Jamil Chade

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Reportagem

Governo Lula vê ofensiva bolsonarista para atrair Trump à disputa de 2026

No Palácio do Planalto, existem duas visões sobre a posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, nesta segunda-feira (20).

Uma delas é de que a nova era vai criar um terremoto no cenário internacional; a outra é de que a chegada do republicano será instrumentalizada pelo bolsonarismo para tentar criar um terremoto no cenário doméstico em 2026.

Será, para muitos em Brasília, um período de "ruídos" e "turbulência", com a torcida para que se encontre um caminho de "acomodação".

Do lado da diplomacia brasileira, a esperança é de que haja uma relação de pragmatismo entre Trump e Lula. Insistentemente, a chancelaria lembra como o brasileiro conseguiu criar uma relação com George W. Bush, considerado como algo improvável.

De fato, a embaixadora do Brasil em Washington, Maria Luiza Viotti, já teve um primeiro contato com a equipe de Trump. Numa reunião com diversos embaixadores em dezembro, ela pode trocar algumas palavras com o futuro Conselheiro de Segurança Nacional, Mike Waltz. Interlocutores indicaram que ela explicou ao enviado de Trump que o Brasil gostaria de conversar e abrir canais de diálogo.

Antes da eleição, uma equipe do Itamaraty também foi destacada para Washington para dialogar com a ala republicana e grupos conservadores dos EUA.

Após a eleição de Trump, tanto o Palácio do Planalto quanto a equipe do novo presidente chegaram a se falar para coordenar um telefonema entre Lula e o republicano. Mas a data oferecida pelo americano coincidia com o G20, presidido por Lula.

O fato de o futuro chefe da diplomacia americana, Marco Rubio, ter passado cinco horas numa sabatina no Senado na semana passada e não ter citado uma só vez o Brasil foi considerado como um ponto positivo para a chancelaria brasileira. A esperança é de que isso signifique não o país não está no foco prioritário.

Mas, desta vez, há um elemento que não existia há 20 anos, com Bush: a extrema direita brasileira. Em Brasília, a ida de Eduardo Bolsonaro, Michelle Bolsonaro e uma comitiva de parlamentares para os eventos da posse de Trump é um esforço para que possam se fortalecer no âmbito doméstico, já pensando nas eleições presidenciais de 2026.

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A mesma lógica vinga quando o tema é a pressão sobre o STF e Alexandre de Moraes.

A percepção é de que a estratégia é a de criar uma narrativa falsa de uma suposta ditadura no Brasil, cooptar senadores e deputados próximos a Trump e, finalmente, conseguir atrair a atenção do presidente para 2026.

Nos últimos dias, a recusa do STF em entregar o passaporte para Jair Bolsonaro serviu de campo de testes para essa estratégia. Imediatamente, os aliados do ex-presidente entraram em contato com congressistas americanos que, nas redes sociais, ecoaram a ideia de uma suposta perseguição.

Entrevistas para meios tradicionais americanos e de outros países também têm a função de se posicionar no sentido de chamar essa atenção e criar a narrativa sobre a suposta ditadura no Brasil. Em Nova York, uma imagem de Bolsonaro projetada na Times Square também fez parte, na sexta-feira (17), dessa ofensiva.

Neste sábado (18), no aeroporto de Brasília, o próprio Bolsonaro insistiu que esperava que Trump ajude a pressionar para reverter sua inelegibilidade.

Plataformas e alianças com outras democracias

No governo Lula, não são poucos os interlocutores que admitem que a chegada de Elon Musk ao poder também é um fator que ameaça uma desestabilização e turbulência para 2026. Os sinais de empresas como Meta também preocupam.

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Não por acaso, Lula já passou a incluir o debate das redes digitais em várias de suas conversas com líderes estrangeiros. Na semana passada, o tema foi tratado tanto em um telefonema com Emmanuel Macron, da França, como com Antônio Costa, o novo presidente do Conselho Europeu.

Sabotar palco de Lula em Belém

No plano doméstico e internacional, outro cenário do governo Lula é de uma eventual estratégia de Trump, aliada com o bolsonarismo, para sabotar a Conferência do Clima, que ocorre no final do ano em Belém, a COP30.

Trump pode anunciar a retirada dos EUA do Acordo do Clima de Paris, o que esvaziaria a cúpula no Brasil. No Itamaraty, a percepção é de que esse não seria um cenário inédito, já que o americano já fez exatamente esse movimento em 2017. O mundo se uniu para salvar o acordo, e as metas continuaram a ser negociadas. Agora, a previsão é de que a mobilização global seguiria o mesmo caminho.

Uma vez mais, o desafio é a existência de uma tradução doméstica para a operação de Trump. Para o final de 2025, a extrema direita planeja realizar uma cúpula paralela na Amazônia, possivelmente em Manaus, para reunir os principais líderes ultraconservadores.

Disputa com China

Não se descarta ainda no governo que Trump coloque pressão sobre o Brasil diante da aproximação que existe entre Lula e a China. A nova administração americana tem em Pequim seu grande foco de preocupação, e conter seu avanço na América Latina é considerado estratégico.

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O Brasil sabe, porém, que sua presidência do Brics em 2025 pode atrair a atenção de Trump. O republicano quer evitar um enfraquecimento do dólar, um projeto caro para os chineses, e já prometeu implementar tarifas contra quem questionar a moeda americana.

Instabilidade regional

O governo brasileiro também prevê que a chegada de Trump pode significar um período de instabilidade regional, já que grupos de extrema direita pelo continente podem se ver acolhidos pela nova administração americana.

Neste sábado, Eduardo Bolsonaro postou uma foto, já nos EUA, ao lado de alguns dos principais líderes ultraconservadores da região e do partido Vox, herdeiros do franquismo na Espanha.

Uma eventual crise no Canal do Panamá, a incerteza sobre a postura em relação à Venezuela e a tensão sobre a imigração também podem pesar.

Relação madura

Do lado brasileiro, a ordem é a de insistir no diálogo e apostar que pode haver uma relação madura sem a existência de uma amizade entre os presidentes. O exemplo da relação entre Javier Milei e Lula é também evocada para mostrar como dois países podem continuar a comercializar e ter relações sem crises, ainda que os dois chefes de Estado não se falem.

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Os mais irônicos também citam o fato de Joe Biden ter abandonado a região latino-americana nos últimos dois anos.

No caso dos EUA, o estoque de investimentos americanos no Brasil — três vezes superior ao da China — é um fator que negociadores estimam que Trump não vai querer desperdiçar, abrindo uma crise. Ainda assim, o fato de ele ter citado o Brasil como um local onde tarifas são elevadas colocou o governo em alerta sobre possíveis tarifas que possam ser aplicadas contra os produtos nacionais.

Mas, ironicamente, quem poderia ser afetada por essa barreira seria justamente o setor mais próximo ao bolsonarismo: o agronegócio.

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