Lava Jato: Deltan distorce decisão da Suíça, e ilegalidade vira boa notícia
Deltan Dallagnol distorceu a decisão da Justiça suíça de declarar ilegal o envio de um documento por procuradores do país para a Lava Jato sobre a Odebrecht e transformou a notícia em algo positivo para a operação. O plano foi arquitetado pelo ex-procurador e a equipe da Lava Jato, além de Stefan Lenz, então procurador suíço e contato da operação no país europeu.
As conversas pelo Telegram estão nos arquivos da operação Spoofing obtidos pela reportagem, realizada em uma parceria entre o UOL e a newsletter A Grande Guerra. Nas últimas semanas, as revelações publicadas pela parceria levaram o MP a solicitar que o TCU abrisse investigações. O ministro da Justiça, Flávio Dino, também instruiu a Polícia Federal a examinar o caso, principalmente no que se refere ao fluxo de dinheiro movimentado pela Operação Lava Jato.
Deltan foi procurado pelo UOL e não respondeu aos questionamentos. Num dos textos, ele diz claramente que a notícia dada pelos suíços cairia como "uma bomba" no Brasil.
Lenz alertou no dia 20 de janeiro de 2016:
Tenho algumas más notícias
A má notícia era a formalização na Justiça suíça de que o envio de um documento que os suíços fizeram para a Lava Jato era, nas palavras de Lenz, "ilegal". O envio havia sido feito pelos canais oficiais. Mas a Odebrecht entrou com um recurso e conseguiu frear seu uso por alguns meses. Os documentos não precisariam ser devolvidos. Mas tampouco poderiam ser usados pelos procuradores brasileiros, até que uma decisão final fosse tomada entre os suíços.
Segundo a corte suíça, o Ministério Público local teria de dar a possibilidade para que a Odebrecht argumentasse contra o envio dos dados, antes de decidir se era legal.
A Justiça suíça daria, mais tarde, ganho de causa para o envio e uso dos extratos bancários, no que foi o momento divisor de águas na Operação Lava Jato. Isso, no entanto, só ocorreu no dia 5 de outubro de 2016, com a autorização para o uso dos dados finalmente ocorrendo nos primeiros dias de novembro daquele ano — 11 meses depois da "má notícia" dada pelo procurador suíço.
Má notícia vira positiva
Nas conversas, a Lava Jato explora com os suíços duas possibilidades: a primeira seria tentar fazer soar a má notícia, no Brasil, como positiva. A segunda seria pensar em um modo de "legalizar" os documentos recebidos.
O procurador que comandava a operação, Deltan Dallagnol, então começa a ensaiar como seria divulgada a decisão:
Segundo ele, se o tribunal dissesse que a transmissão é ilegal, "é muito provável que a ODE consiga retirar todos os documentos do arquivo do caso no Brasil".
Em seguida, Deltan sugere um modo de esquentar a documentação:
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberEles dirão que tudo é fruto de uma árvore envenenada, e é provável que o tribunal aqui aceite essa teoria... talvez pudéssemos ter outra teoria sobre a mesa: descoberta inevitável, se os documentos viessem de qualquer maneira... apenas um brainstorming aqui"
Stefan Lenz pediu um tempo para discutir o assunto com o Escritório de Justiça Federal da Suíça. Mas garantiu que "a solicitação em si, com todas as informações nela contidas, foi declarada absolutamente legal".
Ainda no mesmo dia, Lenz explicou aos brasileiros que sua equipe de comunicação teria um texto pronto para ser divulgado para a imprensa. E pediu de forma clara:
Instantes depois, seria a vez de um outro procurador brasileiro, identificado apenas como Paulo, expressar mais uma vez a preocupação do grupo da Lava Jato.
Deltan: Vamos minimizar
Ao longo da conversa, ficava ainda claro que existia uma preocupação em relação à versão que a Odebrecht iria usar. Mas também uma manobra para construir uma narrativa que permitisse minimizar a derrota.
No dia 26, Lenz e Deltan voltam a conversar:
No dia 2 de fevereiro, os procuradores brasileiros informariam aos suíços sobre a decisão dos advogados da Odebrecht de repassar a decisão para a imprensa.
Paulo, então, avisou a Stefan Lenz que iria "seguir em frente com nossa nota para a imprensa e começar a receber jornalistas para explicar o caso, ok?"
Imediatamente, o suíço rebateu.
Deltan entra mais uma vez no debate e, depois de conversar por telefone com Lenz, explica que "ele gentilmente pediu que enviássemos os jornalistas também para seu escritório".
Quinze minutos depois, os procuradores brasileiros colocariam no grupo o comunicado de imprensa que tinham elaborado. Na versão construída, não havia qualquer referência às preocupações que os membros da Lava Jato exprimiam nas conversas confidenciais — nem, obviamente, sobre a obtenção de informações por fora dos canais oficiais conforme reportagem do UOL já revelou.
Em seu lugar, apenas uma declaração de vitória contra a Odebrecht:
Odebrecht sofre derrota na Justiça suíça- - Empresa tentava impedir o Ministério Público Federal de usar provas suíças que demonstram que pagou propinas a funcionários da Petrobras - A empresa Odebrecht, por meio de uma das offshores que controla no exterior, recorreu, na Suíça, contra a remessa de documentos bancários ao Brasil em pedido de cooperação internacional formulado por aquele país. Este pedido objetivava a colaboração das autoridades brasileiras para a apuração conduzida pelo Ministério Público da Suíça, que também investiga aquela empresa e seus funcionários pela prática de corrupção e lavagem de dinheiro. Com o recurso, a Odebrecht almejava impedir o uso, no Brasil, dos documentos bancários suíços que comprovam que ela pagou propinas multimilionárias, mediante depósitos diretamente feitos nas contas controladas por funcionários da Petrobras. Contudo, o Tribunal suíço concedeu à empresa apenas o direito a um recurso interno, tal qual ocorreria caso o pedido de cooperação tivesse partido do Brasil para a Suíça. Com relação ao uso dos documentos já enviados ao Brasil, o Tribunal suíço reconheceu que os documentos não precisam ser devolvidos, o que somente ocorreria caso o recurso a ser apresentado à decisão suíça viesse a ser julgado em favor da Odebrecht. Assim, a decisão não tem qualquer efeito sobre a acusação criminal contra executivos da empresa, amparada em amplas provas de pagamentos de propinas no Brasil e no exterior e do desvio de bilhões de reais dos cofres públicos.
Ao final daquela troca de mensagens, Lenz apenas desejou: "Boa sorte!"
O comunicado redigido naquele momento está até hoje no site do Ministério Público Federal, com data de 2 de fevereiro de 2016.
Oficialmente, a Lava Jato apenas pôde usar os documentos e extratos bancários quase um ano depois daquele comunicado de imprensa em que declarava a "derrota" da Odebrecht.
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