Jamil Chade

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Reportagem

Houve tentativa de chantagear cúpula militar a dar golpe, diz José Dirceu

José Dirceu considera que não há como tratar cada um dos casos de distúrbios em Brasília a partir do fim de 2022 como incidentes isolados e alerta que todo o processo foi conduzido por aliados do bolsonarismo para "pressionar e chantagear" a cúpula militar a embarcar num projeto de golpe de Estado.

Em entrevista ao UOL, o ex-ministro do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-05) e ex-deputado federal examinou a situação política nacional diante das revelações da Polícia Federal, que indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro e o general da reserva Braga Netto, ex-ministro da Defesa, e mais 35 pessoas como suspeitos dos crimes de abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa.

Ao relembrar o período entre a derrota de Bolsonaro e o início do governo Lula, Dirceu rebate o governador de São Paulo, Tarcisio Freitas, e diz que não houve normalidade na posse do atual presidente.

Ele também destacou que o indiciamento é o primeiro de generais e militares de alta patente na história do Brasil, insistindo que tais atos são classificados como crimes de alta traição. Para ele, a situação política de Bolsonaro hoje é "gravíssima" e avalia que, em parte, o que impediu o golpe foi a falta de respaldo internacional.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista com Dirceu:

O que significa, para a história do Brasil, a existência de um processo de indiciamento de tantos militares, inclusive generais?

Isso ocorre pela primeira vez na história do país. Os golpistas de 1937 não foram aos tribunais, nem os golpistas de 1955, nem de 1961 e nem os de 1964, que foram anistiados. Portanto, é a primeira vez que o atentado à Constituição, que no caso é um crime de alta traição para os militares, é alvo de um caso assim. Os militares tem, como mandato, defender a Constituição. Isso, portanto, é um fato inédito.

Ainda mais inédito por conta de estarmos vendo isso ocorrer a partir do Poder Judiciário, junto com a Polícia Federal. E não do Parlamento.

Isso mostra que o Brasil tem instrumentos de auto defesa do estado democrático de direito.

O senhor teme algum tipo de reação por parte de outros militares?

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Não creio. Já vimos o que ocorreu no 8 de Janeiro. Na verdade, tudo isso começa quando Jair Bolsonaro viaja para o exterior. A partir de 12 de dezembro, temos atentados. Tivemos uma tentativa de criar uma instabilidade e isso veio à tona agora. O objetivo é o de fazer com que a maioria das Forças Armadas, o Estado Maior do Exército, apoiasse uma intervenção.

Muitas vezes não se dá o valor devido a um incidente. Alega-se que ele é um fato isolado.

Esses fatos todos mostram que a tentativa deles era sempre a de pressionar, chantagear e convencer os altos mandos militares a apoia-los. Não conseguiram.

O que impediu que o plano de golpe fosse adiante?

A situação internacional. Não havia respaldo. O próprio Joe Biden e o Departamento de Estado norte-americano deixaram claro que tinham que garantir o Estado de Direito no Brasil.

E, dentro do país, nem a grande mídia, nem o setor empresarial, bancos deram apoio. Apenas alguns setores do agronegócio e dos pequenos e médios empresários, varejo, sinalizaram nesse sentido. Nem os partidos políticos de direita queriam, tirando o caso da participação de uma minoria dentro do PL. Não havia condições internas no país, nem nas Forças Armadas.

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Outros dois fatores foram fundamentais: a anuência e omissão do Judiciário, e o apoio da grande mídia e o empresariado, financiando.

Diante de tudo que sabemos, a democracia brasileiras sai arranhada ou fortalecida?

Fortalecida. O devido processo legal, presunção de inocência, o ônus da prova cabe à acusação, como tem ocorrido. Provas materiais foram usadas para condenar as pessoas envolvidas no 8 de Janeiro. As pessoas foram filmadas, e se filmaram. Muitos são réus confessos. Portanto, acredito que as provas são robustas, ao contrário do que se diz.

Além disso, não houve nenhuma normalidade no Brasil na posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como argumentou o governador Tarcísio Freitas. Muito pelo contrário.

Tivemos atos de violência em 12 de dezembro, o negacionismo das urnas de campanha. Bolsonaro não deu posse para Lula. Ele [Bolsonaro] repetiu João Figueiredo, que não deu posse ao presidente José Sarney.

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Como o senhor avalia o envolvimento de um ex-presidente entre os indiciados?

Ele era o presidente em exercício naquele momento, conspirando contra o Estado de Direito e a Constituição, e que procurou arrastar as Forças Armadas para esse golpe de estado. É gravíssimo.

Tentar dar golpe de Estado é crime e, no caso de militares, é crime de alta traição.

Um presidente que tenta dar um golpe é um agravante. A situação politica de Bolsonaro é gravíssima.

Há uma ala dos bolsonaristas que afirma que a eventual prisão de Bolsonaro levaria o país a uma guerra civil. É um cenário possível?

A Justiça não pode levar isso em consideração. Lula foi preso num processo sumário político e de exceção. Não há nenhuma justificativa para não aplicar a lei pela ameaça de que isso possa gerar uma reação contra a lei. Então, qualquer organização criminosa pode ameaçar um juiz e pensar que não serão condenados?

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Com Donald Trump no poder em 2025, o senhor acha que ainda exista alguma esperança para Bolsonaro?

Claro que existe a direita internacional e que tem Trump como uma referência. Esse movimento está na Argentina com Javier MIlei e tem suas conexões com o filho de Bolsonaro [Eduardo]. Mas, internamente, Bolsonaro não mais condição alguma, nem legal nem política, de ser candidato à Presidência. Ninguém vai querer mais se associar a ele, depois disso.

Estamos vendo solidariedade por parte de membros de seu partido, de Ciro Nogueira, de Tarcísio. Mas isso é pró-forma. Ele não tem como viabilizar uma candidatura.

Quanto a Trump, uma coisa é ele falar, mas vamos ver se ele consegue fazer tudo o que diz mesmo. Trump vai agir e o mundo vai aplaudi-lo? O caminho do mundo não é o que Trump está apontando. Não é porque ele venceu a eleição que pode tudo.

Faz sentido ainda uma anistia como forma de pacificar o país?

Zero. Sobre o 8 de janeiro, se você anistia uma tentativa de golpe de estado e diante do que sabemos agora da gravidade do caso, então tudo isso vai acabar se repetindo.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.