Trump perdoa 1,5 mil invasores do Capitólio e abandona Acordo de Paris
Donald Trump, depois de assumir a presidência americana, fez questão de assinar suas primeiras ordens executivas diante de seus apoiadores, numa arena em Washington. Num discurso repleto de ataques contra Joe Biden, Kamala Harris e insistindo na difusão de desinformação, o novo presidente indicou que anulou 78 leis e decretos adotados pelos democratas nos últimos quatro anos.
O republicano ainda sinalizou uma guinada ultraconservadora, o desmonte de leis ambientais, o fim de programas para igualdade racial, a saída do Acordo de Paris e radicalização de ataques contra imigrantes. Seu gesto gerou a primeira crítica pública por parte do governo brasileiro.
Uma das decisões mais esperadas se referia aos invasores do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, data que ficou marcada como um ataque à democracia americana. "Vou assinar perdões para muita gente", anunciou Trump, na noite de segunda-feira. "Vou assinar a soltura de muita gente", insistiu.
Instantes depois, já na Casa Branca, Trump anunciou o "perdão completo" a todos os 1,5 mil indiciados. Seis dos condenados por atos violentos terão suas penas comutadas.
Nas portas da prisão de Washington onde estão muitos dos invasores, o clima foi de "jubilação".
A anistia será aplicada às pessoas que não tenham cometido atos de violência. Para aqueles com denúncias de crimes mais sérios, Trump irá propor uma substituição de pena.
Mas não existe ainda uma confirmação se isso incluiria todos os 1,6 mil acusados formalmente na Justiça ou se aqueles que atuaram de forma violenta continuarão com suas penas.
Durante a campanha, o presidente eleito chamou a data do "dia do amor" e classificou os envolvidos de "patriotas" e "reféns". Em várias ocasiões, se referiu aos invasores como "nós", enquanto grupos radicais que participaram dos ataques passaram a fazer parte de seus comícios, em 2024.
Durante o ataque, 160 policiais foram feridos e a destruição custou aos cofres públicos US$ 2,8 milhões. Um dos líderes do grupo radical Proud Boys, Enrique Tarrio, foi condenado a 22 anos de prisão por conspirar contra os EUA. Mas seu advogado indicou nesta segunda-feira que ele estaria se preparando para ser liberado. Sua pena também foi substituída.
Até agora, 18 réus foram acusados de conspiração, 915 indivíduos se declararam culpados, quatro se declararam culpados de conspiração contra os Estados Unidos. 605 pessoas foram sentenciadas a períodos de encarceramento e mais 141 réus sentenciados a períodos de encarceramento em que lhes foi permitido cumprir a totalidade de sua sentença em prisão domiciliar.
Saída do Acordo de Paris e críticas do Brasil; ONU preocupada com COP30
A avalanche de medidas ainda inclui anúncios no setor de energia, com o fim de medidas de Biden que proibiam novas explorações de gás e petróleo nos EUA. A exploração no Alasca estará no centro das primeiras decisões.
Trump indicou que vai usar a declaração de uma emergência nacional para justificar suas ações, neste caso com o alerta de que os americanos precisam maior acesso à energia. Leis de combate à poluição e regulamentos ambientais serão suspensas.
Mas um dos principais anúncios foi a saída dos EUA do Acordo do Clima de Paris, enquanto os pacotes de incentivos para energia limpa, criados por Biden, são suspensos. Trump chamou o acordo de "um roubo". "Não vamos sabotar nossa indústria, enquanto a China polui", disse.
Durante seu discurso, ele ainda debochou da produção de energia eólica. "Não vamos fazer nada com essa coisa de vento", disse. "Vamos economizar US$ 1 trilhão ao sair do acordo", insistiu. Enquanto assinava uma carta para a ONU informando da saída dos EUA, o público xingava a entidade.
O discurso de Trump gerou profunda preocupação na ONU, principalmente diante dos riscos para a Conferência do Clima, que ocorre em Belém no final do ano. O risco, para diplomatas, é que a negociação seja esvaziada.
Rompendo uma postura diplomática do governo Lula, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, também criticou o discurso. "Seus primeiros anúncios vão na contramão da defesa da transição energética, do combate às mudanças climáticas e da valorização de fontes renováveis na produção de energia", disse a brasileira, abandonando a cautela do Itamaraty e do Palácio do Planalto sobre a relação com Trump.
"São o avesso da política guiada pelas evidências trazidas pela ciência e do bom senso imposto pela realidade dos eventos climáticos extremos que ocorrem, inclusive, em seu próprio país", disse a ministra.
"Vejo com enorme preocupação o anúncio de que o presidente pretende acabar com o Green New Deal, tirar os EUA do Acordo de Paris, retomar a indústria automotiva norte-americana sem dar prioridade para carros elétricos e valorizar o uso de combustíveis fósseis", insistiu a ministra, lembrando que os EUA são o segundo maior emissor global de gases de efeito estufa.
"Serão tempos desafiadores para o mundo inteiro", completou Marina Silva.
Pacote de medidas
Conforme o UOL antecipou, as medidas anunciadas nesta segunda-feira incluem a deportação de imigrantes, pedir que a procuradoria recomende a pena de morte para estrangeiros e o envio de militares na fronteira para impedir a chegada de novos fluxos.
As ordens executivas ainda estabelecem, uma definição biológica de sexo, banir o termo "desinformação", dar maior liberdade às redes sociais, atacar aos direitos do movimento LGBT, acabar com programas de diversidade e desmontar o acesso das mulheres aos direitos reprodutivos.
Em diferentes setores, a equipe de Trump estabelece a declaração de uma emergência nacional, o que lhe daria poderes extras e recursos, sem ter de negociar com o Legislativo ou enfrentar as cortes.
O gesto faz a oposição se lembrar de sua frase, durante a campanha eleitoral, de que não se importaria em ser um "ditador por um dia". Entre ativistas e grupos de direitos humanos, o temor é de que a promessa de respeitar e proteger a Constituição não sobreviva nem até o final do dia.
Para preparar esse momento, Trump construiu a narrativa nas últimas semanas de que sua vitória foi "avassaladora", que tem o controle do Senado e da Câmara dos Deputados, que conta com uma Suprema Corte conservadora e que recebeu o mandato para reconstruir os EUA.
Imigração
Dez decretos sobre a imigração foram assinados, incluindo a declaração de uma "emergência de segurança nacional". Isso permitirá enviar tropas para a fronteira com o México e usar amplos recursos financeiros. Três juízes das cortes que lidam com temas migratórios foram demitidos.
O presidente prometeu ainda que as operações de deportação vão começar "imediatamente".
Trump ainda anunciou que cartéis de drogas serão designados como grupos terroristas - ampliando as possibilidades de atuação das forças armadas.
Um dos decretos ainda retoma programas para manter os estrangeiros no México, enquanto aguardam definições sobre suas condições e vistos.
Novas etapas de construção do muro na fronteira com o México serão retomadas.
Numa das ordens, Trump vai estabelecer a orientação para que a procuradoria e o Departamento de Justiça peçam a pena de morte para imigrantes que cometam assassinatos contra agentes federais.
Autorizações de permanência que Joe Biden deu para venezuelanos, haitianos e cubanos, além de afegãos, serão revistas.
Sua equipe também elaborou uma ordem executiva para acabar com a cidadania por nascimento, excluindo os filhos de refugiados, de imigrantes sem documentos e visitantes de curto prazo dos EUA do direito à cidadania por nascimento estabelecido pela 14ª Emenda.
Fica suspensa também qualquer iniciativa de reassentamento de refugiados aos EUA. Por ano, cerca de 100 mil pessoas são aceitas nesses programas.
Segundo os assessores do americano, estrangeiros poderão começar a ver o impacto das leis a partir de terça-feira, às 6h. Rumores de deportações em cidades como Chicago e Nova York deixaram milhares de estrangeiros apreensivos. Já os aplicativos de programas de imigração criados por Joe Biden saíram do ar, horas depois da posse.
Fim de diversidade e de programas contra racismo, antiaborto e definição de "sexo"
Entre as medidas anunciadas no primeiro dia, Trump anulou um programa criado por Biden que promovia igualdade racial dentro da máquina do estado.
Ele reverteu as decisões de Biden que permitiam que o governo americano financie organizações no exterior e no país que promovam direitos sexuais e reprodutivos, inclusive aborto onde a prática é legalizada.
Os decretos ainda desmontam direitos criados para a comunidade LGBT nos EUA. Para critérios de financiamento, o governo vai determinar uma definição biológica de sexo, num ataque deliberado contra a comunidade trans. A partir de agora, o governo reconhece apenas "masculino" e "feminino" na identidade dos cidadãos.
Ficam abaladas ainda as medidas de proteção contra estudantes trans.
A Casa Branca ainda vai instruir suas agências a remover termos como "não-binário" e "outros" nos documentos oficiais, incluindo passaportes e carteiras de identificação.
Também são suspensos programas para garantir a diversidade no governo e suas agências, assim como nas forças armadas. Um sistema baseado exclusivamente em critérios de mérito vai ser estabelecido.
Fim do termo "desinformação" e ataques contra a "censura"
Na arena de Washington, ele anunciou a assinatura de uma ordem executiva para determinar o "fim da censura governamental" e a promoção da "liberdade de expressão".
Uma de suas ações é a de proibir que os departamentos e agências federais possam ter contratos ou trabalhem com grupos de checagem de informação ou qualquer entidade que combata desinformação, sob o risco de que sejam demitidos. O termo "desinformação" passará a ser considerado como uma estratégia para aplicar medidas de censura.
Tarifas evitadas, mas guerra comercial não descartada
Trump assinou um decreto que instaura uma avaliação global de todas as tarifas aplicadas contra produtos estrangeiros. China, Índia, Brasil e outros países poderiam estar no foco, inclusive aliados europeus, México e Canadá. Se o governo concluir que não há reciprocidade por parte dos demais parceiros comerciais, tarifas serão estabelecidas.
As investigações também serão conduzidas contra países que usam a moeda para ganhar competitividade.
Ele ainda anunciou a criação de um órgão estatal responsável por coletar as tarifas de bens importados. "Tarifas vão nos fazer ricos", disse.
Reforma administrativa e lealdade
Trump ainda assinou um congelamento de regulações no estado, numa promessa de desburocratização. Haverá ainda um congelamento de contratações para garantir que os novos funcionários sejam "leais". Os que ficaram terão de trabalhar nos escritórios, sem a possibilidade de home office.
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