Lula evita condenar Rússia e tenta equilíbrio em mundo em guerra
Depois de quatro anos no qual o Brasil foi identificado como um pária internacional e responsável pelo enfraquecimento das instituições internacionais, o discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva reflete um novo momento do papel que o país quer desempenhar no mundo. Mas também escancara a tentativa do Brasil de promover uma reforma no sistema internacional e se equilibrar num mundo em guerra.
No lugar de uma aliança inquestionável com americanos e com a extrema direita globalizada, de um questionamento da ciência, do negacionismo climático e de uma chuva de desinformação, o discurso do Brasil em 2023 sugere uma construção de uma nova ordem mais justa, menos desigual e capaz de criar instituições que permitam que emergentes possam fazer parte da tomada de decisão.
Mas, na esperança de ser um interlocutor capaz de dialogar com todos, Lula tentou um equilíbrio delicado num mundo em guerra. Criticou as guerras, mas evitou mencionar o nome de Vladimir Putin. Falou de paz e alertou para a "incapacidade coletiva" de negociar uma saída para a crise, mas não sinalizou seu apoio ao presidente ucraniano Volodymyr Zelensky.
Em seu discurso, Lula apresentou o mapa de como poderia ser uma reforma das instituições. O discurso, ao abrir a Assembleia Geral da ONU, questionou o status quo de um mundo incapaz de lidar com suas crises.
Mas tocou em verdadeiros vespeiros. Parte central de seu discurso foi a denúncia à hipocrisia internacional, da concentração de renda e poder na mão de poucos e o abandono de crises como Haiti, Palestina, Mali ou Guatemala. Apontou para o dinheiro destinado para armas, mas não ao desenvolvimento.
Lula ainda fez questão de denunciar as potências, apontando como elas seriam responsáveis por "guerras não autorizadas". O presidente foi na mesma linha ao criticar o papel do FMI, ampliando as desigualdades.
Momentos antes de Lula falar, o secretário-geral da ONU, António Guterres, foi na mesma linha de propor mudanças profundas e alertou que o planeta enfrenta "ameaças existenciais", caminha para uma situação cada vez mais inabitável e mergulha numa "transição caótica". Segundo ele, sistema financeiro é injusto e África gasta mais para pagar os juros de suas dívidas que em saúde. "A desigualdade marca nossa era", alertou.
Assim como Lula, Guterres fez um apelo para que as organizações sejam atualizadas e que o Conselho de Segurança da ONU reflita a relação de poder de hoje. "A alternativa à reforma da ONU não é o status quo. Ou teremos reforma ou ruptura", alertou o chefe das Nações Unidas.
Mas tanto a fala de Lula como da ONU enfrenta desafios gigantes. De um lado, potências ocidentais que por décadas ditaram a ordem mundial tentam reorganizar o G7, Otan e outras alianças com o objetivo de não perder espaço e poder.
De outro lado, a China abandona sua timidez e quer moldar o século 21, inclusive forçando a ampliação do Brics para ter um colchão de aliados nos debates internacionais.
Lula não quer um mundo em que o Brasil e outros países tenham de escolher um campo entre as duas hegemonias. Para isso, portanto, precisa criar condições para que um sistema seja estabelecido que permita que cada região tenha força suficiente para garantir sua autonomia e, assim, definir seu futuro.
Não por acaso, em seu discurso, Lula insiste sobre a necessidade de que a dívida dos mais pobres seja lidada e que sejam criados espaços para que as vozes do Sul possam pesar.
Para completar, o Brasil quer que os ricos cumpram suas promessas e assumam suas responsabilidades climáticas, ajudando financeiramente os mais pobres a fazer a transição ecológica.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberCaso contrário, num século 21 em ebulição, serão os países mais pobres, uma vez mais, os mais afetados pelas mudanças climáticas e aprofundando suas vulnerabilidades.
Tanto Lula como a ONU apontam que uma nova ordem mundial é a única maneira de dar uma resposta coerente ao século 21. Mas, hoje e diante da falta de acordos, tal reforma mais parece uma utopia que um plano concreto.
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