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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Representante da ONU soa alerta sobre "espiral da violência" no Brasil

Vítimas de operação na Vila Cruzeiro, zona norte do Rio de Janeiro, foram encaminhadas para hospital Getúlio Vargas - Jose Lucena/Estadão Conteúdo
Vítimas de operação na Vila Cruzeiro, zona norte do Rio de Janeiro, foram encaminhadas para hospital Getúlio Vargas Imagem: Jose Lucena/Estadão Conteúdo

Colunista do UOL

01/06/2022 13h10

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Numa reunião realizada nesta quarta-feira, o representante do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos para a América do Sul, Jan Jarab, relatou que está preocupado com o espiral de violência registrado no Brasil.

O alerta do representante da ONU ocorreu durante um encontro com a Comissão Arns. Na reunião, o grupo de ativistas brasileiro entregou um documento solicitando uma ação urgente por parte das Nações Unidas, tanto no caso do assassinato de Genivaldo Santos em Sergipe, como na chacina em Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro.

De acordo com os membros da Comissão, Jarab relatou uma recente visita às terras indígenas e afirmou, de maneira geral, estar "preocupado com o espiral de violência" no Brasil. A coluna confirmou com membros da ONU que o país passou a fazer parte do radar das principais preocupações da organização, em especial pela tensão política e a atuação do presidente Jair Bolsonaro em incentivar tais atos.

Tanto a visita como os relatórios que Jarab recebeu farão parte de informações que o representante encaminhará para a sede do órgão de direitos humanos, em Genebra. O escritório regional do Alto Comissariado da ONU já havia feito um apelo para que investigações independentes fossem realizadas em relação à violência policial registrada nos últimos dias.

Se tanto a ONU como os ativistas reconheceram que a violência policial é anterior ao governo Bolsonaro, o temor de todos é de que ela ganhe nova proporção neste período eleitoral. Também preocupa a proliferação de portarias dando mandatos para a Polícia Rodoviária, o fim de cursos de direitos humanos na formação de agentes e a celebração do resultado de operações por parte do alto escalão do governo.

Segundo a Comissão Arns, a violência tende a se agravar "diante das homenagens que o presidente faz para as chacinas". "Os autores são celebrados como heróis", denuncia Paulo Sérgio Pinheiro, ex-secretário de Direitos Humanos no governo de Fernando Henrique Cardoso e membro da Comissão.

No documento, a Comissão Arns pede que a ONU pressione as autoridades nacionais a "cumprir as obrigações que o Brasil se comprometeu a obedecer, em relação aos direitos humanos e a decisões judiciais nacionais e internacionais". O grupo ainda aponta que a ONU deve, "diante do aumento descontrolado da violência policial no governo do Sr. Jair Messias Bolsonaro, reforçar a necessidade de incrementar o controle externo da atividade policial exercido pelo Ministério Público, bem como inste seu órgão de controle externo, o Conselho Nacional do Ministério Público, a acompanhar as investigações de graves violações de direitos humanos".

Os ativistas ainda querem que a ONU "condene a ampliação de competências de Polícia Rodoviária Federal para agir fora de suas atribuições constitucionais originárias e que atente para ações para-institucionais, assim como manifestações e declarações de autoridades brasileiras hostis aos direitos humanos, que incentivam a atuação violenta e ilegal das polícias".

Além da reunião, a Comissão Arns recorreu a um novo mecanismo na ONU para lidar com a violência policial e racismo. O instrumento foi criado depois do assassinato de George Floyd, pela polícia americana. Agora, o mecanismo independente vai examinar o caso brasileiro, um temor que o governo de Jair Bolsonaro sempre teve quando o debate sobre a vítima americana entrou na agenda da ONU.

Os ativistas brasileiros também encaminharam para outros relatores da ONU denúncias de violações de direitos humanos cometidos pela polícia brasileira e o papel do Executivo ao incentivar esses atos.

Guarda Pretoriana e golpe de estado

O temor da Comissão Arns é de que a violência que foi registrada nos últimos dias seja apenas um sinal do que pode vir pela frente, com a Polícia Rodoviária e seus 14 mil agentes ganhando novos mandatos por meio de portarias. Pinheiro chega a chamar essa mudança de mandato para a Polícia Rodoviária como uma tentativa de Bolsonaro de criar sua própria guarda pretoriana. "Isso é escandalosamente obsceno", disse.

Para ele, isso seria "o caminho da autocracia sonhada pelo presidente". Pinheiro alerta para o risco de que a Polícia seja instrumentalizada para criar um tumulto ou uma tentativa de golpe de estado. "Bolsonaro tem grande esperança com os 14 mil homens da PR", disse.

Órgão regional condena violência policial no Brasil

Enquanto o representante da ONU passa pelo Brasil, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) emitiu nesta quarta-feira um comunicando em que "condena a violência policial sistêmica contra pessoas afrodescendentes no Brasil".

Ela ainda pede ao governo "investigar pronta, diligente e exaustivamente os eventos ocorridos, assim como sancionar os responsáveis e avançar com uma reparação integral às vítimas e seus familiares".

Citando um estudo da Universidade Federal Fluminense (UFF), a entidade indicou que, entre 2007 e 2021, das 17.929 operações policiais realizadas em favelas do Rio de Janeiro, 593 resultaram em chacinas, com um total de 2.374 pessoas falecidas, o que representaria 41% do total de mortes decorrentes de ações policiais.

A Comissão ainda alerta para a "discriminação múltipla e agravada que os afrodescendentes podem enfrentar quando sua origem étnica racial se cruza com outros fatores como deficiência, origem socioeconômica, entre outros".

"A CIDH lembra o Brasil sobre o seu dever de garantir o cumprimento das normas internacionais sobre o uso da força com base nos princípios da legalidade, proporcionalidade e necessidade absoluta, com vistas à redução da letalidade e da violência policial. Da mesma forma, insta o Estado a garantir que as medidas de segurança pública não discriminem de maneira direta ou indireta a indivíduos ou grupos com base em sua origem étnico-racial ou outros critérios, de acordo com os termos da Convenção Interamericada contra o Racismo, a Discriminação Racial e a Intolerância Relacionada", disse.

A Comissão ainda fez um apelo ao Brasil para prevenir e erradicar atos de violência institucional ligados a padrões de discriminação racial contra a população afrodescendente. Isso exigiria reformar os protocolos e diretrizes dos órgãos locais, estaduais e federais, garantindo que o perfilamento racial e outras práticas discriminatórias explícitas ou implícitas sejam expressamente proibidas e sancionadas. "Ao mesmo tempo, no concernente à reparação oportuna e integral às vítimas, que se incluam recursos judiciais eficazes, medidas de satisfação, garantias de não repetição e compensação", completou.