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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Governo brasileiro é alçado a líder de aliança ultraconservadora mundial

7.set.2021 - Manifestante segura cartaz de Jair Bolsonaro e Donald Trump no Rio de Janeiro - PILAR OLIVARES/REUTERS
7.set.2021 - Manifestante segura cartaz de Jair Bolsonaro e Donald Trump no Rio de Janeiro Imagem: PILAR OLIVARES/REUTERS

Colunista do UOL

18/10/2021 16h14

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Resumo da notícia

  • Reconhecimento público veio de ex-representante de Donald Trump para temas de saúde da mulher
  • Sem Biden, que retirou os EUA de aliança, bloco liderado pelo Brasil comemora a adesão da pequena Guatemala
  • Fazem parte da aliança países como Hungria e Arábia Saudita

O governo brasileiro foi alçado ao papel de protagonista na defesa de uma agenda antiaborto do cenário internacional, aplaudido pelo movimento ultraconservador, de extrema-direita e religioso no mundo.

O gesto de reconhecimento do papel do Brasil ocorreu na semana passada e quem fez questão de reforçar a postura foi Valery Huber, ex-representante de Donald Trump para temas relacionados à saúde da mulher.

Huber usou um discurso durante a adesão da Guatemala a uma coalizão antiaborto, conhecida como Consenso de Genebra, para deixar claro que o bloco tem hoje o Brasil como líder.

A aliança havia sido estabelecida no dia 20 de outubro de 2020, numa das últimas ações lideradas por Donald Trump e que contou com o apoio de Jair Bolsonaro, além de outros atores como Hungria, Polônia e governos do Oriente Médio acusados de restringir direitos de mulheres, entre eles a Arábia Saudita.

Com a chegada de Joe Biden ao poder nos EUA, a Casa Branca retirou os EUA da iniciativa. Em 2021, os americanos estabeleceram uma outra aliança com governos Ocidentais e democráticos, pressionando por uma agenda progressista para mulheres e para o movimento LGBT.

Mas a manutenção do bloco ultraconservador, com cerca de 30 países, passou a ficar nas mãos do Brasil, por meio da ministra Damares Alves e da secretária de Família, Angela Gandra.

Sem Biden, coube à aliança festejar a adesão da Guatemala. O governo centro-americano, de relevância diplomática questionável no cenário internacional, decidiu aderir à aliança criada por governos ultraconservadores para frear o avanço de certos debates nos organismos internacionais e impedir qualquer referência ao aborto em textos oficiais da ONU, OMS e outras entidades.

Durante a cerimônia na Guatemala, coube a Valery Huber usar seu discurso para destacar o papel do governo Bolsonaro na preservação da aliança.

"Estou muito contente que o Brasil seja agora o país líder dessa coalizão", disse a ex-secretária, que contou que foi ela quem recebeu o mandato de Trump para costurar a criação da coalizão. Hoje, ela é a presidente da Institute For Women´s Health.

"O Brasil está muito afortunado por ter a ministra Damares Alves, uma líder para a dignidade da pessoa humana", disse a americana. Segundo ela, "a vida está sob ataque".

No início do ano, num artigo de opinião, Huber lançou um duro ataque contra Biden, alertando que se tratava do "governo mais pró-aborto". Segundo ela, existiria uma ofensiva do novo presidente para "desmantelar" a aliança liderada agora pelo Brasil.

Antes de servir durante a gestão de Trump, a americana foi a presidente do Ascend, grupo que era conhecido como a Associação Nacional para a Educação de Abstinência e que tinha como meta promover a ideia entre jovens de não manter relações sexuais até o casamento.

Diversos meios de comunicação nos EUA revelaram que, no material didático que as iniciativas de Huber promovia, um deles sugeria aos professores que repassassem aos adolescentes a história de um cavaleiro que fica chateado após a princesa que ele estava tentando salvar sugerir que ele se afastasse.

Eis o trecho:

"Ele nunca mais voltou para a princesa. Em vez disso, ele viveu feliz para sempre na aldeia, e eventualmente se casou com a donzela ... A moral da história: A ajuda ocasional pode ser boa, mas muito diminuirá a confiança de um homem ou até mesmo o afastará de sua princesa".

Adiar a entrada na vida sexual é também um dos pontos centrais da agenda do governo de Jair Bolsonaro.

De fato, quem também tomou a palavra durante o evento na Guatemala foi a ministra Damares Alves, alçada a um patamar de convidada especial.

Atuando como uma espécie de anfitriã da coalizão, Damares felicitou a Guatemala por sua "atitude corajosa" de aderir ao projeto e qualificou a data como um "momento histórico". Segundo a brasileira, o Consenso de Genebra representa uma manifestação de que não existe, no direito internacional, qualquer brecha para o aborto.

"O aborto não é opção de planejamento familiar. Ao contrário: é dever do estado que nos diga que precisamos defender a vida desde a concepção", afirmou disse Damares, insistindo na soberania dos estados.

Ela ainda espera que a adesão da Guatemala "sirva de exemplo" para a região latino-americana, apesar de uma enorme ausência de países do continente que se recusaram a assinar a iniciativa.

Procurada pela reportagem, a pasta sob comando de Damares Alves explicou o posicionamento do governo na dianteira da coalizão:

"A liderança envolve continuar fomentando a adesão de outros países à Declaração (de Genebra). Os objetivos do governo brasileiro, como a Declaração proclama, são reafirmar todos os direitos humanos das mulheres; o direito inerente de todo ser humano à vida; e que, em nenhuma hipótese, o aborto deve ser promovido como um método de planejamento familiar. Como sustenta a Declaração, qualquer medida ou alteração relacionada ao aborto nos sistemas de saúde somente podem ser determinadas no nível nacional ou local, segundo os processos legislativos nacionais".

Ao longo das últimas semanas, membros da pasta liderada por Damares Alves percorreram diversos países, mantendo contato com representantes de movimentos como Opus Dei, grupos negacionistas e poderoso lobby religioso.