Jamil Chade

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Reportagem

Biden suaviza ação contra Cuba e exclui de países que patrocinam terrorismo

Às vésperas de deixar o poder, o presidente Joe Biden informa ao Congresso americano que irá retira Cuba da lista de países que patrocinam o terrorismo. A medida faz parte de um gesto para garantir que Havana liberte prisioneiros políticos, e abre espaço para investimentos e um maior comércio com a ilha, que vive sua pior crise econômica em décadas.

A Casa Branca indicou que o gesto ainda ocorre depois de pedidos feitos por países como Brasil, Chile, Espanha, Colômbia e pela União Europeia, assim como pela Santa Sé. Caberá ao Vaticano dialogar pela soltura dos prisioneiros.

Segundo a entidade Anistia Internacional, existiriam cerca de 670 presos em Cuba a partir dos protestos de julho de 2021. Pelo acordo, essas pessoas seriam liberadas antes do final do governo Biden, no dia 20 de janeiro.

Além de retirar da lista de países que patrocinam o terrorismo, Biden também está encerrando sanções criadas por Trump e que restringiam transações financeiras com entidades cubanas.

De acordo com a Casa Branca, duas condições foram atendidas para que a medida pudesse ser anunciada:

O governo de Cuba não forneceu nenhum apoio ao terrorismo internacional durante o período de 6 meses anterior; e

O governo de Cuba deu garantias de que não apoiará atos de terrorismo internacional no futuro.

Cuba passou a fazer parte da lista dos países que patrocinam o terrorismo em 1982, diante das acusações de que Fidel Castro estaria acolhendo membros das Farc. Em 2015, Barack Obama retirou o país da lista.

O risco, porém, é de que essa decisão não tenha uma longa vigência. Na próxima segunda-feira, Biden será sucedido por Donald Trump que, em sua equipe, já designou nomes da ala anticastrista para liderar alguns dos departamentos mais importantes de sua política externa. Um deles, Marco Rubio, é filho de imigrantes cubanos e será o chefe da diplomacia do republicano.

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Foi justamente Rubio, como senador, que apresentou uma proposta de lei em 2023 que impediria Cuba de ser retirada da lista de países patrocinadores do terrorismo.

O senador republicano Ted Cruz, do Texas, já anunciou que vai trabalhar para reverter a medida. "A decisão de hoje é inaceitável por seus méritos. O terrorismo promovido pelo regime cubano não cessou", disse.

Crise se aprofundou

Nos últimos anos, a esperança criada em 2016 com a visita de Barack Obama desapareceu, assim como os dólares dos turistas americanos. Naquele momento, Havana chegou a receber dez voos diários de cidades dos EUA.

Mas, durante a primeira presidência de Trump, não apenas as medidas contra Havana voltaram, como ainda foram reforçadas. No total, 243 medidas foram adotadas. Membros de uma igreja metodista americana chegaram a ser investigados por ajudar uma igreja cubana.

Em 2021, faltando nove dias para deixar o governo, Trump declarou Cuba como país que patrocina o terrorismo, criando ainda novos problemas para empresas de todo o mundo que desejassem vender para a ilha.

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A ofensiva repetia a estratégia dos anos 60 que, num memorando interno do governo norte-americano, dizia que o objetivo do bloqueio era o de "desencantar e desiludir" a população por meio da privação econômica.

Mas, para a surpresa dos cubanos, a vitória de Biden em nada mudou a política americana para Cuba. Nos primeiros meses do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente brasileiro tentou convencer a Casa Branca a rever o embargo com Havana, sem efeito.

O endurecimento do embargo americano, a crise de alimentos com a guerra na Ucrânia e o furacão Ian, em 2022, abalaram a já frágil economia local. Vivendo em grande parte do turismo, a ilha caribenha foi ainda afetada pela covid-19 e que cortou de forma profunda a receita de dólares ao país. "Foi uma tempestade perfeita", disse um dos negociadores.

Em 2023, o PIB cubano encolheu em 2% e, segundo Havana, o bloqueio americano custou à ilha US$ 4,8 bilhões. As remessas de cubanos vivendo no exterior ainda caíram de US$ 2 bilhões há dez anos para apenas US$ 1 bilhão.

Em 2024, Havana chegou a ficar por dias sem luz elétrica, numa crise de abastecimento que levou até mesmo o Brasil a enviar combustível para a ilha.

A crise ainda intensificou o êxodo de Cuba. Os números do governo de Washington apontam que 313 mil pessoas cruzaram as fronteiras dos EUA em 2022. As autoridades aduaneiras americanas ainda falam em 153 mil entradas de cubanos irregulares em 2023, além de outros 67 mil que foram aceitos nos EUA por meio do programa de imigração criado por Joe Biden chamado Parole.

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Em apenas dois anos, portanto, pelo menos 533 mil cubanos deixaram a ilha apenas em direção aos EUA — cerca de 5% dos 11 milhões de cubanos. De cada dez deles, oito estão em idade de trabalho.


Medida ajudaria Brasil

Se confirmada no governo Trump, a medida teria um impacto positivo para o Brasil. No ano passado, o governo cubano iniciou uma negociação para começar a lidar com a dívida que tem com o Brasil. Mas, vivendo sua pior crise econômica em 30 anos, as autoridades cubanas alertaram que o processo para quitar os pagamentos não será simples.

No início de fevereiro de 2024, uma equipe cubana viajou ao Brasil e, numa reunião com o Ministério da Fazenda, sinalizou oficialmente que reconhece a existência das dívidas. Para diplomatas brasileiros, o encontro foi importante, por apontar que as autoridades de Havana estão dispostas a sentar para conversar. Outras fontes em Brasília ainda consideram que se tratou de um "passo relevante, ainda que o diálogo esteja apenas no seu começo".

Do lado brasileiro, o posicionamento foi de que o governo entende as dificuldades, mas que soluções precisam começar a ser buscadas e que um encaminhamento precisa ser feito.

Reconhecida a dívida, o primeiro passo da negociação será sobre o tamanho exato do valor a ser pago. O Brasil aponta que o valor seria de R$ 671,7 milhões. Um dos aspectos centrais se refere ao empréstimo feito pelo BNDES para as obras do porto de Mariel, nas proximidades de Havana.

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Mas os cubanos também sinalizaram que terão dificuldades para iniciar os pagamentos.

O distanciamento promovido pelos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro tampouco ajudou. De uma balança comercial de mais de US$ 670 milhões em 2013, ela hoje não passa de US$ 150 milhões.

O governo brasileiro admite que, diante da crise cubana, é difícil imaginar que haverá um fluxo financeiro constante para arcar com a dívida. A ideia em Brasília é a de dar espaço para que modelos "criativos" sejam encontrados para sair do default.

Reportagem

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