Jamil Chade

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Reportagem

Maduro e Ortega mostram resistência à estratégia de Lula na região

As tentativas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva de criar canais de diálogo com os regimes de esquerda na América Latina mostram seus limites. Enquanto a aposta do Brasil por eleições livres e justas na Venezuela patina, o país vê seu embaixador sendo ameaçado de expulsão no caso da Nicarágua.

Aliados históricos do PT, Daniel Ortega e Nicolás Maduro tinham sido alvos de duras denúncias por parte da comunidade internacional, em especial nos órgãos da ONU. Mas, ao chegar ao poder em 2023, Lula decidiu colocar suas fichas no restabelecimento de canais de comunicação e na aposta por soluções políticas que permitissem abrir caminhos para saídas para essas crises.

A ambição maior do governo Lula era a de criar condições para voltar a falar em um processo de integração regional, um instrumento considerado como fundamental para que o Brasil se posicione como candidato natural da América Latina para uma vaga no Conselho de Segurança da ONU e uma espécie de porta-voz da região.

Com a instabilidade na Venezuela e o comportamento de Ortega, porém, o projeto foi sequestrado pela lógica da disputa entre esquerda e direita latino-americana.

A estratégia, além do diálogo, foi por não expor esses governos nem lavar roupa suja diante da imprensa ou demais países. O governo brasileiro instruiu seus diplomatas no exterior a poupar os governos da Nicarágua e da Venezuela de qualquer crítica pública.

Silêncio sobre crimes de Ortega

Manifestante em prostesto em Manágua pela libertação dos presos políticos na Nicarágua
Manifestante em prostesto em Manágua pela libertação dos presos políticos na Nicarágua Imagem: Oswaldo Rivas - 21.jul.18/Reuters

Ortega chegou a viajar ao Brasil em janeiro do ano passado. Em março de 2023, por exemplo, o governo Lula não se somou a um grupo de países latino-americanos que denunciou o regime de Ortega numa reunião da ONU. O bloco formado por governos de esquerda como Chile e Colômbia — além de Peru, Paraguai e Equador — criticou as autoridades da Nicarágua por violações de direitos humanos.

Até então, o Brasil fazia parte do grupo latino-americano que era o responsável por propor resoluções no Conselho de Direitos Humanos sobre o país centro-americano e autor do projeto que criou a investigação sobre Ortega. Mas, naquele momento, a delegação do Chile tomou a palavra para ler a acusação contra as autoridades nicaraguenses e deixou claro que o Brasil não fez parte.

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Dias antes, uma outra declaração lida em nome de mais de 50 países denunciando Ortega tampouco tinha recebido o apoio brasileiro.

Em meados do ano passado, mais de 50 dissidentes nicaraguenses protestaram contra o posicionamento do governo Lula na OEA (Organização dos Estados Americanos). O centro do debate era uma resolução que condenava o regime centro-americano. Mas uma proposta brasileira de modificação do texto foi interpretada como uma tentativa do Itamaraty de suavizar as críticas contra Ortega.

O governo brasileiro negou que quisesse enfraquecer a resolução e insistia que apenas buscava que canais de diálogo fossem mantidos. No lugar de um documento para isolar o regime ainda mais, o Brasil alertava que o caminho era o de fortalecer a democracia. O Itamaraty também aponta que apenas iria chancelar denúncias e fatos que estivessem comprovados.

Mesmo assim, o grupo de dissidentes nicaraguenses se uniu para protestar. Numa carta aberta, dezenas deles denunciaram o que seria uma "manobra" do governo Lula.

"Rejeitamos as tentativas da delegação diplomática brasileira de flexibilizar os termos em que o Grupo de Trabalho sobre a crise nicaraguense será aprovado pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA)", declararam. "As propostas apresentadas pelo Brasil buscam questionar a brutalidade sem precedente aplicada pela ditadura Ortega-Murillo contra milhares de cidadãos", denunciaram. "Essas propostas ofendem os familiares dos mortos e todas as vítimas da repressão do Estado totalitário de Ortega e Murillo", disseram.

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Mudança de tom

No segundo semestre de 2023, o Itamaraty promoveu uma mudança no seu tom e se aliou a uma iniciativa de países que questionam as violações de direitos humanos cometidas pelo regime de Ortega.

Na ONU, a decisão do Itamaraty foi a de se unir ao grupo formado por Canadá, Costa Rica, Colômbia, Equador, Paraguai e Peru, além do Chile. O bloco solicitava que Ortega libertasse dissidentes e que aceitasse a equipe de inspetores da Comissão de Inquérito criada na ONU para investigar os crimes cometidos pelo regime.

O governo brasileiro insistia que era necessário manter canais de comunicação com Ortega, mas tem sido pressionado até mesmo pela ONU para explicar como essa postura tem resultado em ações concretas.

Dissidentes nicaraguenses, em conversas com o UOL na condição de anonimato, aplaudiram a presença do Brasil no grupo. Mas argumentam que Lula, por sua influência, poderia agir de forma mais contundente para pressionar Ortega a abandonar a repressão.

"Desde o início da crise na Nicarágua, as autoridades nicaraguenses fecharam mais de 3.372 organizações da sociedade civil, incluindo toda a mídia independente e o espaço cívico", denunciam os países, num documento conjunto apresentado no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. "Agora, a Nicarágua está intensificando sua repressão contra a Igreja Católica, com a prisão e a condenação do bispo de Matagalpa, Rolando José Álvarez Lagos, a mais de 26 anos de prisão após sua recusa em se exilar", declararam.

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Ruptura

Foi justamente a tentativa do Brasil de interceder no caso do bispo que levou o governo da Nicarágua a congelar as relações com Lula, ainda no final de 2023. Ortega chegou a esnobar um pedido do presidente brasileiro para falar ao telefone.

Agora, seu embaixador Breno de Souza Costa recebeu um alerta para deixar o país em 15 dias, apesar de o Itamaraty ter buscado caminhos para evitar a expulsão e continuar com os canais de diálogo. O diplomata havia sido instruído por Brasília a não participar da festa dos 45 anos da revolução sandinista.

Internamente, a sinalização de ruptura por parte de Ortega foi recebida como uma ducha de água fria e uma situação nova para um governo que insistia que o diálogo seria seu instrumento de política externa.

Aposta em diálogo na Venezuela também encontra obstáculos

Um percurso parecido vive a diplomacia brasileira com Maduro. Ao chegar ao poder, Lula normalizou as relações com Caracas, reabriu embaixada e consulados e trabalhou ao lado dos EUA como fiador de uma eleição que pudesse encerrar as instabilidades políticas de anos no país.

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Enquanto seus enviados viajavam para a Venezuela, o governo Lula instruiu sua diplomacia a não criticar abertamente Maduro nos fóruns internacionais, sempre na aposta de que seria necessário criar um espaço de confiança para que mudanças reais pudessem ocorrer.

Assim, o Brasil se manteve em silêncio quando a investigação da ONU concluiu sérios crimes cometidos pelo regime de Maduro e repressão. O Itamaraty tampouco chancelou os alertas dos inquéritos que apontavam para o risco que as eleições corriam diante das ações de Caracas.

O UOL apurou que, em vários momentos, interlocutores moderados da oposição alertaram ao governo Lula que existiria o risco de que Brasília seria instrumentalizada pelo regime chavista. A resposta do governo era de que a opção pela ruptura era ainda pior e que apostaria na eleição e no diálogo.

Lula e o Itamaraty sinalizam que vão continuar a buscar um diálogo, tanto com Maduro como com a oposição. Mas negociadores admitem, longe das câmeras, a decepção diante do comportamento do regime venezuelano.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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