariam que ela recebeu dinheiro. "Temos tudo", declarou. "Mas é a corrupção mágica. Ninguém pagou", ironizou.

Entre os indícios, o promotor ainda apontou como Touré esteve no jantar para marcar o acordo, cercada pela guarda presidencial. Além disso, ela teria um passaporte diplomática. "Porque ela teria isso se ela fosse criadora de galinhas?", questionou o promotor.

Bertossa ainda deixou claro que, enquanto os negócios ocorriam entre a empresa e o ditador, a população continuava na extrema pobreza, apesar de o país ter uma das maiores minas de ferro do mundo. "Em 2005, quando a mina estava sob o controle da Rio Tinto, a população não recebeu nada. Em 2010, com BSGR, ela continua sem nada", apontou.

Mas o benefício ficou com a esposa do ditador e a empresa, que revendeu a concessão por US$ 2,5 bilhões. "Eles foram os únicos a ficar com milhões. Isso não se faz", disse.

"Naquele momento, o orçamento da Guiné era de US$ 2,4 bilhões, menos do que a BSGR recebeu da Vale. Estamos em um dos países mais pobres do mundo, com um presidente doente, um país que sofria greves. Um país vulnerável e é nessa situação que a concessão é dada", completa o promotor.

Apesar das acusações, as audiências não contaram com nenhuma testemunha, o que levou a defesa do empresário a questionar o processo. O tribunal, porém, optou por seguir com o julgamento.

Parecer de Moro e "mentiras" da Vale

Diante das revelações, a Vale entrou com processo no Tribunal de Arbitragem Internacional, em Londres. A mineradora venceu o processo em 2019 e Steinmetz foi obrigado a pagar US$ 2,2 bilhões em indemnização. O Tribunal apontou que o empresário omitiu informações da Vale ao ingressar na sociedade, entre elas o pagamento de propinas.

De acordo com Bertossa, o processo em Londres indicou que empresas intermediárias eram "agentes" de uma montagem para permitir o pagamento da propina. "É uma decisão límpida. O uso de empresas para corromper a esposa para garantir concessão", apontou.

Mas Steinmetz contou, no ano passado, com um parecer do ex-juiz e ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro. O brasileiro indicou que a Vale não teria direito ao dinheiro.

No início da semana, ao ser questionado pela promotoria de Genebra em plena audiência sobre sua derrota diante do caso apresentado pela Vale, o empresário alertou que sua batalha não terminou contra os brasileiros. "Existem novas coisas que vão sair e mostrar que a Vale mentiu durante o processo (em Londres)", disse. Ele acredita que ainda tem "possibilidade de ganhar".

Horas antes, em seu julgamento, o empresário foi questionado se, em 2008, já sabia que iria obter a concessão da montanha de ferro para revendê-la. Ele garantiu que não e explicou que, antes da Vale, investidores chineses chegaram a ser contactados.

Steinmetz também insistiu que, ao adquirir a concessão, não sabia com exatidão a dimensão do que existia na região. "Ninguém sabia quanto valia", alegou.

A juíza então questionou sobre o motivo pelo qual um governo de um país pobre aceitaria vender a concessão por US$ 165 milhões em um projeto que, logo depois, valeria US$ 2,5 bilhões.

"É assim no mundo", respondeu o empresário. Segundo ele, o ganho para sua empresa foi grande. "Mas o maior ganho é para o país, pois existem impostos, royalties. Muda tudo", disse. "Era um sonho para a Guiné. São países pobres, não conhecem o mercado", disse.

Ele ainda explicou que é "comum" que empresas menores façam um trabalho de risco e, depois para a exploração total, busquem parceiros. "É muito comum. Quase todos são assim", disse.

Em seu depoimento, o empresário indicou que a Vale ficou "muito impressionada" com o trabalho de seus técnicos e que negociações ocorreram em diferentes partes do mundo. Steinmetz explicou que, inicialmente, a empresa brasileira queria ficar com 100% do projeto, o que foi recusado por sua companhia. Sua meta era de manter pelo menos 51% das ações na parceria. Logo depois, houve uma tentativa de um acordo de 50% para cada lado. "Mas a Vale exigiu 51%", disse.