Soldados de Israel intimidam médicos e ação humanitária em Gaza, diz ONU
Num informe publicado nesta quarta-feira, a ONU aponta que soldados israelenses passaram a intimidar os agentes humanitários internacionais que tentam entregar comida e remédios para os palestinos em Gaza. Em pelo menos uma ocasião, um desses agentes foi detido pelas forças de Israel enquanto se organizava a retirada autorizada de pacientes em situação grave.
A revelação ocorre no momento em que dezenas de pacotes de suprimentos doados por países, entre eles o Brasil, estão retidos nas fronteiras de Gaza e não conseguem chegar à população.
O governo de Israel afirma que sua operação em Gaza cumpre as exigências do direito humanitário internacional e que sua ação tem permitido a operação humanitária. As autoridades ainda acusam o Hamas de usar centros de saúde e abrigos humanitários como escudo para impedir ataques aos membros do grupo.
De acordo com o levantamento da ONU, apesar da crise, houve de fato uma ampliação dos esforços de operações humanitárias em Gaza no mês de fevereiro em 48%, em comparação ao que existiu em janeiro, passando de 75 para 111 missões.
"No entanto, a eficácia desses esforços ampliados foi prejudicada pela interrupção das operações no norte e por um declínio geral na segurança dos civis, inclusive dos trabalhadores de ajuda humanitária", disse o documento Acesso Humanitário - Fevereiro de 2024, feito pelo Escritório da ONU para Assuntos Humanitários (OCHA). "Esse declínio foi atribuído principalmente à diminuição da presença da polícia local, após uma série de ataques das forças israelenses que resultaram em baixas policiais", explica.
Segundo a ONU, a deterioração da situação impôs "severas restrições de acesso, impedindo significativamente o movimento de ajuda dentro e através de Gaza".
A área mais afetada foi o norte de Gaza. Em fevereiro, a ONU e seus parceiros humanitários planejaram apenas 24 missões para a região, das quais seis (25%) foram facilitadas por Israel.
"Isso contrasta fortemente com janeiro, quando 61 missões foram planejadas para o norte, sendo que nove (15%) foram facilitadas", aponta. "A diminuição das missões planejadas e facilitadas foi resultado principalmente de uma pausa operacional feita depois que um comboio de alimentos coordenado pela ONU foi diretamente atingido por fogo naval israelense em 5 de fevereiro, enquanto aguardava em um ponto de retenção, conforme exigido pelos militares israelenses", explica.
"No dia seguinte, funcionários da ONU relataram assédio e intimidação por parte de soldados israelenses contra eles e membros do comboio em um posto de controle israelense. Esses incidentes, somados aos impactos anteriores sobre os movimentos coordenados pela ONU, levaram a ONU e seus parceiros a suspender temporariamente as missões de ajuda coordenadas ao norte de Gaza a partir da noite de 6 de fevereiro", destacou.
A pausa tinha como objetivo permitir que os militares israelenses produzissem uma estrutura que protegesse adequadamente os funcionários, parceiros e contratados da ONU contra o risco de ataques, abusos ou detenções em postos de controle militares israelenses e em áreas sob controle israelense.
"No entanto, como houve pouco progresso, a ONU tentou enviar dois comboios de alimentos para o norte em 18 e 19 de fevereiro", disse. Mas a falta de lei e ordem - e a "postura agressiva dos militares israelenses em relação às multidões que se aproximavam" - exigiu a renovação da pausa.
Se no norte de Gaza o acesso é considerado como escasso, a ONU admite que viu um aumento de missões coordenadas no sul e em Wadi Gaza.
"Isso se deveu, em grande parte, ao aumento do número de solicitações de coordenação para as missões humanitárias no sul. Em fevereiro, das 200 missões planejadas para áreas ao sul de Wadi Gaza avaliadas como necessitando de coordenação, 105 foram facilitadas com sucesso, ilustrando um aumento significativo de 62% em relação ao número de missões planejadas facilitadas com sucesso em janeiro (65)", disse.
38% das missões negadas
No entanto, em fevereiro, 38% das missões humanitárias coordenadas ao sul de Gaza foram negadas ou impedidas por Israel, um aumento em comparação aos 32% registrados em janeiro. A taxa de adiamentos de missões permaneceu relativamente estável, com os 11% de fevereiro se aproximando dos 9% observados em janeiro.
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JAMIL CHADE
Todo sábado, Jamil escreve sobre temas sociais para uma personalidade com base em sua carreira de correspondente.
Quero receberPausas por falta de segurança
A falta de segurança levou a ONU a suspender duas vezes por 48 horas cada a entrega de alimentos e remédios, apenas no mês de fevereiro.
"A ONU e seus parceiros fizeram uma pausa depois que dois trabalhadores médicos foram detidos em uma evacuação médica coordenada pela ONU em 25 de fevereiro", explicou.
"A detenção ocorreu apesar do fato de o processo de coordenação incluir a autorização israelense de todos os membros do comboio. O comboio estava transportando 24 pacientes em estado crítico, incluindo crianças, uma das quais recém-nascida", disse.
"A missão de evacuação médica encontrou sérias obstruções, inclusive a detenção, que gerou um atraso de mais de sete horas. O incidente - em violação às garantias existentes - destacou ainda mais o contexto de deterioração que os militares israelenses estão impondo aos trabalhadores humanitários e os riscos resultantes", denunciou a ONU.
Diversos outros incidentes foram registrados:
Um ataque israelense que atingiu diretamente ambulâncias que realizavam uma evacuação médica coordenada em 7 de fevereiro
Uma operação militar israelense para prender a equipe médica - que os militares israelenses alegaram ser combatentes - dentro do Hospital Al Amal em 9 de fevereiro;
Operações militares israelenses no Hospital Nasser a partir de 13 de fevereiro.
Como resultado de vários relatos de ataques israelenses, a ONU tentou chegar a Al Amal oito vezes a partir de 15 de fevereiro, mas os movimentos foram negados ou impedidos todas as vezes, exceto por uma missão de abastecimento de combustível em 20 de fevereiro.
Também foi negado à ONU o acesso ao Hospital Nasser para avaliar e dar suporte a pacientes críticos antes do início das operações de resgate.
Em fevereiro, a ONU planejou 27 missões a Nasser, mas apenas 12 foram inicialmente coordenadas pelos militares israelenses para facilitação, das quais seis foram impedidas. As recusas e os impedimentos afetaram especialmente as missões que envolviam evacuações médicas urgentes e reabastecimento.
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