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Jamil Chade

REPORTAGEM

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Informe do governo Biden cita encontro de Bolsonaro com neta de nazistas

Beatrix Von Storch e Bolsonaro - Reprodução/Instagram
Beatrix Von Storch e Bolsonaro Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista do UOL

04/06/2022 04h00

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Um informe produzido pelo Departamento de Estado norte-americano sobre a liberdade religiosa no mundo cita o encontro entre o presidente Jair Bolsonaro e uma representante da extrema-direita alemã.

O documento, elaborado todos os anos por Washington, examina a questão religiosa no mundo e apresenta um detalhado informe sobre a situação de cada país. No capítulo dedicado ao Brasil, o governo de Joe Biden listou uma série de ataques contra minorias religiosas no país e, para a surpresa de diplomatas brasileiros, não deixou de citar o encontro de Bolsonaro que causou estranheza em diferentes capitais pelo mundo.

"Em julho (de 2021), o presidente Jair Bolsonaro encontrou-se com Beatrix von Storch, deputada e legisladora alemã do Partido Alternativa para a Alemanha (AfD)", informa o documento.

"Representantes do CONIB (Confederação Israelita do Brasil) criticaram a acolhida de Storch, dizendo que a AfD era um partido que minimizou as atrocidades nazistas e o Holocausto", constatou o Departamento de Estado norte-americano. "De acordo com relatos da mídia, porém, a visita oficial de Storch não incluiu nenhuma discussão sobre o nazismo ou o Holocausto", completa.

O documento está sendo publicado uma semana antes da ida de Bolsonaro para a Cúpula das Américas, em Los Angeles. Biden e Bolsonaro devem ter, na ocasião, seu primeiro encontro. A referência aparece em uma lista com casos de ataques contra minorias religiosas no país.

Considerado como tóxico, o partido Alternativa pela Alemanha (Afd) passou a ser monitorado em seu país de origem sob a suspeita de tentar desestabilizar a democracia, além de ser recebido apenas por regimes controversos, ditaduras e violadores de direitos humanos.

Mesmo que tenha sido fora da agenda e divulgado apenas depois do final da viagem, a foto foi recebida no meio diplomático alemão com consternação e decepção em relação ao Brasil. Diversos jornais das principais cidades do país europeu também noticiaram o encontro, num tom de incredulidade. A coluna apurou que o Itamaraty não foi consultado sobre a visita e que o encontro ocorreu sem o conhecimento da diplomacia.

O partido que Bolsonaro recebeu é ainda o primeiro a ser colocado sob vigilância desde 1945 pelo serviço de inteligência doméstica da Alemanha. O motivo: suspeita de tentativa de minar a Constituição democrática da Alemanha.

O AfD conseguiu entrar no Bundestag em 2017, buscando votos da parcela que tinha feito oposição à decisão da chanceler Angela Merkel de receber mais de um milhão de migrantes.

Com o monitoramento, o sistema de inteligência poderá escutar chamadas e conversas envolvendo membros da AfD e examinar o financiamento do partido.

O Conselho Central dos Judeus na Alemanha saudou a decisão. "As políticas destrutivas da AfD minam nossas instituições democráticas e desacreditam a democracia entre os cidadãos", escreveu o grupo.

Beatrix von Storch, a deputada e vice-líder do partido que esteve com Bolsonaro, tem um passado complicado. De um lado, ela é neta do ministro de Finanças de Adolf Hitler por 12 anos e condenado pelo Tribunal de Nuremberg por crimes de guerra. Seu outro avô não era menos conhecido da cúpula nazista e fazia parte da SA, uma milícia paramilitar.

No documento do Departamento de Estado norte-americano, outro citado é o ex-deputado Roberto Jefferson. No Instagram, o bolsonarista associou a comunidade judaica ao infanticídio. "Baal, deidade satânica, cananistas e judeus sacrificavam crianças para receber sua simpatia. Hoje, a história se repete", escreveu o político.

Os americanos destacaram, uma vez mais, como a CONIB se pronunciou, apontando que o ato de Jefferson era um crime de racismo. De acordo com o informe do Departamento de Estado, poucos meses depois, o ex-deputado foi indiciado por "pertencer uma organização criminosa que se opunha à democracia".

Religiões afro-brasileiras

O documento do governo Biden não deixa de destacar outras tendências preocupantes sobre a liberdade religiosa no Brasil.

"De acordo com reportagens da imprensa, evidências anedóticas e outras fontes, o respeito social pelos praticantes de religiões minoritárias - especialmente as religiões afro-brasileiras - continuou fraco, e os ataques aos terreiros continuaram", disse.

"De acordo com a Secretaria Nacional de Direitos Humanos do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, durante o ano, a Linha Direta Nacional de Direitos Humanos recebeu 581 chamadas relatando intolerância religiosa, em comparação com 566 relatórios em 2020", afirmou.

Os americanos ainda descartam como o governo federal criou o Registro Nacional de Organizações Religiosas, um banco de dados voluntário de líderes religiosos e entidades elegíveis para receber fundos federais e para realizar ações em parceria com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.

Mas o texto cita o professor de ciências sociais e líder do Grupo de Estudos Protestantismo e Pentecostalismo da Pontifícia Universidade Católica, Edin Sued Abumanssur, que questiona a iniciativa. "O programa duplicou bases de dados pré-existentes de organizações religiosas, e sugeriu que a criação da nova base de dados fosse uma tentativa de obter o apoio das igrejas na preparação para as eleições presidenciais de 2022", completou.