Jamil Chade

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Reportagem

Trump mandará tropas às fronteiras em início de guinada conservadora

Nesta segunda-feira, Donald Trump retoma o poder, com a adoção de uma centena de decretos que vão determinar a deportação de imigrantes, o envio de militares na fronteira para impedir a chegada de novos fluxos e recomendar que penas de morte sejam sugeridas pelos procuradores contra imigrantes que matem agentes de segurança.

As ordens executivas vão ainda estabelecer uma definição biológica de sexo, banir o termo "desinformação", dar maior liberdade às redes sociais, atacar aos direitos do movimento LGBT, acabar com programas de diversidade e desmontar o acesso das mulheres aos direitos reprodutivos.

Seus decretos também vão restabelecer a era do petróleo e o desmonte de leis ambientais.

A guinada conservadora ocorre depois de ele ter sido derrotado nas urnas há quatro anos e dado como "encerrado" em sua carreira política. Desde então, foi condenado criminalmente e sofreu dois atentados. Mas sobreviveu, em todos os sentidos, e venceu com folga a eleição de 2024 contra Kamala Harris.

Agora, ele fará o juramento cercado por uma nova elite econômica e personalidades como Elon Musk, Mark Zuckerberg e Jeff Bezos na ala de maior destaque da posse. Os três empresários ainda estiveram na manhã desta segunda-feira na missa organizada para a família de Trump e sua presidência, ao lado ainda dos líderes do Google.

Em diferentes setores, a equipe de Trump avalia a declaração de uma emergência nacional, o que lhe daria poderes extras e recursos, sem ter de negociar com o Legislativo ou enfrentar as cortes. Alguns membros de seu time de advogados chegam a apontar que cem decretos são esperados para hoje, driblando qualquer necessidade de negociação com o Congresso americano.

O gesto faz a oposição se lembrar de sua frase, durante a campanha eleitoral, de que não se importaria em ser um "ditador por um dia". Entre ativistas e grupos de direitos humanos, o temor é de que a promessa de respeitar e proteger a Constituição não sobreviva nem até o final do dia.

Para preparar esse momento, Trump construiu a narrativa nas últimas semanas de que sua vitória foi "avassaladora", que tem o controle do Senado e da Câmara dos Deputados, que conta com uma Suprema Corte conservadora e que recebeu o mandato para reconstruir os EUA.

Fontes internas no governo americano e mesmo militares admitiram ao UOL que essa ofensiva seja sua estratégia para justificar violações às leis do país.

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As ordens executivas no momento de inauguração de governo são comuns. Mas o que Trump promete fazer é inédito em tempos modernos. Alguns dos decretos terão um profundo impacto na economia mundial e na sociedade. Outros darão apenas o tom simbólico do que serão os próximos quatro anos.

No domingo, Trump disse que o número de ordens que ele assinará após assumir o cargo será "recorde". Perguntado se ultrapassaria cem, disse: "pelo menos nessa categoria". A Fox News, porém, chega a falar em 200 decretos. "Não vamos esperar. Vou assinar tudo de uma vez só", disse.

Tropas nas fronteiras, pena de morte e declaração de emergência nacional

As promessas de Trump para o primeiro dia de seu novo mandato incluem um programa de deportação em massa e dez decretos exclusivamente sobre imigração, inclusive com a declaração de uma emergência nacional.

Um deles vai colocar militares para garantir a segurança da fronteira com o México e para que seja iniciado mais um trecho da construção do muro.

Numa das ordens, Trump vai estabelecer a orientação para que a procuradoria e o Departamento de Justiça peçam a pena de morte para imigrantes que cometam assassinatos contra agentes federais.

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Refugiados também serão afetados, com planos para que eles aguardem a definição de seu pedido de asilo fora dos EUA. Autorizações de permanência que Joe Biden deu para venezuelanos, haitianos e cubanos, além de afegãos, podem ser revistas.

Sua equipe também elabora uma ordem executiva para acabar com a cidadania por nascimento, excluindo os filhos de refugidos, de imigrantes sem documentos e visitantes de curto prazo dos EUA do direito à cidadania por nascimento estabelecido pela 14ª Emenda. Mas os ataques realizados por advogados e ativistas de direitos humanos em cortes podem atrasar sua implementação.

Fica suspensa também qualquer iniciativa de reassentamento de refugiados aos EUA. Por ano, cerca de 100 mil pessoas são aceitas nesses programas.

Enquanto isso, ativistas, advogados e defensores de direitos humanos tentavam se preparar, com rumores de que as operações poderiam começar em Chicago na terça-feira, e mesmo em Nova York.

Há um mês, num encontro com senadores republicanos, a equipe de Trump explicou, de fato, que os decretos incluem o fechamento da fronteira entre os EUA e o México, ordens para a conclusão do muro na fronteira, a criação de instalações de detenção de imigrantes, onde eles poderiam ser alojados até serem expulsos, numa operação prevista para custar bilhões de dólares. O foco inicial seria a deportação de cerca de um milhão de migrantes que, segundo os republicanos, entraram no país mais recentemente, foram condenados por crimes ou que os tribunais determinaram que não são elegíveis para permanecer nos EUA.

Sua equipe ainda desenhou uma declaração de emergência nacional por conta da imigração, o que permitirá que ele tenha acesso a recursos extras e ainda mais poder.

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As propostas ainda preveem o fim de medidas que facilitam que um imigrante possa aguardar em liberdade a definição legal de sua situação, assim como ações para acelerar as deportações.

O presidente eleito dos EUA, Donald Trump, e sua esposa Melania Trump assistem a fogos de artifício durante uma recepção em sua homenagem no Trump National Golf Club Washington DC
O presidente eleito dos EUA, Donald Trump, e sua esposa Melania Trump assistem a fogos de artifício durante uma recepção em sua homenagem no Trump National Golf Club Washington DC Imagem: Alex Brandon - 18.jan.25/AFP

Gangues definidas como grupos terroristas

Além disso, Trump irá adiante com sua ideia de designar cartéis de drogas como organizações terroristas, permitindo que as operações possam envolver forças armadas e outras regras de combate.

Fim de diversidade, antiaborto e definição de "sexo"

Entre as medidas anunciadas no primeiro dia, Trump deve reverter decisões de Biden que permitiam que o governo americano financiasse organizações no exterior e no país que promovam direitos sexuais e reprodutivos, inclusive aborto onde a prática é legalizada. Se isso ocorrer, a estimativa é de que milhões de mulheres poderão ficar sem atendimento pelo mundo.

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Os decretos ainda desmontarão direitos criados para a comunidade LGBT nos EUA. Para critérios de financiamento, o governo vai determinar uma definição biológica de sexo, num ataque deliberado contra a comunidade trans.

Ficam abaladas ainda as medidas de proteção contra estudantes trans.

A Casa Branca ainda vai instruir suas agências a removar termos como "não-binário" e "outros" nos documentos oficiais, incluindo passaportes e carteiras de identificação.

O próprio Trump já anunciou no domingo que estará encerrando todos os programas para garantir a diversidade no governo e suas agências, assim como nas forças armadas. Um sistema baseado exclusivamente em critérios de mérito vai ser estabelecido.

Fim do termo "desinformação" e ataques contra a "censura"

No setor das Big Techs, Trump também promete novidades. Uma delas é a de garantir que as redes sociais e o desenvolvimento de Inteligência Artificial sejam blindados contra qualquer tipo de regulamentação. O republicano promete "destruir o regime de censura da esquerda e reivindicar o direito de liberdade de expressão para todos os americanos".

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Uma de suas ações será a de proibir que os departamentos e agências federais possam ter contratos ou trabalhem com grupos de checagem de informação ou qualquer entidade que combata desinformação, sob o risco de que sejam demitidos. O termo "desinformação" passará a ser considerado como uma estratégia para aplicar medidas de censura.

Guerra comercial e moeda

Também é aguardado para o primeiro dia de seu governo o anúncio do início de uma investigação contra produtos estrangeiros para promover uma eventual elevação de tarifas de importação, inclusive contra aliados, México e Canadá. Para a China, as barreiras serão ainda mais elevadas, o que abre o risco de uma guerra comercial e retaliações por parte de governos pelo mundo.

As investigações também serão conduzidas contra países que usam a moeda para ganhar competitividade.

Para supostamente lidar com o déficit americano, Trump examinou nos últimos dias a possibilidade de também declarar uma emergência nacional, algo que leis dos anos 70 permitiam.

Durante os últimos dias, ele ainda anunciou a criação de um órgão estatal responsável por coletar as tarifas de bens importados.

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Petróleo e fim de Acordo de Paris

A avalanche de medidas ainda incluiria anúncios no setor de energia, com o fim de medidas de Biden que proibiam novas explorações de gás e petróleo nos EUA. A exploração no Alaska estaria no centro das primeiras decisões.

Neste domingo, Trump indicou que vai usar a declaração de uma emergência nacional para justificar suas ações, neste caso com o alerta de que os americanos precisam maior acesso à energia.

Se isso ocorrer, leis de combate à poluição e regulamentos ambientais seriam suspensos com maior facilidade. Quando Trump escolheu seu representante para a Agência Ambiental, ele deixou claro que seu trabalho seria o de desregulamentar o setor para permitir que o "pleno potencial da economia americana" pudesse ser realizado. No domingo, ele voltou a falar em desregulamentação ambiental e uma ordem para parar a construção de infraestrutura eólica.

Não se descarta tampouco a saída dos EUA do Acordo do Clima de Paris. Os pacotes de incentivos para energia limpa, criados por Biden, serão suspensos.

Perdão aos invasores do Capitólio

Trump se comprometeu ainda a perdoar os invasores do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, e disse que isso seria feito em seus "primeiros nove minutos" no governo. Mas não existe ainda uma confirmação se isso incluiria todos os 1,6 mil acusados formalmente na Justiça ou se aqueles que atuaram de forma violenta continuarão com suas penas.

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Durante a campanha, o presidente eleito chamou a data do "dia do amor" e classificou os envolvidos de "patriotas" e "reféns". Em várias ocasiões, se referiu aos invasores como "nós", enquanto grupos radicais que participaram dos ataques passaram a fazer parte de seus comícios, em 2024.

Durante o ataque, 160 policiais foram feridos e a destruição custou aos cofres públicos US$ 2,8 milhões. Um dos líderes do grupo radical Proud Boys, Enrique Tarrio, foi condenado a 22 anos de prisão por conspirar contra os EUA.

Até agora, 18 réus foram acusados de conspiração, 915 indivíduos se declararam culpados, quatro se declararam culpados de conspiração contra os Estados Unidos. 605 pessoas foram sentenciadas a períodos de encarceramento e mais 141 réus sentenciados a períodos de encarceramento em que lhes foi permitido cumprir a totalidade de sua sentença em prisão domiciliar.

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