Topo

Jamil Chade

REPORTAGEM

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Governo Bolsonaro enfrenta mais de 200 denúncias em órgãos internacionais

21.set.2021 - O presidente Jair Bolsonaro durante o discurso de abertura da 76ª Assembleia-Geral da ONU - AFP
21.set.2021 - O presidente Jair Bolsonaro durante o discurso de abertura da 76ª Assembleia-Geral da ONU Imagem: AFP

Colunista do UOL

13/08/2022 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Diante das violações de direitos humanos no Brasil e da incapacidade das instituições de darem uma resposta, os últimos três anos foram marcados por uma explosão de recursos internacionais contra o governo brasileiro. Ações na ONU, em tribunais internacionais ou na Comissão Interamericana de Direitos Humanos se multiplicaram, na esperança por parte da sociedade civil de que a pressão estrangeira possa criar um constrangimento sobre as autoridades nacionais e preencher o vácuo deixado pela Justiça local.

Numa recente reunião entre entidades de direitos humanos e o governo brasileiro, um dos diplomatas responsáveis pelo departamento que lida com esses temas admitiu que o incremento de casos sendo tratados sobre o país é importante.

João Lucas Quental, diretor do Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais do Itamaraty, destacou que são mais de 220 casos tramitando em diversos estágios da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Hoje, o Brasil é um dos três países mais afetados pelas denúncias, numa região que conta com graves violadores de direitos humanos como Venezuela, Nicaragua e tantos outros.

Ao explicar a situação aos demais participantes do encontro, o diplomata admitiu que o aumento de casos é "bastante razoável". Mas justificou que essa expansão é generalizada na Comissão, que recebeu "reforços orçamentários" nos últimos meses.

O incremento de casos também é verificado na Corte Interamericana, que hoje conduz dez casos contra o Brasil. O Itamaraty admite, também nesse processo, que há um "aumento do ritmo" de processos.

O reconhecimento ocorreu na quarta-feira, durante um encontro entre órgãos e ministérios do governo e o Conselho Nacional de Direitos Humanos. O evento era a 3ª Reunião de Monitoramento da Política Externa Brasileira em Direitos Humanos.

Participaram do encontro organizações da sociedade civil que integram a Comissão Permanente de Monitoramento e Ações na Implementação das Obrigações Internacionais em Matéria de Direitos Humanos do colegiado. Pelo governo, participaram a Assessoria Internacional do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e a Divisão de Direitos Humanos do Ministério das Relações Exteriores.

Procurado, o Itamaraty não respondeu às perguntas da reportagem sobre os casos e o aumento da busca pela Comissão. O UOL apurou, porém, que os casos estão relacionados com graves violações de direitos humanos, incluindo em temas indígenas, violência policial, ataques contra jornalistas e o desmonte de sistemas de monitoramento de tortura.

A pressão internacional não vem apenas das instituições regionais. Na ONU, 47 cartas já foram enviadas ao governo brasileiro por parte dos relatores da instituição cobrando respostas sobre violações de direitos humanos. Os temas, uma vez mais, abarcam uma série de setores e tratam das atitudes do presidente sobre o golpe de 1964, a questão indígena, a violência policial, saúde e pesticidas.

O número de queixas ao Brasil é muito superior às demandas dos relatores para países como a França, com 20 denúncias em três anos e meio. Para o Reino Unido, foram 32 queixas nesse mesmo período.

"O aumento de casos envolvendo o Estado brasileiro nos últimos anos junto a órgãos e mecanismos internacionais demonstra não apenas o quanto uma série de políticas e atos administrativos do atual governo fere padrões mínimos de proteção aos direitos humanos", explica Daniel Campos de Carvalho, professor de Direito Internacional do curso de Direito da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Segundo ele, isso "demonstra também um crescente movimento de apropriação das normas e instituições de Direito Internacional pela sociedade civil e pelas vítimas de violações, na busca e promoção do acesso à Justiça para além das instâncias nacionais".

"Além disso, aprofunda ainda mais o recente isolamento do Brasil no plano internacional, algo derivado de o atual governo ter rompido com premissas históricas da política externa brasileira", completa o acadêmico.

Nos últimos anos, porém, a grande novidade é a decisão de entidades nacionais de também recorrer ao Tribunal Penal Internacional, em denúncias contra Jair Bolsonaro. São pelo menos cinco casos públicos, que estão sob análise da procuradoria da corte para decidir sobre uma eventual abertura de uma pré-investigação.

Ainda está sendo aguardada para as próximas semanas a decisão do Tribunal Permanente dos Povos, que julga Bolsonaro por crimes contra a humanidade cometidos durante a pandemia da covid-19, por ataques contra minorias e pelas ameaças contra a democracia. O órgão internacional, criado nos anos 70, não tem o peso do Tribunal Penal Internacional e nem a capacidade de tomar ações contra um estado ou chefe de governo. Mas uma eventual condenação é considerada por grupos da sociedade civil, ex-ministros e juristas como uma chancela importante para colocar pressão sobre o Palácio do Planalto e expor Bolsonaro no mundo.