Jamil Chade

REPORTAGEM

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Em reunião, OMS pede que Brasil apoie suspensão de patentes de vacinas

Enterro no cemitério da Vila Formosa, em São Paulo (SP) - AMANDA PEROBELLI
Enterro no cemitério da Vila Formosa, em São Paulo (SP) Imagem: AMANDA PEROBELLI

Colunista do UOL

04/04/2021 10h36

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Resumo da notícia

  • Postura do Brasil havia sido tomada durante a gestão de Ernesto Araújo e alinhava o país aos interesses dos EUA
  • Temas foi tratado durante encontro entre Tedros Ghebreyesus e Marcelo Queiroga
  • Mais de cem países emergentes são favoráveis ao projeto.
  • OMS ainda sugere reuniões regulares com o Brasil para lidar com a pandemia, além de medidas de distanciamento social
  • Agência propõe enviar equipe técnica para ajudar Brasil a aumentar produção de vacinas

O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Gebreyesus, aproveitou a reunião bilateral com o governo brasileiro, uma das primeiras desde o início da pandemia da covid-19 - para pedir que as autoridades nacionais apoiem a suspensão de patentes de vacinas.

A OMS defende a proposta de cem países em desenvolvimento que querem que a propriedade intelectual sobre esses produtos seja suspensa enquanto a crise assolar o mundo. Já o Brasil, depois de meses contribuindo para minar o projeto dos emergentes e criticar a ideia, hoje ainda hesita em dar seu apoio a uma suspensão generalizada de todas as patentes. Mas sofre uma pressão cada vez maior, inclusive por parte do Congresso.

A questão sobre a propriedade das vacinas está em debate na Organização Mundial do Comércio, que vive um impasse diante do racha na comunidade internacional.

O recado da OMS foi dado no sábado, durante a reunião de Tedros com o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. O encontro marca uma nova postura do governo que, por meses, fez questão de lutar contra qualquer ação internacional que pudesse significar um fortalecimento da posição internacional dos organismos multilaterais.

Sob o comando de Ernesto Araújo, a ordem no Itamaraty era a de evitar qualquer iniciativa global, dentro do contexto da luta do Itamaraty contra o que a ala mais radical do bolsonarismo chamava de "globalismo". Durante os meses da gestão de Eduardo Pazuello, no ministério da Saúde, o princípio defendido pelo Itamaraty foi seguido e o governo brasileiro se ausentou dos principais debates na OMS.

Mas a brecha aberta pelo Brasil foi usada pela agência mundial para também pressionar por mudanças mais profundas por parte do governo de Jair Bolsonaro.

Por meses, o Brasil foi o único país em desenvolvimento a criticar a proposta dos emergentes de suspender as patentes de vacinas. A ideia é de que, sem o monopólio nas mãos das grandes farmacêuticas, laboratórios em todo o mundo poderiam também fabricar as doses a partir de acordos e transferência de tecnologia, além de ter um preço mais baixo.

Com uma demanda global por vacinas e sem a capacidade de produção suficiente, a proposta é vista como uma forma de superar o impasse no acesso ao único produto que, hoje, pode colocar fim à pandemia.

Antes da derrota de Donald Trump, nos EUA, o Itamaraty insistia que a proposta - liderada pela África do Sul e Índia - não garantiria maior acesso às vacinas. Além disso, alertava que a iniciativa poderia minar os incentivos para que o setor privado investisse na busca por vacinas. Essa era a mesma posição adotada pelos países ricos, detentores da tecnologia.

A posição brasileira foi questionada inclusive por especialistas, como o Médicos Sem Fronteira, que alertaram que essas vacinas apenas foram produzidas graças ao incentivo bilionário de governos. Já a entidade Public Eye chegou a apontar que quase US$ 100 bilhões foram destinados às farmacêuticas em recursos públicos.

O governo brasileiros, nos diversos debates na OMC, sugeriu que os acordos internacionais vigentes já prevêem a possibilidade de uma quebra de patentes e que, portanto, não há necessidade de uma suspensão completa de todo o direito à propriedade.

O Brasil também passou a apoiar a ideia da nova gestão da OMC de buscar uma terceira via. Nesse contexto, não haveria uma quebra de patentes. Mas acordos concretos para garantir a transferência de tecnologia entre as grandes multinacionais e laboratórios pelo mundo. Um dos modelos estudados é o da AstraZeneca, que fechou entendimentos com a Fiocruz e outros centros pelo mundo.

Entre os países emergentes, há uma suspeita de que tal busca de acordos voluntários possa levar meses para se concretizar.

Brasil pede mais vacinas

No encontro entre Tedros e Queiroga, o governo brasileiro insistiu sobre a possibilidade de ampliar o abastecimento de vacinas da OMS, por meio da Covax. Aos interlocutores na Organização Panamericana de Saúde, braço regional da OMS, o ministro indicou que poderia ampliar as compras na Covax, saltando de 10% para 20%, o que significaria um acesso a mais de 80 milhões de doses.

Até maio, o Brasil deve receber 9 milhões de doses das 42 milhões que comprou do mecanismo criado pela Covax. Mas apenas recebeu por enquanto 1 milhão.

O pedido brasileiro por mais vacinas não deve resultar de uma forma imediata em mais doses. Na OMS, a mensagem é de que o abastecimento global vive uma situação crítica e as encomendas já realizadas sofrem para serem atendidas.

Fontes dentro da entidade apontam que se o Brasil tivesse feito um pedido maior antes, poderia estar contemplado por um volume maior de vacinas no primeiro semestre. Mas tendo feito o pedido apenas agora, elevar as doses ao Brasil e deixar outros países pobres com dificuldade de abastecimento abriria uma crise política importante na agência.

OMS sugere encontros regulares com Brasil

A reunião ainda foi marcada por propostas da parte da OMS para ampliar a cooperação com o Brasil, na esperança de frear a pandemia. Hoje, o país representa um terço das mortes diárias pela covid-19.

Tedros sugeriu encontros regulares com o Ministério da Saúde para auxiliar na resposta à crise sanitária. A OMS ainda se dispôs a mandar um time técnico para ajudar o Brasil a aumentar sua produção local de vacinas, inclusive para eventualmente poder exportar.

Mas Tedros também insistiu que, mesmo com a vacinação avançando, o Brasil precisa manter medidas como o uso de máscara, lavar as mãos, arejar ambientes e promover distanciamento físico.

Dentro da OMS, a aproximação com o Brasil foi comemorada. A entidade considera que uma eventual vitória do país contra a covid-19 pode ser decisiva hoje para reduzir os números no mundo.

Na cúpula da OMS, Jair Bolsonaro já foi chamado de "louco" por sua atitude diante da doença. A ordem interna na agência é a de usar a brecha aberta por Queiroga para permitir uma aproximação maior e convencer o governo a aderir às principais recomendações dos cientistas da entidade.