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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Pós-Ernesto, governo Maduro oferece diálogo com Brasil

8.dez.2020 - O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, durante entrevista coletiva à imprensa - Manaure Quintero/Reuters
8.dez.2020 - O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, durante entrevista coletiva à imprensa Imagem: Manaure Quintero/Reuters

Colunista do UOL

18/05/2021 04h00

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Resumo da notícia

  • Em declarações ao UOL, chanceler venezuelano indicou que fez chegar "por diferentes vias" a mensagem ao Itamaraty de que está disposto a dialogar
  • Aceno ocorre depois de queda de Ernesto Araújo, derrota de Trump e indicações de eventual negociação entre Guaidó e Maduro

O governo de Nicolas Maduro sinalizou ao novo chanceler brasileiro, Carlos França, sua intenção de restabelecer um diálogo com Brasília, depois de dois anos de intensa turbulência e ruptura diplomática. A informação é do próprio chefe de política externa do governo de Caracas, Jorge Arreaza. Em declarações exclusivas à coluna, ele apontou que a mensagem foi enviada ao Itamaraty.

"Sempre estivemos aberto ao diálogo", declarou o ministro de Relações Exteriores da Venezuela. Segundo ele, a mensagem ao novo chanceler foi feita "por distintas vias". O Itamaraty não respondeu ao pedido da coluna por uma reação diante da declaração de Caracas.

Arreaza indicou que já havia feito um gesto similar com Ernesto Araújo, o ex-chefe da diplomacia brasileira. Mas não houve reciprocidade. "Fizemos isso desde o primeiro dia (de governo Bolsonaro)", explicou. "É nossa obrigação", declarou. Questionado se havia refeito o pedido com o novo ministro, ele afirmou de forma positiva: "pedimos".

Nos últimos dois anos, a relação entre Brasília e Caracas ganhou contornos de tensão. Denunciando o colapso da democracia na Venezuela, o governo Bolsonaro passou a reconhecer Juan Guaidó como presidente legítimo, retirou da capital venezuelana seus diplomatas, descredenciou os representantes de Maduro em Brasília e, em organismos internacionais, se retirava da sala em todos os discursos proferidos pelo governo chavista.

Araújo ainda assumiu um papel regional de porta-voz do governo de Donald Trump, que chegou a dizer que "todas as opções" estavam sobre a mesa para derrubar Maduro. Antes das eleições nos EUA e para ajudar Trump a ganhar a simpatia da população hispânica na Flórida, o Brasil elevou o tom contra Caracas e recebeu o então secretário de Estado norte americano, Mike Pompeo, próximo à fronteira.

Já o governo de Nicolás Maduro foi denunciado por uma investigação conduzida pela ONU de crimes contra a humanidade, de ter montado uma máquina de repressão e de graves violações aos direitos humanos.

A esperança do lado venezuelano é de que, com a queda de Araújo, a ala mais radical do bolsonarismo possa ter perdido força na diplomacia.

De fato, do lado do Itamaraty, os ataques constantes contra Caracas foram substituídos, pelo menos por enquanto, por um silêncio. A mudança de postura, segundo negociadores brasileiros, não ocorre por acaso. Em Washington, o governo de Joe Biden continua pressionando por conta da questão de violações de direitos humanos em Caracas e promete continuar pressionando Maduro. Mas a avaliação na Casa Branca é que a ofensiva de Trump nem derrubou o regime chavista e ainda abriu caminho para uma ampla presença de chineses e russos na Venezuela.

Há, portanto, o que diplomatas identificam como uma "revisão silenciosa" da postura americana com Maduro, ainda que em nada isso significaria um sinal de apoio ao governo chavista.

Ao mesmo tempo, a UE deixou de considerar Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela. Num comunicado, o bloco manteve suas críticas contra o regime de Nicolas Maduro e ameaçou Caracas com uma nova rodada de sanções. Mas passou a tratar Guaidó apenas como um importante nome da oposição.

Guaidó se autodeclarou presidente interino da Venezuela em janeiro de 2019, com o apoio coordenado de Jair Bolsonaro no Brasil, Donald Trump nos EUA e Ivan Duque na Colômbia. Isso ocorreu por conta de sua posição como presidente da Assembleia Nacional, considerada por seus aliados como a única instituição ainda representativa da democracia venezuelana. Outros países, principalmente da América Latina, seguiram o mesmo reconhecimento e, num total, 60 governos passaram a trata-lo como presidente interino.

A UE nunca o designou oficialmente como "presidente interino", diante da resistência de alguns poucos governos do bloco, como o da Itália. Mas, na prática, mantinha um reconhecimento "de facto" em relação ao líder da oposição.

Nos organismos internacionais, porém, Maduro ainda contava com o apoio de China e Rússia, além de dezenas de países em desenvolvimento. Isso impediu que a secretaria da ONU atendesse a uma pressão feita pelo Brasil ou pelo Grupo de Lima para que Guaidó fosse reconhecido como presidente legítimo.

O chefe da diplomacia da UE, Josep Borrell, criticou a eleição da nova Assembleia Nacional venezuelana, agora controlada pelo governo. Segundo Bruxelas, as recentes eleições em dezembro "não cumpriram com os padrões internacionais". Os deputados assumiram o poder na terça-feira, numa votação denunciada pelos 27 países da Europa.

Mas a declaração da UE não trouxe qualquer a referência a Guaidó como "presidente interino" ou presidente da Assembleia, cargo que ocupava. E apenas o menciona como um dos "atores políticos e da sociedade civil que lutam para trazer de volta a democracia à Venezuela".

A UE continua considerando Guaidó como o principal interlocutor da oposição e mantém seu apoio ao venezuelano, inclusive na busca de uma solução política. Mas como ele deixou de ser presidente da Assembleia Nacional, não haveria mais espaço institucional e legal para o considerar como presidente interino.

Negociações com Guiadó

A sinalização de Maduro por um diálogo com o Brasil também ocorre no momento em que o regime faz os mesmos acenos em relação ao próprio Guaidó. O líder da oposição havia proposto o restabelecimento de um diálogo, com a condição de que passos claros para a normalização institucional fosse dada no país, inclusive com novas eleições presidenciais.

No final da semana passada, Maduro afirmou que estava disposto a falar "onde e como queiram". Mas alertou que a oposição precisaria "renunciar ao caminho do golpismo, do intervencionismo e de chamar invasões". "Querem falar? Eu quero falar", disse.

"Que venha a UE, que venha o governo dos EUA, Noruega", afirmou, numa referência a alguns dos mediadores. Maduro, porém, deixou claro que qualquer negociação teria de ser precedida pela liberação dos ativos do estado, confiscados nos EUA.


Rivalidade, troca de farpas e ideologias

A rivalidade entre Maduro e Bolsonaro, porém, ganhou contornos que passaram a ser chamados entre embaixadores como parte do "realismo mágico" da América Latina. O presidente brasileiro usou a tribuna da ONU para denunciar o regime socialista em Caracas, enquanto também na ONU a ministra de Direitos Humanos, Damares Alves, chegou a deixar uma sala de reuniões quando os representantes chavistas tomaram a palavra.

Relevações ainda desta coluna apontaram como os representantes de Guaidó em Brasília tinham trânsito fácil nas altas esferas do governo brasileiro.

Há poucos meses, numa reunião ministerial extraordinária da Conferência Iberoamericana, o encontro se transformou em um palco de troca de farpas entre os governos do Brasil e da Venezuela. Depois de ataques de Araújo contra Caracas, o chanceler venezuelano Jorge Arreaza respondeu.

"Ficamos muito surpresos. Na verdade, não nos surpreendemos com a intervenção do chanceler Ernesto Araújo. Ficamos preocupados. Sentimos ele um pouco alterado", disse.

Arreaza ainda completou sua resposta com uma sugestão ao brasileiro. "Queria recomendar ao chanceler do Brasil uma receita. O comandante Fidel Castro estudou muito a moringa, uma planta extraordinária, com propriedades curativas e também tranquilizante", disse. "Eu quero recomendar um chá de moringa, com um pouco de valeriana. Já vai ver como se abre o espaço para a tolerância ideológica, para que possamos inclusive debater", disse.

"Podemos inclusive debater eu e o senhor, sozinhos. Eu desafio. Moringa, nos sentamos, falamos de democracia, direitos humanos, da Amazônia, de mudanças climáticas, de geopolítica", afirmou.

O chanceler ainda mandou uma mensagem aos diplomatas brasileiros. "Sei que você estão em resistência, que tem vergonha das posições de seu chanceler. Mas, tranquilos. Isso é temporal e que, no final, nenhum governo, nenhum chanceler pode derrotar a excelência do que representa o Itamaraty. No final, esses anos serão apenas uma má lembrança e nada mais", completou.