Países preparam retaliação contra base de Trump em caso de guerra comercial

Governos de diferentes partes do mundo começam a se preparar para o que pode ser uma guerra comercial estabelecida por Donald Trump, que toma posse na segunda-feira (20). Mas a ordem em muitas capitais está sendo a de elaborar uma lista de retaliações que abalem não apenas a Casa Branca, mas principalmente a base do republicano pelo país.
Trump prometeu elevar tarifas de importação contra produtos estrangeiros, inclusive de seus aliados. As barreiras podem ser ilegais, mas, no primeiro mandato do republicano, um dos seus objetivos foi o de desmontar os tribunais internacionais na OMC (Organização Mundial do Comércio), que poderiam frear seu protecionismo. Assim, o presidente eleito sabe que, ao impor tarifas, ficará impune de qualquer julgamento por parte das cortes do comércio.
Para os países potencialmente afetados, a esperança é de que se possa negociar. "Trump é um vendedor de imóveis, é um negociador", afirma um embaixador latino-americano. Mas, enquanto ninguém quer uma guerra comercial contra a maior economia do mundo, todos se preparam para ter algum instrumento para responder.
A opção, portanto, tem sido a de formular listas de produtos americanos que são exportados justamente por aqueles estados que deram a vitória para Trump.
No caso do Canadá, que tem no mercado americano 75% do destino de todas suas exportações, a lista de retaliação inclui suco de laranja da Flórida e aço das regiões industriais que apoiaram Trump. Também foram colocados produtos como iogurte de Wisconsin e uísque de Kentucky. Uma sobretaxa sobre autopeças ainda afetaria Detroit.
Os europeus não escondem que se preparam para uma eventual guerra comercial, repetindo o cenário de 2017 e 2018. Naquele momento, Bruxelas elaborou uma lista de produtos americanos que foram taxados, em retaliação ao comportamento comercial de Trump.
As barreiras foram, portanto, impostas contra calças jeans, motos Harley-Davidson e produtos tradicionais como peanut butter. A meta era a de afetar estados que elegeram republicanos ou que possam representar um custo político elevado.
Naquele momento, a UE aumentou as tarifas sobre motocicletas de 6% para 31%. Alguns dias depois, a Harley-Davidson anunciou que estaria transferindo parte da produção para fora dos EUA para evitar as tarifas mais altas.
Desta vez, a nova lista também começa a ser desenhada, enquanto grupos políticos no Velho Continente admitem que, dependendo da dimensão da guerra comercial, poderão ter de ir além.
Numa carta enviada para Trump, o governo do México também prometeu retaliações e insinuou que seriam as empresas mais próximas do presidente que perderiam. "Para cada tarifa, haverá uma resposta em espécie", escreveu Claudia Sheinbaum, presidente mexicana.
"Entre os principais exportadores do México para os Estados Unidos estão a General Motors, a Stellantis e a Ford Motor Company, que chegou ao México há 80 anos. Por que impor uma tarifa que os colocaria em risco? Tal medida seria inaceitável e levaria à inflação e à perda de empregos tanto nos Estados Unidos quanto no México", escreveu.
Já o governo da Índia aposta que ainda pode negociar com Trump. Mas, nos bastidores, prepara uma estratégia caso seja afetado por novas tarifas. Em Nova Déli, os negociadores ainda se lembram quando, em 2019, o republicano retirou condições especiais de comércio com os indianos. Em resposta, o país asiático retaliou com tarifas contra produtos dos EUA do setor agrícola, um forte apoiador de Trump.
A Índia era o maior comprador de amêndoas dos EUA, pagando US$ 543 milhões por mais da metade das exportações desses produtos americanos. O país ainda era o segundo maior comprador de maçãs dos EUA. Ambos foram sobretaxados.
Inflação e desabastecimento em estados republicanos
Do lado chinês, a aposta é também por uma resposta "inteligente". Trump chegou a alertar que poderia ampliar as tarifas para 60% contra os produtos de Pequim.
Além de também preparar uma lista de retaliações, o argumento que os chineses constroem é que os estados mais afetados por uma eventual barreira americana seriam aqueles que votaram amplamente por Trump. Nesse caso, o impacto viria na forma de inflação e encarecimento dos produtos nos mercados locais.
Num estudo realizado pelo Conselho EUA-China, em colaboração com Oxford Economics, uma guerra comercial e respostas de ambos os lados custariam 800 mil empregos.
Agro americano teme tarifas de Trump
A preocupação para os exportadores americanos é real. Ainda no final de 2024, eles alertaram que uma eventual guerra comercial entre Trump e a China pode ter apenas um vencedor: o Brasil.
A constatação ocorre depois de Trump ter vencido de maneira avassaladora o voto no setor rural americano, marcado pelo conservadorismo. Nos 444 condados dos EUA que dependem mais de 25% da economia no campo, o republicano somou em média 77% dos votos. Ele só não venceu em 11 das 444 regiões. Em 100 desses condados, Trump teve mais de 80% dos votos.
Mas, em um levantamento realizado por algumas das entidades mais poderosas do lobby agrícola americano, os resultados apontam que há um risco real de que uma parcela desses agricultores sejam prejudicados.
Uma tensão comercial entre americanos e chineses, como promete Trump, ampliaria a compra de Pequim da soja e do milho brasileiro, substituindo o produto americano.
Hoje, de acordo com o Departamento de Agricultura dos EUA, a estimativa é de que atividade exportadora do Brasil chegará a superar 153 milhões de toneladas nesses dois produtos entre 2024 e 2025.
Só em 2024, a China importou quase 69 milhões de toneladas de soja do Brasil e pagou quase US$ 30 bilhões por isso. Em novembro, durante a visita oficial de Xi Jinping ao país, seis dos 37 acordos firmados entre Brasil e China estavam diretamente ligados ao Ministério da Agricultura e Pecuária para uma maior abertura do mercado chinês para diversos produtos nacionais. O potencial comercial pode chegar a US$ 500 milhões por ano em setores inclusive dominados pelos produtos americanos.
Mas os estudos feitos pela National Corn Growers Association e pela American Soybean Association apontam que, diante de uma guerra comercial, o Brasil poderia ver um aumento de exportação de até 8,9 milhões de toneladas por ano de milho e soja.
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