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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Em dia decisivo na COP26, Brasil mostra "sinais de flexibilidade" em acordo

Local da COP26, em Glasgow - ALAIN JOCARD / AFP
Local da COP26, em Glasgow Imagem: ALAIN JOCARD / AFP

Colunista do UOL

11/11/2021 07h06

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A Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, em Glasgow, entra em seu dia decisivo, ainda sem um acordo. Mas delegações estrangeiras confirmaram ao UOL nesta quinta-feira que o governo do Brasil mostrou "sinais de flexibilidade" e uma "atitude construtiva" durante as últimas horas de negociações sobre o mercado de crédito de carbono.

Um primeiro rascunho do acordo foi circulado nesta quinta-feira, apresentando pela primeira vez opções sobre como regular o mercado de emissões. Se o Brasil vinha mantendo uma postura dura nos últimos anos, delegações de países escandinavos confirmaram que houve uma "inflexão" por parte do Itamaraty nas últimas horas, aceitando a busca por um ponto de convergência.

O governo brasileiro havia prometido na semana passada que seria flexível. Mas estava deixando delegações irritadas ao não oficializar essa nova postura. Para um dos ministros europeus que esteve na liderança do processo, porém, as últimas horas foram "positivas".

Negociadores, porém, insistem que um acordo ainda não foi fechado e que não há ainda qualquer garantia. Um dos pontos mais críticos seria a criação de um período de transição para que os emergentes possam migrar seus créditos ainda do Protocolo de Kyoto para o novo sistema. Uma das opções seria o estabelecimento de um prazo em 2030.

Mas europeus e americanos alertam que não vão aceitar uma contagem dupla de créditos, o que poderia criar uma concorrência desleal. É o que negociadores chamam de "Caixa 2" no mercado de crédito de carbono.

O processo será concluído nesta sexta-feira, com o encerramento da COP26. Mas ainda não existe acordo sobre diferentes temas, entre eles a transição para uma era sem combustível fóssil ou o financiamento de países emergentes.

Chefe da delegação na COP26, ministro diz que "não viu" acordo

Enquanto o processo entra pela madrugada, a postura do ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, era de evitar comentar até mesmo textos que são públicos.

Ele é oficialmente o chefe da delegação brasileira na Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, em Glasgow. Mas, cinco horas depois de o tão esperado rascunho do acordo de Glasgow ter sido enviado a todas as delegações e de ser o principal assunto da COP26 ainda na quarta-feira, o chefe da pasta alegou que não tinha lido o documento.

Ao ser questionado por um jornalista estrangeiro, Leite respondeu que não poderia comentar. "Não tive acesso ainda", disse, alegando estar em reuniões.

O rascunho do acordo mobilizou o mundo. Delegações foram divididas em pelo menos 15 reuniões bilaterais e regionais, enquanto entidades, sociedade civil, ambientalistas e diplomatas mergulhavam em cada um dos detalhes das sete páginas para entender o que poderia ser possível e o que criaria um impasse.

Pelas mesas dos cafés espalhados pelo centro de convenções e no celular de dezenas de negociadores, o texto era leitura obrigatória.

Quase doze horas depois de o texto ter sido circulado, a reportagem do UOL voltou a perguntar ao ministro o que ele achava do texto que servirá de base para decisões que afetarão o mundo por anos. Mas ele voltou a dizer que desconhecia seu conteúdo. "Não vi", respondeu.

Durante o dia, Leite recebeu o enviado americano para o Clima, John Kerry, e manteve outras reuniões com delegações da Argélia e Uruguai, além de um encontro com o bloco de emergentes com China e Índia. Pela tarde, participou de dois seminários para mostrar uma nova imagem do Brasil "verde". O evento era praticamente para um público brasileiro.

Ao longo dos últimos anos, ministros brasileiros assumiram um papel central nas negociações de acordos climáticos. Uma delas foi Izabella Teixeira, que chegou a ser escolhida para ser uma das mediadoras do Acordo de Paris.

Horas depois de Leite dizer que não tinha lido e enquanto ele participava de seminários, foi a vez do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, ir até Glasgow e fazer um apelo global aos negociadores. "É crucial mostrar ambição", disse o britânico. "Mas se fracassarmos, será um risco colossal e seria desastre para planeta", disse, mostrando conhecer detalhes do acordo. "Não estou dizendo que vai ser fácil. Mas precisamos agir", declarou.

Ele, porém, optou por fazer um apelo aos líderes e negociadores. "Não sentem sobre suas mãos enquanto o mundo nos espera", disse. "Se não vou houver acordo, o mundo vai achar que é incompreensível", insistiu. "Sinceramente, se não houver acordo, vamos merecer as críticas", disse.

Depois de mentir, ministro ganha "antiprêmio" climático

Mas Leite terminou a quarta-feira "recompensado". Por conta de seu discurso na COP26 no qual ele chocou ambientalistas dizendo que "onde há muita floresta há muita pobreza", ele foi escolhido por 1,5 mil entidades da sociedade civil como um dos "fósseis do dia", um antiprêmio concedido aos piores delegados em Glasgow.

Ele ainda mentiu ao anunciar que o plano brasileiro de corte de emissões era "ainda mais ambicioso" que o que as propostas do governo estipulavam. Organizações ambientais, porém, negaram o fato, apontando que houve apenas uma correção depois de o Brasil ter reduzido suas ambições.