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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Bolsonaro rejeita CPI, mas exigiu investigação sobre OMS e China

O presidente Jair Bolsonaro coloca máscara durante evento no Planalto, nesta segunda (22) - Ueslei Marcelino/Reuters
O presidente Jair Bolsonaro coloca máscara durante evento no Planalto, nesta segunda (22) Imagem: Ueslei Marcelino/Reuters

Colunista do UOL

13/04/2021 04h00

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Se no Brasil qualquer sinalização de uma investigação é rejeitada pelo presidente Jair Bolsonaro, seu governo passou meses exigindo que tanto a OMS (Organização Mundial da Saúde) como o próprio governo chinês fossem alvos de investigações e exames sobre a resposta dada à pandemia. Um dos argumentos era de que a instituição precisaria passar por reformas para evitar que, em futuras pandemias, os erros não fossem repetidos.

Ainda em abril de 2020, no auge da primeira onda de casos, Bolsonaro se aliou ao discurso de Donald Trump para fustigar a OMS. A meta era a de identificar a agência mundial como responsável pela crise sanitária. O argumento: ela se dobrou diante das exigências dos chineses nas primeiras semanas da pandemia e, assim, atrasou qualquer ação global.

Ainda que esses governos tivessem razão em questionar a OMS, o gesto de atacar a entidade justamente quando o mundo precisava de união para derrotar o vírus atendia a vários interesses.

Um deles era ideológico: impedir que organismos internacionais ganhassem espaço na resposta à crise. Para o governo brasileiro e, em especial o ex-chanceler Ernesto Araújo, qualquer centralização da resposta na OMS significaria uma suposta ameaça à soberania nacional.

No caso americano, a ofensiva de Trump foi além e a Casa Branca suspendeu pagamentos para a OMS e anunciou a retirada do país da instituição.

Para a cúpula da agência, os ataques do Brasil e dos EUA tinham ainda como função criar uma cortina de fumaça diante do fracasso da resposta nacional à pandemia. Nos meses seguintes, os dois países passariam a ser os maiores responsáveis por mortes no mundo, justamente não seguindo as orientações dos cientistas da OMS.

Em maio, depois de uma ampla pressão e uma resolução patrocinada pelo Brasil, foi aprovado o início de um longo processo de exame independente sobre a OMS. O governo brasileiro tentou até mesmo emplacar o ex-ministro Nelso Teich como um dos membros da comissão que faria a enquete e, assim, obter um controle maior sobre o resultado final do processo. Mas seu nome foi rejeitado, em parte diante da pouca credibilidade de um candidato de Bolsonaro na esfera internacional.

No começo de 2021, um primeiro informe foi produzido e concluiu que o sistema de alerta criado há mais de quinze anos pelos governos e pela OMS para tentar frear uma pandemia global fracassou e terá de ser repensado. Mas o comitê criado para avaliar o funcionamento do sistema constatou também que tanto governos como a agência internacional terão de passar por reformas para evitar uma nova crise no futuro.

De acordo com a investigação, é necessário que haja "maior clareza quanto às respectivas funções e responsabilidades do Secretariado da OMS e dos governos". Em outras palavras: as regras precisam definir responsabilidades e obrigações da OMS. Mas também o que poderá ser exigido de governos caso falhem em proteger suas populações.

Apoio político de governos é insuficiente

Há, porém, duras críticas contra os governos. "O apoio político de alto nível e os recursos para a implementação do Regulamento são insuficientes e irregulares, tanto em nível nacional como internacional", diz.

"A pandemia da covid-19 revelou lacunas significativas na preparação para pandemias em países em todo o mundo, inclusive nas áreas de: vigilância, sistemas de saúde, equipamentos e treinamento, funções essenciais de saúde pública, legislação de emergência, risco comunicação e coordenação", constata.

Um dos obstáculos apontados é a falta de um "mecanismo robusto de avaliação de conformidade e prestação de contas". Ou seja: não há como examinar se um país ignorou os alertas internacionais e nem puni-los. O comitê admite que não existe um incentivo aos países para seguir as regras, já que existe um temor de que, ao notificar um surto em seu território, um governo seja alvo de medidas sanitárias e barreiras em suas fronteiras, com consequências sociais e econômicas.

Durante os primeiros meses da crise, mesmo depois da emergência global ser anunciada pela OMS no dia 31 de janeiro de 2020, governos levaram semanas para implementar as recomendações. Outros, como Brasil e EUA, viram seus líderes minimizando o surto, deslegitimando as recomendações da OMS e evitando destinar recursos para montar uma resposta à doença.

China avisou com atraso e sistema de alerta é inadequado

A investigação também se debruçou sobre como ocorreu a comunicação entre governos e a OMS no momento em que o surto foi identificado na China. Em Wuhan, dados foram divulgados sobre a existência de uma pneumonia atípica em 31 de dezembro.

"A OMS solicitou a verificação desses relatórios em 1 de janeiro de 2020 e recebeu uma resposta da China em 3 de janeiro de 2020", constata.

Nas regras do regulamento sanitário, países são obrigados a responder à OMS dentro de 24 horas. Mas a investigação constatou que o atraso de um dia já passou a ser regra dentro do sistema de alertas.

"Tais cronogramas de resposta não parecem ser diferentes em escopo e duração de outros atrasos similares (além das 24 horas exigidas) relatados por OMS e alguns dos pontos focais nacionais entrevistados pelo Comitê", disse.

Para os especialistas, os prazos e regras criadas não são adequadas e se contrastam ainda mais com a atual velocidade das redes sociais.

"O Comitê considera que os prazos exigidos pelo Regulamento para a notificação dos governos não são realistas, dado que a velocidade e a presença onipresente das mídias sociais resulta em informações que atingem o domínio público antes que os países tenham concluído uma avaliação de risco", apontou.

Para os especialistas, a autoridade limitada da OMS e de seus pontos de contato nos países "muitas vezes levam a atrasos em notificação". "Outra consideração é que os países podem estar relutantes em relatar os eventos se perceberem consequências, principalmente relacionadas com viagens e comércio, decorrentes de notificação prévia", alerta.

O informe final será entregue aos governos em maio e dará início a um processo de reforma na OMS.